As empresas brasileiras com ações negociadas na B3 estão aprendendo a lidar com uma nova realidade: o número crescente de acionistas pessoas físicas. O total de investidores que investe diretamente (não via fundos) nesse segmento dobrou em 2019, chegando a 1,68 milhão.

As companhias que receberam esse contingente de novos investidores estudam qual a melhor forma de atendê-los e, em alguns casos, já reforçam os canais de comunicação. Entre as empresas estão as que registraram os melhores desempenhos do Ibovespa em 2019.

Essas pessoas físicas foram levadas à Bolsa pela necessidade de buscar maior retorno em suas aplicações, em um ambiente de baixa taxa de juros – a Selic terminou 2019 em 4,5% ao ano.

O reflexo desse novo ambiente sobre cada empresa dependeu ainda de fatores inerentes às suas operações, como mudanças operacionais ou no controle, e da orientação dada por casas de análise.

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A expansão da base de acionistas foi expressiva na Qualicorp, empresa de administração de planos de saúde, que registrou a maior valorização do ano entre as ações que fazem parte do Ibovespa: 243%. Essa forte apreciação foi acompanhada por um contingente de pessoas físicas: o número total passou de 20.260, no fim de 2018, para 30.123, no encerramento do ano passado.

A diretora de relações com investidores da Qualicorp, Grace Cury Tourinho, acredita que a política de distribuição de dividendos da empresa contribuiu para a atração das pessoas físicas.

“Temos uma consistência na distribuição de dividendos. E o lucro crescente da empresa dá maior credibilidade a isso. Nos últimos cinco anos, fizemos uma distribuição de 100% do lucro. E, em 2019, houve uma redução de capital, que, para o investidor, tem efeito de um pagamento de dividendo”, diz a diretora.

Segundo ela, em 2019, os proventos representaram para o acionista um dividend yield (percentual do lucro distribuído em relação ao valor da ação) de 14,2%.

Foco no curto ou no longo prazo?

Grace reconhece que é um desafio para as empresas lidarem com um número maior de acionistas, mas que o trabalho de educação financeira desenvolvido por diferentes corretoras e casas de análise ajuda no processo de informar o investidor. Uma das ações da empresa para melhor entender esse público é saber a fatia que investe no longo prazo e a que busca ganho no curto prazo.

“Ainda não visualizamos uma forte demanda por informações desse público. Não sabemos se ele vai ficar ou se está respondendo a indicações de compra e venda. De qualquer forma, precisamos ficar atentos a essa evolução para nos adaptarmos”, assinala.

Relacionamento mais amigável

Apesar da expansão da base, o consultor de governança corporativa Renato Chaves vê como tímidas as medidas tomadas pelas empresas brasileiras. Para ele, o relacionamento com as pessoas físicas precisa ser mais amigável e permitir uma participação maior desse público nos eventos das companhias.

“É preciso estimular que esse investidor participe dos eventos corporativos, com a assembleia de acionistas. As empresas não usam esse momento para debater com os investidores. Esse tipo de interação ajuda na atração de novos acionistas”, diz Chaves.

Esse estímulo à participação dos minoritários não é tão frequente no Brasil. Mas, nos Estados Unidos, grandes empresas conseguem agrupar milhares de pessoas. É o caso da Berkshire Hathaway, de Warren Buffet, que reúne mais de 40 mil pessoas na assembleia anual, que conta com uma sessão de perguntas e respostas em que os pequenos investidores são estimulados a participar.

Glauco Desiderio, diretor de relações com investidores da NotreDame Intermédica, afirma que, apesar do crescimento do número de pessoas físicas, a demanda por informações ainda não cresceu, o que dificulta mudanças.

“No nosso caso, é um investidor com um comportamento ainda acanhado, que participa pouco. Podemos mudar a linguagem, mas falta demanda”, afirma.

As ações da NotreDame estão entre as que mais subiram no ano passado, com uma valorização de 136%. O número de acionistas pessoas físicas em um ano passou de pouco mais de 2 mil para 16.338.

“Os juros baixos e as casas de análise ajudaram a levar mais gente para a Bolsa. E, do nosso lado, ajudou o fato de termos entrado no Ibovespa no ano passado”, diz o diretor.

O executivo afirma que, embora não tenha ocorrido uma mudança de estrutura na área de relações com investidores para atender a esses novos investidores, os acionistas minoritários podem demandar informações, fazer uma visita à rede e até mesmo ter encontros com executivos.