Uma das áreas mais impactadas pela recessão, o setor de saúde suplementar encolhe desde 2015. Mais de 3 milhões de usuários deixaram de utilizar planos privados de saúde por causa da crise e do aumento do desemprego. Com a retomada econômica, a previsão da Federação Nacional de Saúde Suplementar ( FenaSaúde), que representa as operadoras, era de uma recuperação mínima de 700 mil beneficiários neste ano. Num cenário mais otimista, o acréscimo poderia chegar a 1,3 milhão de usuários. Mas a greve recente dos caminhoneiros, seguida pela revisão generalizada para baixo nas previsões do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2018, levaram a uma maior cautela. Dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) indicam que há 47,1 milhões de beneficiários no país. A maioria (67%) utiliza planos coletivos empresariais. A segunda modalidade mais utilizada é a de planos individuais e familiares (19,4%), seguida por planos coletivos por adesão (13,5%).

Apesar dos números ainda negativos, há operadoras que receberam boas notícias em 2018. É o caso da NotreDame Intermédica, que realizou uma bem-sucedida abertura de capital na B3, a bolsa de São Paulo, em abril. As ações da companhia subiram 22,7% na sua estreia, atraindo investidores estrangeiros. Foi a primeira oferta inicial de ações (IPO) do ano no país e o resultado reflete os bons números da empresa. “Registramos crescimento, com um incremento de 3,1% no número médio de beneficiários no primeiro trimestre em relação ao mesmo período do ano anterior. Considerando planos de saúde e odontológicos, tivemos um salto em beneficiários, de 2,57 milhões, em dezembro de 2014, para 3,65 milhões, em março de 2018”, diz Irlau Machado Filho, presidente do Grupo NotreDame Intermédica. “O fato de agora estarmos listados na bolsa nos impede de fazer projeções, mas, de fato, nossas expectativas são boas e estamos confiantes. Mesmo com a atual conjuntura econômica e o cenário desafiador dos últimos anos, temos seguido um caminho contrário ao do setor de saúde suplementar no país, tanto em relação ao número de beneficiários quanto aos resultados financeiros.” A Hapvida, que tem grande presença no Norte e no Nordeste, também estreou neste ano na B3 com forte valorização de suas ações, 22,8%.

Machado Filho diz que o setor tem registrado nos últimos meses uma retomada e que pessoas que haviam deixado de ter plano de saúde já começaram a retornar para as carteiras das operadoras. “Atualmente, somente 25% da população brasileira tem acesso aos planos de saúde. Por isso, é inegável que ainda há muito espaço para crescimento. A elevação do PIB e principalmente a retomada do emprego vão contribuir para aumentarmos essa estatística”, afirma.

A queda no número de beneficiários e a situação cada vez mais difícil das contas públicas, que poderiam reforçar o Sistema Único de Saúde (SUS), têm ampliado o debate sobre o marco regulatório da saúde suplementar, que acaba de completar 20 anos. “Nenhum dos dois segmentos, público ou privado, dá conta da saúde dos brasileiros sozinho. O SUS é muito importante, mas é preciso reconhecer que a sociedade não tem como contribuir mais com impostos nem o governo tem como fazer uma realocação de despesas para ampliar o quinhão do sistema público”, diz José Cechin, diretor executivo da FenaSaúde. Ele considera que a lei foi boa na época de sua aplicação, e que trouxe avanços para o mercado. “Mas a sociedade mudou. A lei precisa de atualização. Para esclarecer vários pontos e endereçar questões que produzem muitas demandas na Justiça.” Um dos problemas que devem ser enfrentados, na sua opinião, é a diminuição dos planos individuais, que têm reajustes regulados pela ANS, e por isso são cada vez menos ofertados pelas operadoras. Outro ponto polêmico é a criação de planos por preços mais baixos. O ex-ministro da Saúde Ricardo Barros, que deixou o cargo em março, levantou essa possibilidade, que sofreu várias críticas. O temor é que esses planos deixem de oferecer coberturas mais amplas, levando os beneficiários a recorrer ao SUS para intervenções mais complexas.

Uma alternativa em debate é oferecer planos com franquia. O beneficiário pagaria as despesas primárias até um valor fixo e a diferença seria coberta integralmente pelas operadoras. Em contrapartida, as mensalidades poderiam ser até 40% mais baixas, segundo estimativas. Denise Eloi, diretora executiva do Instituto Coalizão Saúde (Icos) – que reúne hospitais, planos de saúde e laboratórios –, diz que a entidade defende a criação de regras que incentivem o uso racional de recursos do sistema, definidas com base em critérios técnicos que garantam a não restrição do acesso da população à assistência à saúde. “Estudos apontam que mecanismos regulatórios, como franquia e coparticipação, quando implantados de forma adequada, contribuem para melhor utilização dos recursos do sistema de saúde e, consequentemente, para seu equilíbrio econômico e financeiro.”

Orestes Pullin, presidente da Unimed do Brasil, também é favorável à atualização da lei. “Apoiamos uma revisão que traga mais sustentabilidade ao setor, com a retirada ou flexibilização de itens que implicam uma regulamentação excessiva”, afirma Pullin. Mas ele é um dos críticos da proposta de planos mais baratos com cobertura reduzida. “Entendemos que os planos populares, assim como propostas similares que buscam soluções imediatas para o equilíbrio do setor de saúde suplementar, não são efetivos e não trazem benefícios no longo prazo para todos os envolvidos nessa cadeia.” Segundo o executivo, é fundamental a inserção de um modelo assistencial centrado na Atenção Primária, que no Sistema Unimed recebe o nome de Atenção Integral à Saúde (AIS), por ser mais assertivo e trazer mais qualidade ao atendimento. “Estudos comprovam que, no primeiro contato do paciente com o médico de Atenção Primária, de 80% a 90% dos problemas de saúde podem ser resolvidos sem que seja acionado um especialista, que, claro, possui um custo maior.”

O segmento enfrenta questões como a chamada inflação hospitalar, ou seja, os custos médico-hospitalares crescem de forma superior à inflação registrada por índices como o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Essa é uma das razões para o reajuste anual dos planos coletivos ser acima da inflação medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Outra é o fato de que o modelo atual estimula o desperdício. Hospitais, médicos e pacientes são induzidos a fazer exames ou a solicitar materiais hospitalares além do razoável ou do necessário.

Para Machado Filho, da Notre-Dame Intermédica, as principais mazelas do setor são a judicialização da saúde, as fraudes e os desperdícios.Ele afirma que dados do Instituto de Estudos em Saúde Suplementar (IESS) apontam as fraudes como responsáveis por 19% do total de despesas assistenciais. A estimativa do custo de fraudes e desperdícios no setor de saúde suplementar nos últimos três anos é de R$ 77,7 bilhões.“Vejo como extremamente necessária a integração de esforços para sensibilizar o Legislativo e Judiciário acerca desses pontos cruciais para a sustentabilidade de nosso segmento”, diz.