A maioria dos usuários de planos de saúde no Brasil, 67%, está em contratos empresariais. Como maiores financiadores do setor, as companhias empregadoras acabam ditando os rumos da saúde suplementar.

Este ano, a pandemia freou as mudanças nos contratos de assistência médica das empresas. Apenas 13% implementaram alterações, de janeiro a julho. Outros 8% pretendem fazer mudanças nos próximos seis ou 12 meses.

Cenário bem diferente do registrado de janeiro a junho de 2019, quando 94% das companhias fizeram modificações na assistência médica de seus empregados.

Nesse período de pandemia, no entanto, foi reforçada a tendência de cobrança de coparticipação dos empregados — isto é, o pagamento de um percentual do valor do procedimento pelo usuário.

A medida passou a ser adotada por 44% das empresas que alteraram seus contratos nesse período, de olho na redução de custos.

Revolução sem volta

Os dados são de uma pesquisa da Mercer Marsh Benefícios, com 324 empresas, sendo 78% com mais de três mil funcionários. O levantamento também mostra que o distanciamento exigido pelo coronavírus acelerou a adoção de serviços ligados à tecnologia.

De janeiro a julho, 54% das empresas adotaram a telemedicina, 40% passaram a oferecer terapia on-line e 61% disponibilizaram atividades físicas a distância.

— Esses novos benefícios devem se manter após a pandemia, pois ampliam o acesso do empregado ao serviço, reduzem custo e facilitam a gestão de saúde — explica Mariana Dias Lucon, diretora de Produtos e Consultoria da Mercer Marsh Benefícios.

Segundo Jean Schulz, sócio-fundador da Mobile Saúde, que desenvolve tecnologias para telemedicina e autoatendimento para cem planos de saúde, com 7,5 milhões de usuários, houve um aumento de 150% na demanda das empresas por sistemas on-line e de teleconsulta no primeiro semestre:

— No primeiro mês da pandemia, foram feitos 600 atendimentos via telemedicina. Em agosto, foram 20 mil. A pandemia deu o empurrão que faltava para a adoção dessa tecnologia.

Clareza na coparticipação

Segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), os números de atendimentos por telemedicina ainda não são significativos: de abril a junho, foram feitas 16 milhões de consultas médicas. Deste total, 59 mil a distância.

— A telemedicina ainda está engatinhando, mas é muito difícil quando damos um passo à frente em direção à tecnologia voltar para trás. Mas esse serviço tem que ser visto como mais uma opção, não uma substituição — diz César Serra, diretor de Desenvolvimento Setorial da ANS, que acrescenta: — As inovações sempre começam pelos planos empresariais e acabam se disseminando por outros tipos de contrato.

Na avaliação da advogada Ana Carolina Navarrete, coordenadora do setor de Saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), o benefício da telemedicina para o usuário do plano de saúde depende do modelo adotado:

— Pode ser interessante para gestão e orientação do usuário. A incerteza é quanto à qualidade do atendimento a distância, e a preocupação de que a telemedicina seja usada como entrave ao acesso à consulta presencial ou à rede credenciada do plano.

Se a telemedicina pode ter efeito positivo, Ana Carolina considera que a coparticipação é sempre prejudicial aos beneficiários:

— Estudos apontam que coparticipação e franquia são um entrave ao atendimento. Além disso, o barateamento obtido com esses mecanismos normalmente não são repassados ao trabalhador, ficam com o empregador, que é o contratante do plano.

Mais poder ao empregado

Serra discorda da advogada. Segundo ele, no mundo inteiro a coparticipação é usada para evitar desperdícios e reduzir o custo do plano de saúde. No Brasil, 54,8% de todos os usuários de planos de saúde, entre individuais, coletivos por adesão e empresariais, já pagam coparticipação ou franquia. Há dez anos, eram 31% do total.

— Diante da pressão da inflação médica sobre as empresas, a adoção da coparticipação é uma forma de redução imediata do custo. Como o custeio do plano é rateado por todos, essa redução também chega ao empregado.

O ponto-chave é que o beneficiário não pode ser surpreendido, ele tem que saber como funciona, quanto pagará. Cobranças desproporcionais devem ser denunciadas à ANS — explica o diretor da agência.

Um terço das empresas ouvidas pela Mercer Marsh Benefício disseram ainda que pretendem adotar benefícios flexíveis. Isto é, será apresentado ao empregado uma cesta de produtos, entre plano de saúde, seguro de vida, academia e cursos, e ele escolherá os benefícios que deseja.

Na avaliação de Martha Oliveira, diretora executiva da consultoria Designing Saúde, esse movimento dará mais poder ao empregado:

— Isso levará as empresas a terem que demonstrar seu valor e oferecer alternativas, pois o empregado decidirá quanto do recurso que ele tem disponível na sua cesta de benefícios vai empregar em plano de saúde.

Martha destaca, no entanto, que a pesquisa é um retrato de uma parte do mercado, de grandes empresas que têm recursos para manter o plano de saúde:

— Para pequenas empresas e planos individuais, a realidade é outra. Com perda de faturamento e de renda, efeito da pandemia, muitos vão ter que deixar a saúde suplementar.