A 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, em 8/6/2022, concluiu o julgamento dos EREsp 1.886.929 e EREsp 1.889.704, fixando entendimento paradigmático quanto à taxatividade do rol de procedimentos e eventos estabelecido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (rol da ANS).

A partir da tese fixada, tem-se que, em regra, os planos de saúde apenas são obrigados a custear os tratamentos expressamente previstos no rol da ANS, a não ser que o particular contrate, em separado, a ampliação da cobertura.

A taxatividade do rol da ANS, entretanto, pelo entendimento do próprio STJ, comporta exceções.

Como publicado no site da Corte, passam a viger as seguintes teses:

1) O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar é, em regra, taxativo;

2) A operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com tratamento não constante do rol da ANS se existe, para a cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao rol;

3) É possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento extra rol;

4) Não havendo substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do rol da ANS, pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistente, desde que 1) não tenha sido indeferido expressamente, pela ANS, a incorporação do procedimento ao rol da saúde suplementar; 2) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; 3) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como Conitec e Natjus) e estrangeiros; e 4) seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal, ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS.

Uma interpretação mais adequada das teses fixadas, e que vai ao encontro da própria função social do contrato de plano de saúde, cujo fim mediato é a proteção da própria saúde do segurado, impõe que as leiamos a partir das exceções para, apenas então, chegarmos à regra.

Inicialmente, cumpre verificar, da tese número 2, que a não obrigatoriedade da cobertura de procedimentos ausentes do rol da ANS apenas se aplica aos casos em que existe, para a cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao rol. Ou seja, segue vigente a regra de que a cobertura é quanto às doenças, sendo os procedimentos os meios para o fim contratado — tutela das moléstias.

O rol será taxativo, portanto, na existência de procedimentos nele constantes suficientes à tutela da moléstia do segurado.

No caso de insuficiência dos procedimentos constantes do rol, ainda deve-se verificar o cumprimento dos requisitos estipulados na tese número 4 quanto à 1) inexistência de negativa expressa da ANS, 2) comprovação científica da eficácia, 3) recomendação de órgãos técnicos e, 4) a realização pelo Judiciário, quando possível, do diálogo com os órgãos competentes (este requisito, por certo, aplicável apenas no âmbito judicial, e quando necessário).

Mas é sobre a operadora de plano de saúde que deve recair o ônus pela a demonstração da existência de tratamento eficaz no âmbito do rol da ANS e a inocorrência dos três primeiros requisitos.

A imputação desse ônus às operadoras de saúde decorre diretamente de sua posição contratual e das circunstâncias a partir das quais geralmente os pedidos de liberação ocorrem.

Sempre os pedidos devem ser formulados por médico assistente que, a partir da análise do caso específico do paciente, baseado em exames clínicos e laboratoriais, determina qual o tratamento adequado para a moléstia que o acomete, diante das suas especificidades.

A análise individualizada do médico assistente, por si só, cria uma presunção, em favor do beneficiário, quanto à adequação do tratamento sugerido e à inexistência de tratamento eficaz constante do rol da ANS para seu caso em específico.

Ademais, a taxatividade do rol da ANS não altera o caráter de relação de consumo havido entre beneficiário e operadora do plano de saúde, de modo que incidentes os direitos básicos do consumidor, especialmente o da facilitação de seus direitos, com a inversão do ônus da prova, a seu favor, quando verossímil sua alegação ou hipossuficiente (artigo 6º, inciso VIII, CDC).

No caso de consumidor de planos de saúde, ainda mais quando se está diante de situação de moléstia, em que sabida a fraqueza física e psicológica do consumidor, há maior exacerbação se sua hipossuficiência face o aparato burocrático e organizacional das operadoras de planos de saúde e seguros.

Em acréscimo, muito mais acessível a tais fornecedores do que aos consumidores a obtenção das provas necessárias à comprovação da inocorrência de exceção à taxatividade do rol da ANS, hipótese que adequadamente se enquadra no que dispõe o artigo 373, §1º, do CPC.

Nesse sentido, quanto à comprovação da existência de tratamento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao rol da ANS e ao não-indeferimento do tratamento sugerido pelo médico assistente, deve o ônus recair sobre a operadora de planos de saúde.

Já quanto à comprovação da eficácia científica, não se pode exigir do consumidor a ampla comprovação, mas, sim, a mera indicação da existência de exames, cumprindo ao pano de saúde demonstrar, a seu turno, a inaplicabilidade da hipótese apresentada sob um viés científico baseado em evidências.

Por fim, quanto à indicação de órgãos nacionais e internacionais, pode-se imputar à operadora a inocorrência de tais indicações, sem que isso implique prova diabólica, à medida em que possível demonstrar, a partir de atestados de médicos avaliadores, tal inocorrência, os quais poderão ser rebatidos pelo consumidor, caso existentes tais indicações.

Dito tudo isso, a definição do rol da ANS como taxativo não pode afastar os direitos básicos do consumidor, especialmente a necessária facilitação de sua defesa face fornecedores com estrutura e posição muito mais vantajosos. Trata-se de situações diversas e que, caso confundidas (rol taxativo com aplicação do CDC) implicarão, aí sim, o recrudescimento de direitos básicos de consumidores, afetando o direito à saúde de todos os brasileiros.