Aumentos na casa de dois dígitos espantam usuários dos planos de saúde. Segundo dados da Agência Nacional de Saúde (ANS), o aumento de preço anual das proteções nos últimos três anos foi superior a 13,5% em cada ano, os maiores da série histórica que começa em 2000. Como comparação, a inflação oficial medida pelo IPCA acumulada em todo o período foi de 21,1%.

 Apesar de, em 2017, o número de beneficiários de planos de saúde ter registrado uma ligeira recuperação, o saldo desse período ainda é negativo. Desde 2015, cerca de 2,9 milhões de pessoas saíram do sistema de saúde privado.

Os brasileiros que decidiram sair do plano de saúde por não encontrarem alternativas que caibam no bolso acabam optando por usar serviços de consulta e exames e recorrem ao Sistema Público de Saúde (SUS) em caso de emergência.

Outros, que poderiam continuar a bancar a despesa, mas preferem ter um alívio no orçamento diante de preços exorbitantes. Eles aplicam o dinheiro que gastariam com o plano, confiando no SUS e que os gastos com saúde que possam vir a ter não serão tão elevados quanto o alto preço que pagavam pelo plano.

Mas a decisão de cortar o plano de saúde é difícil de tomar. O consultor financeiro e professor da PUC-SP, Fábio Gallo, é categórico: é necessária cautela antes de retirar a despesa do orçamento. O ideal é que a decisão seja tomada depois de todas as tentativas possíveis para baixar o custo do plano e após o corte de gastos mais supérfluos. Isso porque o sistema de saúde público está longe de ser um sistema exemplar, segundo os próprios usuários. De acordo com pesquisa da Datafolha feita em 2016, 44% da população esperava há mais de 12 meses para marcar uma cirurgia no SUS.

Além de afastar clientes, os altos preços dos planos de saúde deixam muitas pessoas de fora do sistema privado. Um estudo recente realizado pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) com 1.500 consumidores das capitais do país revela que 70% dos brasileiros não têm plano de saúde particular, seja ele individual ou empresarial. O percentual é ainda maior entre as classes C, D e E (77%).

Por quê os preços subiram tanto?

A queda no número de usuários está ligada à crise econômica pela qual o país passou nos últimos anos, na visão de Leandro Fonseca, diretor-presidente substituto da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). “Muitos brasileiros perderam o emprego. Dois terços dos planos de saúde comercializados são do tipo coletivos empresariais”.

O diretor argumenta ainda que a inflação da saúde tende a ser mais alta do que a inflação oficial em diversos países, não apenas no Brasil. Para ele, os gastos no setor de saúde ficaram mais caros por conta do envelhecimento da população, pela incorporação de novas tecnologias e por uma cultura que induz ao consumo excessivo do serviço. “Hoje temos um modelo de saúde no qual o usuário procura especialistas para fazer uma bateria de exames, sem muita orientação”.

Do lado das empresas, a Associação Brasileira dos Planos de Saúde (Abramge) diz que, pelo menos desde 2012, o setor opera com margens operacionais inferiores a 1%. “O resultado dessa conjuntura desfavorável se reflete na dificuldade das operadoras em alcançarem o equilíbrio econômico-financeiro necessário para gerar maiores investimentos, que possam refletir em mensalidades mais baixas aos clientes dos planos de saúde”.

Além disso, segundo a entidade, as despesas assistenciais têm crescido frequentemente acima das receitas. Entre 2015 e 2016, a sinistralidade, que não contempla os gastos administrativos, operacionais, comerciais e com impostos, representou 84,6% e 85,6%, o maior nível desde o início da série histórica.

Quem perde o emprego geralmente se vê obrigado a cortar a despesa porque fica difícil enquadrar o gasto com um plano individual no orçamento, em geral mais alto do que o do benefício concedido pelo empregador. Apesar de Fonseca, da ANS, apontar que existem 5 mil planos individuais comercializados no mercado atualmente, especialistas rebatem que o preço desses planos é muito alto. “Os poucos que são mais acessíveis acabam correndo o risco de ter uma rede sobrecarregada”, analisa Marcos Patullo, advogado especialista em direito à saúde do escritório Vilhena Silva Advogados.

Mesmo quem continua empregado se vê em dúvida sobre continuar ou não com o plano. Apesar de mais acessíveis em geral, os usuários de planos coletivos empresariais sofrem com altos reajustes. Para Ana Carolina Navarrete, advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), os reajustes maiores dos planos de saúde coletivos acontecem pelo fato de a ANS não regulá-los. “A agência deveria intervir e obrigar as empresas a mostrarem como os cálculos são feitos, ainda mais porque os planos individuais tomam como base os reajustes dos planos coletivos”.

Além da falta de regulação, os plano coletivos podem ser cancelados de forma unilateral após o primeiro ano. Para Ana Carolina, essa regra exerce uma pressão muito grande na negociação entre a empresa e a operadora, e faz com que o empregador acabe por aceitar aumentos maiores.

Por conta de uma falta de regulação, o caminho para quem não concorda com o reajuste do plano acaba sendo a Justiça. A advogada diz que alguns juízes já comprovaram a abusividade dos reajustes em alguns casos, mas não há jurisprudência sobre o tema.

Na tentativa de solucionar o problema, projetos de lei discutem a possibilidade de criar planos de saúde mais acessíveis. Contudo, Ana Carolina acredita que são “alarmantes”. “Provavelmente esses planos terão uma cobertura menor, mas não temos garantia de que o preço irá cair. É o mesmo discurso da franquia de bagagem. Ou seja: a intenção parece não ser oferecer um plano barato, mas um plano pior mesmo. A questão tem de ser tratada com muito cuidado para não prejudicar usuários”.

A ANS não comenta projetos que ainda estejam em discussão, mas acredita que uma tendência que pode reduzir custos, já adotada por algumas empresas, é a do “cuidado gerenciado”, diz Fonseca. “O usuário que tem uma dor de cabeça forte, ao invés de procurar logo um neurologista, deve passar antes por um clínico geral, que oriente qual tipo de serviço ele deve buscar”. Para Fonseca, o sistema atual beneficia o tratamento da doença. “Precisamos começar a pagar pela manutenção da saúde para ter uma assistência melhor e mais incentivos”.