A criação de um plano de saúde popular, uma das propostas do atual ministro da Saúde, Ricardo Barros, para desafogar o Sistema Único de Saúde (SUS), já enfrenta resistência de defensores do SUS, antes mesmo de sair do papel. Entidades ameaçam ir à Justiça para barrar os planos, que terão preços mais baixos em troca de uma menor cobertura, e questionam o fato de o próprio ministro estar tão envolvido em uma ideia que envolve o setor privado, quando deveria focar no sistema público. As empresas que comercializam os convênios, por sua vez, defendem a ideia, pois dizem que o modelo atual se tornou caro e, em um momento de crise, o número de usuários tem diminuído.

A ideia do ministro ainda não foi detalhada, mas, segundo o Ministério da Saúde, Barros encomendou estudos sobre o assunto e uma proposta será enviada para a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), uma autarquia vinculada ao Governo federal que regula o setor de planos. Em falas recentes, ele afirmou que os planos mais baratos poderiam ser viabilizados pela “redução das exigências” para os planos de internação hospitalar, que são os do tipo mais completo – hoje, no mercado, já existem planos mais baratos, que preveem, por exemplo, apenas consultas e exames (são os chamados ambulatoriais). Os críticos da nova proposta acusam a ideia de ser uma tentativa de diminuir o número de procedimentos que os convênios são obrigados a cobrir, segundo as normas da agência reguladora.

Essas exigências estão previstas no rol de procedimentos da ANS e incluem os tratamentos, exames e cirurgias considerados como o mínimo necessário para as necessidades dos pacientes dos planos. A última atualização do rol, por exemplo, incluiu o medicamento Enzalutamida, um tratamento oral para o câncer de próstata que custa mais de 13.000 reais a caixa, e a realização de implantes de prótese auditiva ancorada no osso para deficientes, uma técnica mais moderna. A existência de um plano com cumprimento restrito do rol seria, portanto, uma espécie de permissão legal para que os convênios deixassem de ofertar tratamentos e exames mais caros, dizem os críticos da medida. “Consideramos isso um retrocesso. Para diminuir o rol seria necessário alterar a Lei ou realizar normativas da própria ANS”, afirma José Antônio Sestelo, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).

Sestelo, que também é pesquisador do Grupo de Pesquisa e Documentação sobre Empresariamento da Saúde da UFRJ, aponta que tais planos poderiam fazer com que a situação do setor se aproximasse do que ocorria antes da criação da Lei dos Planos de Saúde, que regulamentou a área em 1998. “O objetivo da Lei era impor limites ao esquema de comércio dos planos, que não tinha regulamentação. Naquele período, havia muita reclamação de usuários pela negativa de coberturas e uma das principais conquistas foi a criação do rol de procedimentos”, diz.

A Abrasco e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) anunciaram que vão à Justiça, caso o plano do ministro siga adiante. Um dos efeitos antecipados pelas duas entidades é que a criação dos planos populares vai aumentar a reclamação de usuários na Justiça. Atualmente, o não cumprimento do rol por parte das operadoras já é motivo de reclamação de muitos pacientes no Judiciário, já que há planos que dificultam o acesso aos procedimentos mais caros. “As ações judiciais contra planos, que tiveram crescimento exponencial nos últimos anos, irão aumentar ainda mais. Esses planos populares não irão cobrir os tratamentos mais caros e complexos, e irão excluir os doentes crônicos e idosos, que terão que buscar atendimento no SUS”, afirmou Marilena Lazarinni, presidente do conselho diretor do IDEC, em uma nota publicada pela Abrasco.

Uma das dificuldades seria a de explicar em contrato ao usuário a quais procedimentos do rol ele não poderia ter acesso, afirmam as entidades. “Uma pessoa pode pensar: sou jovem, vou pagar essa mensalidade baixa que não me dá direito a tudo, já que não vou precisar. Mas ele pode atravessar a rua, ser atropelado e parar na UTI. E aí? Saúde não é uma relação de consumo, como escolher uma roupa e pronto”, diz o vice-presidente da Abrasco. Em entrevista ao EL PAÍS na semana passada, o ministro afirmou que “ninguém é obrigado a ter plano de saúde” e que, caso as pessoas fiquem descontentes com o serviço dos novos planos, poderão cancelá-los.

Para as operadoras, a criação de planos populares é positiva, já que aumenta a possibilidade de serviços disponíveis ao consumidor. “O modelo de hoje está insatisfatório porque expulsa grande parte da população pela incapacidade de pagamento. Precisamos adaptar o produto a essa capacidade”, afirma Solange Beatriz Mendes, presidenta da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), que representa as maiores operadoras do país. Ela afirma que tem a expectativa de que o Governo federal crie um grupo de trabalho para discutir a questão dos planos populares. Entre as propostas possíveis para viabilizar esses planos, segundo ela, seria aumentar a co-participação dos beneficiários (quando eles pagam separadamente por consultas ou procedimentos que passem de um limite pré-estabelecido no plano) ou estabelecer protocolos de utilização (uma série de regras que precisariam ser cumpridas, por exemplo, antes de se autorizar a internação de um paciente).

As operadoras de saúde têm sentido o baque da crise financeira. Segundo dados da ANS, o número de beneficiários, que vinha em um crescente nos últimos anos, começou a cair no final de 2014. Entre dezembro daquele ano, quando atingiu o pico de usuários, e junho de 2016, as operadoras perderam 3,8% de seus beneficiários, que agora chegam a pouco mais de 48 milhões de pessoas. O brasileiro paga, em média, cerca de 610 reais por mês (7.320 reais ao ano) em um plano de saúde, segundo relatório da ANS, que considerou a faixa etária dos 44 aos 48 anos para o cálculo. Nesta mesma faixa etária, o custo médio do que o beneficiário utiliza de assistência por ano é de 3.174 reais.

A apresentação por parte do ministro Ricardo Barros de uma proposta que envolva o setor privado também tem sido alvo de críticas por parte das entidades, que o acusam de atuar em interesse das operadoras, que ajudaram a financiar sua campanha a deputado estadual em 2014. Reportagem publicada pelarevista Época afirmou que o maior doador individual da campanha dele foi um sócio do grupo Aliança, uma administradora de planos de saúde. Desde que assumiu, Barros afirma que a proposta tem como objetivo desafogar o SUS e que quanto mais pessoas tiverem planos de saúde, melhor, já que os recursos do Estado são limitados.