Minha atividade profissional permite indicar “em alto e bom som” o que é o ponto fraco de qualquer hospital brasileiro: a capacidade de realizar a sua receita.

Cada vez que me deparo com arquivos de faturamento de hospitais privados e públicos me surpreendo com “o vácuo” que existe nas suas contas, AIHs e BPAs: é impressionante o esforço que os hospitais fazem para “jogar dinheiro fora”.

O que mais me surpreende na verdade é que a maioria absoluta deles dispõe de uma estrutura de auditoria relativamente grande para correr atrás das glosas, e como perda de receita não é glosa, evidentemente a auditoria não vê.

A primeira grande dica para quem não está com dinheiro o suficiente para gastar em bobagem é diferenciar glosa, que é uma receita apontada que não deu certo, da perda de receita, que como não ocorreu, nunca será glosada – aqui vou comentar apenas sobre perda de receita e não de glosa.

Nos últimos 2 anos tive a oportunidade de tomar contato com algumas dezenas de hospitais: públicos, públicos com porta 2, privados e privados que atendem SUS.

Em alguns prestei serviço diretamente, literalmente vendo a perda de receita pessoalmente. Em outros tive a oportunidade de trabalhar arquivos de faturamento e por comparação (benchmarking) das contas entre eles, combinando tipo de atendimento, especialidade e procedimento principal, pude apurar os “gaps” que existem de um hospital para outro.

São as duas formas básicas que discutimos nos cursos do Modelo GFACH para identificar perdas. A tabulação que fiz mesclando o que vi pessoalmente com os dados dos arquivos que analisei permitiram a construção do estudo que é discutido no curso.

Analisando os gráficos do estudo (estão na página do modelo, na aba “GFACH para TCCs e Trabalhos”) é possível confirmar que a maior incidência de perda ocorre pela capacitação inadequada dos envolvidos: 30,8 % na Saúde Suplementar e 31,4 % no SUS.

Não é surpresa porque na saúde suplementar cada contrato do hospital com cada operadora tem regras diferentes, envolvendo diversas tabelas de preços, e são tantas as origens da receita dentro do hospital que é impossível para um ser humano dominar tudo. Como geralmente esta responsabilidade é centralizada por alguém que não envolve adequadamente outras pessoas, ou porque não quer, ou porque não consegue, o conhecimento é insuficiente para a demanda que “a guerra” exige – pior para o hospital, porque quando temos a oportunidade de mostrar contas de outros hospitais para ele, começam as lamentações: “o comercial não ajuda”, “o sistema não ajuda”, etc.

Pode ser surpresa no SUS, porque a maioria das pessoas pensam que como neste sistema de financiamento a regra é única (tabela unificada do SUS) tudo é muito simples. E aí está o outro grave engano dos hospitais: o fato da tabela ser única simplifica o faturamento, não a geração da receita. Tanto isso é verdade que é comum encontrar o “chefe do faturamento” dizendo que “fatura tudo direitinho” e quando mostramos que outros hospitais lançam nas AIHs e BPAs uma série de códigos que ele não lança, começam as lamentações: “não tenho gente pra estudar o assunto”, “o hospital não me dá curso”, etc.

Não vamos nos esquecer que uma enorme parcela dos hospitais está inserida nos 2 sistemas, SUS e saúde suplementar, simultaneamente.

Então, em relação aos “reclamantes”, o pior é que eles estão cobertos de razão.

Os hospitais tratam suas informações de faturamento como sigilosos e não fazem benchmark adequado por conta disso. Veja que eu tenho como comentar o assunto desta maneira porque tenho a oportunidade de me envolver com ele em dezenas de hospitais, mas “ai de mim” se citar o nome de algum deles.

O que dá pena é saber que, especialmente os hospitais públicos, onde “falta tudo”, poderiam ter uma vida “com menos emoção” se cuidassem da sua receita da mesma forma com que se preocupam em cuidar dos seus pacientes.

Poderia escrever horas sobre este tema, mas os gráficos estão disponíveis e qualquer um pode perceber claramente como é relativamente simples para os hospitais minimizarem a perda de receita se passassem a olhar para elas como algo que está “debaixo do tapete”, e não declarado nas contas (as glosas).

Para não me alongar, gostaria de chamar a atenção para um motivo de perda que aparece nos gráficos (2,2 % na saúde suplementar e 3,9 % no SUS): a ausência ou deficiência de documentação relacionada ao OPME !

Vejam que interessante:

  • OPME costuma representar alto volume de glosas;
  • Mas a perda com OPME é quase insignificante.

Este paradoxo é totalmente coerente com o fato da capacitação inadequada representar a maior fonte de perda de receita:

  • Como OPME tem alto valor, a estrutura se equipa para fiscalizar melhor tudo que se relaciona com ele: controles, fluxo de documentos, preços, coberturas, compatibilidades, etc.;
  • Então existe toda uma estrutura disposta a não deixar que o OPME escape da conta, ao mesmo tempo que existe uma estrutura contrária para glosar “qualquer detalhezinho”;
  • Ou seja, o cenário que envolve o OPME evita que ele fique “debaixo do tapete”.

Os demais itens da conta não têm preço individual tão elevado quando OPME, mas somados geralmente representam o maior valor absoluto das contas.

É justamente por isso que o hospital “é atropelado sem saber se foi por um carro ou por um caminhão” . Eu digo mesmo sem estar presente “na cena do crime” para testemunhar o flagrante: foi caminhão.