O ano de 2017 será encerrado com mais de 1,5 milhão de processos sobre judicialização da saúde.  É o que estima o juiz federal Clenio Jair Schulze, membro do Comitê de Saúde do Estado de Santa Catarina, que apresentou o dado em 11/12 durante a audiência pública sobre a judicialização da saúde realizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

O dado é um dos muitos exemplos sobre demandas judiciais por acesso à saúde apresentados por representantes de 32 entidades – entre autoridades públicas, associações de pacientes, laboratórios farmacêuticos e planos de saúde . O debate foi conduzido pelo conselheiro Arnaldo Hossepian, supervisor do Fórum Nacional do Poder Judiciário para a Saúde.

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, afirmou na abertura do evento que é necessário aperfeiçoar as ferramentas do Judiciário para uma jurisdição mais adequada ao cidadão.

“A Justiça é um fazer constante e, por isso, o Conselho abre este espaço para que possamos, cada vez mais, aperfeiçoar os critérios e as ferramentas necessárias para uma jurisdição mais adequada e coerente com o que o cidadão precisa e espera do magistrado brasileiro,” disse Cármen Lúcia, que também preside o CNJ.

A ministra informou que diante da grande procura das entidades para participação na audiência, uma nova audiência será realizada no início de 2018. O ministro da Saúde, Ricardo Barros era aguardado para o encerramento da audiência pública, mas foi substituído de última hora pelo secretário-executivo da pasta, Antônio Nardi. De acordo com Nardi, medicamento seguros, registrados, “dão segurança para todos os lados e não reforçam apenas interesses de algumas áreas”.

Números

Diretora da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Simone Freire falou sobre algumas medidas adotadas pelo órgão diante do crescimento de ações entre contratantes e planos de saúde privados. Segundo ela, as ações mais recorrentes tratam de questões assistenciais: pessoas que buscam cobertura para tratamentos em matérias que já são devidamente reguladas pela agência.

De acordo com Freire, em 2016 a ANS registrou 89 mil reclamações envolvendo operadoras. Dessas, 63% tratavam de questões assistenciais. Para lidar com a demanda, a agência criou um canal de resolução administrativa dos conflitos – com 81% de efetividade. A ideia, segundo a diretora, é contribuir para a redução no número de processos e diminuir o impacto na judicialização da saúde.

Marcelo André Barboza da Rocha, secretário de controle externo da saúde do Tribunal de Contas da União (TCU), disse que os gastos da União e dos estados cresceram 1.300% devido às demandas judiciais por fornecimento de medicamentos entre 2008 a 2015.

Neste período, segundo Rocha, as despesas do Ministério da Saúde com o cumprimento de decisões judiciais para a aquisição de medicamentos saltaram de R$ 70 milhões para R$ 1 bilhão.

Boa e má

Na visão da defensora pública Thaísa Guerreiro, da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, apesar dos problemas, o recurso ao Judiciário vem garantindo o direito das pessoas a direitos fundamentais – uma “judicialização responsável, e não amadora da saúde”.

Para Guerreiro, a litigância responsável promove uma aproximação dos atores e o uso racional dos medicamentos. “Ou seja, é uma judicialização que viabiliza o acesso justo e equitativo dos cidadãos”, explicou. A judicialização, nas palavras da defensora, é efeito de algo que não vai bem no quadro da saúde pública e suplementar.

Em nome da Federação Nacional das Apaes (FENAPAES) e da Casa Hunter, a advogada Rosângela Moro falou sobre o descompasso entre o tempo de incorporação de novas terapias nos protocolos clínicos de diretrizes terapêuticas e as necessidades das pessoas vulneráveis. Segundo ela, o alto custo dos medicamentos no caso das doenças raras e das deficiências coloca estas pessoas numa situação ainda mais desigual.

“Acreditamos que a grande questão não é a judicialização em si, mas a má judicialização da saúde”, disse. Moro lembrou que o médico tem liberdade para prescrever um tratamento, e que os operadores do direito não têm legitimidade para dizer se um remédio é bom ou não. A solução, de acordo com ela, está na inafastabilidade da perícia, que garante ao juiz a confirmação do diagnóstico e dá a certeza de que não há outro tratamento no SUS.

Evidências

A advogada da União Cynthia Pereira de Araujo, membro do Comitê Executivo Estadual de Saúde de Minas Gerais, lembrou que não se confirma a afirmação de que a União não incorpora medicamentos caros. Segundo a especialista, que é autora do livro “Judicialização da Saúde: Saúde Pública e Outras Questões”, há um rol de medicamentos que, mesmo caros, foram incorporados ao Sistema Único de Saúde (SUS).

“A questão para que a União não incorpore um medicamento ao seu rol não é o preço, mas a falta de evidências médicas”, explicou.

Para Araujo, a tendência de 90% de liminares judiciais concedidas para o fornecimento de medicamentos vai de encontro ao que diz a Constituição Federal quando fala do direito à saúde.

“O direito à saúde previsto no artigo 196 da Constituição não é o direito de acesso ao conteúdo de toda a e qualquer prescrição médica. O que o legislador garante é o direito à saúde baseada em evidências”, afirmou.

Maria Alice Peralta, diretora jurídica nacional da operadora de planos de saúde UnitedHealth, que controla a Amil, falou sobre decisões judiciais que obrigam o custeio de tratamentos negados pelos planos de saúde. A advogada ponderou que quando um médico autoriza um procedimento que não está no rol da ANS, contraria não só o contrato da operadora, mas a própria regulamentação.

“Quando um magistrado concede uma liminar com base nesse pedido médico, a gente entra numa seara do desconhecido. É impossível para um juiz saber exatamente o que é aquilo. A responsabilidade do magistrado é enorme, gigante”, frisou.

De acordo com a especialista, mais de 60% das liminares concedidas nesta esfera têm como base apenas o pedido médico. É preciso, para ela, dar às operadoras a chance de explicar porque aquele tratamento está sendo negado.

Segundo Peralta, o juiz pode avaliar se realmente está diante de uma urgência ou não. “E urgência é risco a vida. Há que se avaliar se cirurgias eletivas que são levadas ao judiciário são, de fato, urgentes.”