A área da saúde é totalmente engessada nas suas relações comerciais, e é engraçado como as pessoas demoram a perceber ou entender isso. Quantos casos você já deve ter visto de hospital que diz que “vai colocar a operadora no cabresto” ou vice-versa ?

É fato que, especialmente em hospitais, a gestão comercial é muito amadora. É comum casos em que o hospital contrata uma pessoa de veio de operadora e não faz a menor ideia do que são os produtos hospitalares – está acostumado a “comprar” radiologia intervencionista da mesma forma que compra Raios X, e vai demorar uns 5 ou 6 anos até entender realmente qual é a diferença entre “vender” uma coisa e outra … se durar no cargo, é claro!

E é fato também que as operadoras não têm (não querem ter, porque não interessa comercialmente) uma estrutura de avaliação de custos para saber se o que pagam por uma coisa é proporcional o custo do que pagam por outra.

Então o mercado da saúde define preços de forma meio empírica, e não adianta querer mudar isso.

Os preços dos produtos da saúde na sua maioria foram formados há mais de 20 anos, quando a técnica e a tecnologia eram completamente diferentes. Neste período, além da tecnologia, a saúde foi afetada por uma “avalanche” de regulamentações que encareceram muito alguns produtos, e não afetaram outros – a maior parte delas absolutamente inútil, mas isso é assunto para outro post.

Como a negociação de preços é muito difícil devido a infinidade de produtos que um contrato entre operadora e hospital define a negociação, por incrível que pareça, acaba sendo instruída por índices de inflação, que não tem absolutamente nada a ver com o que acontece no segmento da saúde. Porque discutir índice inflacionário está dentro da competência de qualquer gestor comercial que não consegue avaliar a relação custo x preço dos produtos que vende, ou compra.

Então vemos produtos caros associados a custos insignificantes, e produtos baratos associados a custos que inviabilizam sua realização – e pouca gente capacitada para perceber isso, tanto do lado do hospital, como do provedor (estou incluindo aqui junto com a operadora o SUS como financiador do sistema público).

Nos cursos de gestão de custos presenciamos “lambanças” comuns – é engraçado verificar que as pessoas fazem isso rotineiramente e não percebem a dimensão do erro (antes do curso é claro – depois, ele fica sabendo que é lambança – posso garantir). Vou me permitir comentar algumas destas “lambanças”.

Comparar preço de conta aberta com preço de conta em forma de pacote:

  • Não se dão conta que estão comparando preço com preço, e não preço com custo;
  • Não cogitam avaliar que a simples padronização de alguns itens do pacote pode ter impacto nos custos totalmente diferente na variação do custo, do que tem em relação ao preço;
  • Um pacote de valor menor que a conta aberta, dependendo da padronização, pode ter rentabilidade maior, e vice-versa, porque o custo não se relaciona apenas com o preço de compra do insumo, mas também com o custo do insumo – e preço de compra é muito diferente do custo relacionado a ele.

Ignorar aspectos tributários:

  • No Brasil os tributos são abusivos – tanto os que incidem na compra como na venda;
  • Quando uma relação comercial se altera – quando a operadora passa a fornecer OPME, por exemplo – a relação de custo pode ser alterada significativamente, mesmo que o preço do OPME seja o mesmo;
  • Novamente, se os envolvidos na análise estiverem analisando somente preços, e não custos, erram. Neste exemplo do OPME, o erro pode ser fatal: algo que pode parecer apenas “trocar seis por meia dúzia” pode estar mascarando prejuízo ou lucro.

Atentar apenas para os insumos materiais:

  • Quando não passam por programas de capacitação em custos as pessoas não entendem porque utilizamos o termo “Insumo”, ao invés de materiais ou matéria-prima:
  • Insumo é cada um dos elementos essenciais para a produção de determinado produto ou serviço – a palavra vem do latim “insumere” (“despender”, “fazer uso de“);
  • Pode se referir a matéria-prima, ou “o material utilizado” que é a forma como todo mundo vê;
  • Ou pode se referir a um outro tipo de fator de produção (uso de máquina, horas de trabalho, etc.);
  • E na área da saúde o que não são os “materiais, ou matéria-prima” geralmente pesa muito mais no custo. Só em relação à mão-de-obra: médicos, enfermagem, fisio … são profissionais bem remunerados – quando estão alocados em um procedimento geralmente a maior parcela de custo está relacionada à remuneração deles.

O que é intrigante é saber que os sistemas de informação hospitalares sobram em funcionalidades para obtermos as informações de cálculo de custos por procedimento. Alguns deles até têm funcionalidades para fazer isso automaticamente com boa qualidade (nem todos). E os sistemas utilizados pelas grandes operadoras também (as pequenas não costumam ter, nem sistema nem alguém preocupado em fazer isso).

É intrigante porque a ferramenta está nas mãos dos gestores, mas por falta de capacitação adequada não fazem – e o pior: culpam o sistema !!!

É importante lembrar que mesmo se o sistema estiver apurando custos adequadamente isso não significa nada – é necessário ajustar os processos para reduzir os custos –, a ferramenta aponta, mas o resultado só vem se o gestor fizer uso deles. Nos cursos de processos falamos isso repetidamente: de que adianta mapear bem o processo, ser um “doutor honoris causa” em LEAN, kaisen, kanban e monomossu, se não aplicar a melhoria ? Gente para dizer que o processo está ruim “tem de monte’ – para parametrizar o sistema e se engajar na melhoria só encontramos na “torcida da Islândia”.

Então, especialmente para hospitais: se não consegue reajustar seus preços porque a operadora “tem braço duro”, coloque na agenda que a redução dos custos pode ter o mesmo impacto de rentabilidade “dos seus sonhos de reajuste”, e pode até surpreender com resultado ainda melhor do que o esperado. Lembrar sempre que a negociação é “operadora por operadora”, enquanto a redução de custos vale para melhorar a rentabilidade com todas elas !!