Consequência da evolução demográfica, o envelhecimento populacional na Europa vem pressionando os sistemas de saúde e seus custos já há algum tempo. Em 2040, estima-se que 26,9% dos europeus terão 65 anos ou mais. Com o número crescente do público idoso, além da manutenção de um estilo de vida pouco saudável no ocidente, o cuidado de doenças crônicas terá demanda cada vez maior. Será que estamos preparados para isso?

Neste mês, tive oportunidade de assistir a uma palestra que abordou o assunto. Ministrada pelo economista holandês Wim Oosterom, a palestra abordou pontos necessários para a entrega de serviços personalizados para os idosos e as vantagens de um modelo de saúde mais centrado no paciente. Wim é membro de três diferentes órgãos de supervisão de organizações de saúde e ainda preside a comissão de auditoria da Federatie Medisch Specialisten (Holanda). De 1985 a 2008, trabalhou na PricewaterhouseCoopers (PwC) e coordenou o Global PwC Report on Elderly Care 2014-2015.

Após a palestra, entrevistei Wim Oosterom para saber um pouco mais dos desafios dentro do contexto europeu, pela perspectiva de um economista. Do ponto de vista de financiamento, existem desafios em comum entre os sistemas de saúde, dentro e fora da Europa. Nesse sentido, o caminho para trazer o paciente para o centro do sistema e simultaneamente equilibrar as contas promete ser longo.

José Eduardo: Atualmente, qual o maior desafio no financiamento da saúde na Europa?

Wim: Primeiramente, eu gostaria de fazer uma distinção entre financiamento e pagamento. Nas respostas, quando falarmos sobre problemas envolvendo o financiamento dos crescentes custos dos atuais sistemas de saúde, seja por aumento de impostos ou aumento de prêmios dos seguros de saúde, refiro-me a financiamento. Em todo sistema de saúde, há um pagante que pagará o provedor e o provedor que fornecerá serviços ao paciente/cidadão/consumidor. Resumidamente, financiamento é como o pagante coloca dinheiro no sistema. No que diz respeito a pagamento, trata-se da forma como os pagantes pagam pelos serviços dos provedores e em que medida isso dá incentivos à entrega de serviços de forma eficiente e efetiva por parte dos últimos.

Voltando ao financiamento, todos os sistemas de saúde – não apenas os europeus – estão lidando com questões em comum. O primeiro ponto é que, devido ao estilo de vida e ao envelhecimento, o número de doentes crônicos está crescendo. Como os sistemas de saúde são em geral construídos para curar pessoas em hospitais, esse fenômeno resulta em mais recursos financeiros sendo gastos nesses locais – que não são exatamente os melhores para manejar um número crescente de doentes crônicos. Os hospitais são os pontos mais caros do sistema, além de oferecerem riscos a esse tipo de paciente. Se nós não mudarmos essa realidade, nós teremos custos excessivos para manter um sistema que não entrega os serviços desejados pelos cidadãos.

Em segundo lugar, os hospitais existentes e os médicos especialistas são treinados para fazer intervenções. Eles o fazem de uma maneira correta, mas a questão é que doentes crônicos na maioria dos casos não são ajudados por intervenções, ou até pior: eles podem morrer mais rápido devido ao intervencionismo. O cidadão está interessado em sua própria qualidade de vida, não em intervenções excessivas. Mesmo nos Estados Unidos, uma comissão do Estado apresentou um relatório sobre o atual cuidado de saúde no fim da vida, questionando se gastar tanto dinheiro em testes, procedimentos e operações no último meio ano de vida aumenta a qualidade da saúde.

Por último, com o envelhecimento, a maior parte das economias cresce mais lentamente do que antes. Isso leva a menos receitas vindas de impostos e considerando outras questões importantes, como as mudanças climáticas, faz com que os países não possam continuar gastando mais e mais com saúde.

Em suma, os sistemas de saúde existentes não dão a resposta certa para a demanda crescente de doentes crônicos. O sistema atual é muito caro e é extremamente focado em intervenções (especializadas).

José Eduardo: Para você, quais países tiveram avanços na mudança de seus sistemas de saúde?

Wim: Os países com um sistema de saúde mais centralizado, como o Reino Unido e a Finlândia, estão à frente na aplicação de mudanças. A Finlândia possui uma nova lei em que todos os provedores de cuidado social e de saúde estão em um único sistema. Nesse modelo, é possível transferir recursos de hospitais para a atenção comunitária e primária.

O desafio para qualquer país é que no curto prazo existem custos de transição. Construir capacidade de atendimento em atenção comunitária, atenção primária e home care requer investimentos. Ao mesmo tempo, o custo dos hospitais não recuará imediatamente nesse processo. Nesse contexto, fechar leitos hospitalares seria um caminho rápido para economizar recursos, porém a população percebe isso como perda de qualidade.

Para lidar com essa questão, primeiro você precisa mostrar para a população que o novo modelo é melhor a fim de ter apoio suficiente e poder superar o modelo antigo. Isso significa que mudar de um sistema para outro levará tempo em vários países. Em nações com um modelo de competição por provedores de saúde, esse processo fará com que alguns hospitais provavelmente entrem em falência em razão da perda de pacientes. Investidores e bancos relutarão em investir em novos hospitais e provavelmente terão maior interesse em aplicar na atenção primária. Novas tecnologias deverão acelerar essa tendência.

Apesar da pergunta estar relacionada a financiamento, também é importante saber de que tipo de novo sistema nós precisamos. As principais características de um novo sistema citadas pela PwC são:

– Foco em prevenção e bem-estar. Eduque e apoie o cidadão.

– O indivíduo no coração do sistema. Isso significa que o cidadão é mais responsável por guiar o processo, mas também implica em maior responsabilidade no pagamento dos cuidados de saúde.

– Serviços mais próximos possíveis do cidadão. Em casa, na comunidade etc.

– Os pagamentos devem ser baseados nos resultados finais, como qualidade de vida.

– Saúde como um esforço coletivo. Não apenas os provedores atuais, mas também as novidades devem ser consideradas (novos dispositivos diagnósticos, smarthome etc).

José Eduardo: Por que é tão difícil mudar o sistema atual?

Wim: Existem algumas razões pelas quais é difícil promover mudanças. Com relação aos hospitais, os melhores médicos trabalham nesses locais e eles têm o poder de fazer lobby, explicando que fazem um bom trabalho – e realmente fazem. Porém, o ponto é que uma crescente parcela da população não precisa de intervenções e caso esse público venha a precisar, o seguimento pode ser feito em casa.

Outra razão que impede mudanças é a falta de incentivos para uma abordagem multidisciplinar, que ainda tem de ser construída em muitos países. Frequentemente, temos sistemas de pagamento que incentivam mais intervenções e resultam em mais gastos, em vez de investimentos em educação e prevenção. Dessa forma, para implementar uma nova estratégia em que todos concordem, nós precisamos de novas formas de pagamento, assim como novos instrumentos, visão e liderança.

Também é importante mencionar os custos de transição como barreira. Essa mudança para um novo modelo tem um custo maior no curto prazo, como expliquei anteriormente. Além disso, os recursos financeiros para executar esse processo nem sempre estão disponíveis.

José Eduardo: Como nós podemos alcançar uma abordagem mais centrada no paciente e engajar os profissionais da saúde nessa tarefa?

Wim: A meu ver, o principal fator para se alcançar uma abordagem mais centrada no paciente é o próprio cidadão. Novas tecnologias e serviços que o usuário obtém por outras indústrias colocarão mais pressão nos sistemas de saúde existentes. Por exemplo, como explicar para um cidadão do futuro que ele pode ter diferentes tipos de serviços através de seu smartphone em casa e na saúde ele precisa aguardar em salas de espera cheias, com pouca ou nenhuma informação? Novos atores na saúde darão respostas a essa e outras questões, seja por meio de smartphones, pontos de assistência em shopping centers ou centros comunitários que o paciente costuma frequentar.

Estou convencido de que mudanças disruptivas também ocorrerão na indústria da saúde. Em vários países, a saúde representa de 10 a até mais de 20% da economia. Esse mercado é interessante para vários e novos players.

Quanto ao papel dos profissionais de saúde nessa mudança, nós temos que começar com a educação oferecida a eles. Essa é uma mudança cultural que começa nas escolas e universidades, com a consciência de que o cidadão está à frente do processo e você enquanto profissional da saúde assume um papel de coach. Além disso, mais recursos financeiros devem ser investidos na educação de médicos generalistas, em vez de especialistas.

A grande demanda no momento é por profissionais da saúde generalistas que estejam dispostos a atender o cidadão em domicílio ou o mais próximo possível das residências. Por outro lado, a demanda por médicos especialistas em hospitais universitários está caindo. No entanto, enquanto todos pensarem que o médico especialista é o mais desejado e o mais bem pago, a mudança será difícil. Imagine se em dez anos nos encontrarmos no seguinte cenário: vários médicos especialistas sem emprego somado a uma falta de profissionais da saúde para assistir o crescente número de doentes crônicos. Sem dúvida seria algo constrangedor.