As reformas administrativa e tributária são os temas mais espinhosos que o governo vai ter que tratar com o Congresso quando encaminhar a agenda econômica pós-reforma da Previdência ao Legislativo. Enquanto o ministro da Economia, Paulo Guedes, não entrega seu projeto de simplificação tributária, já que prioriza a reforma administrativa, o Parlamento trabalha com duas propostas na área de impostos, uma na Câmara, outra no Senado. Nenhuma, no entanto, agrada ao setor de serviços, que alerta: planos de saúde e mensalidades escolares ficarão mais caras se a unificação de impostos, prevista nos dois textos, passar.

As Propostas de Emenda à Constituição (PECs) nº 45/2019 e nº 110/2019 — e mesmo o projeto do governo, que caminha para a unificação do PIS-Cofins, criando um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) — são vistas com ressalvas e receberam críticas de especialistas. O presidente da Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde), Breno Monteiro, calcula que a carga tributária desses setores pode mais do que dobrar com a unificação de alíquotas, o que atingiria diretamente o consumidor.

“Hoje, os impostos que se pretende unificar geram encargos em torno de 7% a 9% para o setor de saúde. O governo fala em ficar em 25% o ‘imposto único’. Com o aumento da carga em serviços essenciais, mais cidadãos deixarão o sistema suplementar para buscar a saúde pública. Estamos tentando alertar os parlamentares”, disse. Monteiro explicou que as duas propostas do Legislativo também provocam essa distorção.

“No Senado, numa articulação de vários representantes do setor, conseguimos convencer o relator a apresentar um tratamento diferenciado para as cadeias produtivas da saúde e da educação, por meio de uma lei complementar. Se a alíquota do imposto único ficar em 25%, o setor de saúde continuaria sendo taxado em 7,5%”, explicou. Apesar de ter sensibilizado o relator da PEC nº 110/2019, senador Roberto Rocha (PSB-MA), o setor ainda aguarda um posicionamento do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), relator da PEC nº 45/2019.

Um levantamento feito pelos economistas Celso de Barros Correia Neto e José Evande Carvalho Araújo, consultores da Câmara, constatou várias críticas ao apontar que as duas propostas em tramitação, que unificam tributos, não devem tornar o sistema tributário mais justo nem menos regressivo, uma vez que “a uniformidade das alíquotas desconsidera as diferenças regionais, entre segmentos econômicos e a essencialidade de certos produtos”.

O diretor da CBPI Produtividade Institucional, Emerson Casali, também criticou a ideia do governo de unificar o PIS-Cofins e, depois, agregá-lo ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), criando o IVA (Imposto sobre Valor Agregado) Federal. Para ele, a medida pode elevar o valor da contribuição em até 200% no setor de serviços, caso a alíquota do IVA Federal seja unificada em 11%. A CBPI foi uma das articuladoras contra o avanço da reforma do PIS-Cofins em 2015, quando o ex-ministro da Fazenda, Joaquim Levy, apresentou a proposta.

Casali lembrou que PIS e Cofins são bastante controversos, tanto que o governo já perdeu na Justiça ações que questionavam a base de cálculo dos tributos. Em geral, a proposta de unificação dos regimes é questionada, devido à diferenciação na cobrança. A tributação de PIS-Cofins varia de acordo com o porte das empresas. No regime cumulativo, a empresa paga alíquota total de 3,65% sobre a receita bruta, como as dos setores intensivos de mão de obra, como educação, saúde, segurança privada, telecomunicações; as optantes pelo regime fiscal de lucro presumidos e as cadastradas no Simples.

No regime não cumulativo, a alíquota conjunta é de 9,25% sobre a receita bruta e abrange empresas que fazem a declaração de lucro real, ou seja, as grandes empresas. E, como existe a compensação de créditos sobre produtos e serviços, a alíquota final varia entre 3% e 4%. Esses dois tributos federais geram uma série de litígios judiciais devido à progressividade de incidência na cadeia. “É possível construir uma proposta de consenso que simplifique o sistema tributário, mas não prejudique o consumidor e estimule a criação de postos de trabalho”, destacou Casali.

De acordo com o analista, a proposta do governo traz ganhos para as empresas que já operam no regime não cumulativo, mas tem impactos assimétricos nos demais setores. Para os segmentos de mão de obra intensiva, nos quais a folha de pessoal representa 65% dos custos, a carga tributária pode triplicar. “Mais do que reforma, é preciso fazer uma discussão sobre justiça tributária. Nos setores de mão de obra intensiva, o custo dos encargos da folha chega a 28%; nos setores intensivos de capital, o custo é de 1% a 2% do faturamento”, comparou.

Guedes prepara “agenda ampla”

O consenso entre economistas e parlamentares é de que a reforma da Previdência não resolve todos os problemas das contas públicas, e o governo está demorando para apresentar sua agenda econômica. O ministro da Economia, Paulo Guedes, promete entregar esta semana ao Congresso suas propostas. A expectativa era de que o anúncio do pacote ocorresse no fim de julho, mas foi postergado por conta das negociações das alterações no sistema de aposentadorias.

Nesta terça-feira (29/10), o Ministério divulgou nota na qual afirma que prepara “uma ampla agenda de transformação do Estado brasileiro, que propõe a criação de um Novo Serviço Público”. O objetivo, segundo a pasta, é ampliar e melhorar a qualidade dos serviços oferecidos à população. O comunicado ressalta, ainda, que a proposta “tem como premissa a manutenção da estabilidade, do emprego e do salário dos atuais servidores”.

Enquanto Guedes prioriza a reforma administrativa, porque “a tributária esfriou e não deve avançar em 2019”, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já alertou a equipe econômica que o Parlamento considera a mudança no sistema de tributos igualmente importante. O relator da reforma tributária na comissão especial da Câmara, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), também afirmou que não há acordo para adiar o assunto para o ano que vem.

No pacote do governo, dividido em cinco eixos, a reforma administrativa é prioridade. O governo quer reduzir o número de carreiras e o salário inicial dos servidores públicos e mexer na estabilidade dos novos funcionários. Os outros pontos da agenda são: PEC emergencial (para cortar gastos obrigatórios e abrir espaço para investimentos); PEC DDD (desvincular, desindexar e desobrigar — tirar as “amarras” — dos gastos do Orçamento); pacto federativo (uma nova divisão dos recursos entre estados e municípios, com repartição dos recursos do pré-sal); e programa de ajuda aos estados.

De acordo com a economista Vilma da Conceição Pinto, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), é preciso que o governo também se preocupe com o problema da desigualdade social quando for apresentar as propostas de reformas. “Essas reformas são necessárias, mas, no caso da tributária, a discussão precisa ser mais ampla, com enfoque em uma melhor distribuição da carga tributária”, destacou. Em um levantamento feito pela economista, o Brasil é um dos países com maior carga tributária entre os emergentes, com taxas semelhantes ao de economias desenvolvidas.

Para o economista Simão Davi Silber, professor da Universidade de São Paulo (USP), o governo perde energia discutindo assuntos secundários em vez de buscar soluções para atacar a matriz dos problemas nacionais. Um deles é o aumento da desigualdade no país. “O grande problema econômico é um enorme problema social, porque as famílias perderam o padrão de vida e estão sem conseguir emprego”, lamentou. Ele estima que o brasileiro está 5% a 6% mais pobre do que estava em 2014, devido à recessão de 2015 e 2016 e, desde então, ao fraco crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).