Um dos temas mais abordados no campo da saúde na imprensa internacional foi a integração das empresas Amazon, Berkshire Hathaway, e JPMorgan Chase para atuarem conjuntamente na prestação de serviços de saúde aos seus empregados e dependentes, atingindo um universo de mais de um milhão de pessoas. Apesar dos detalhes da iniciativa ainda não terem sido divulgados, a proposta é semelhante à das autogestões brasileiras. Chamou a atenção a força econômica destas empresas, com a proposta do uso intensivo da tecnologia e os mais modernos modelos de gestão. No entanto, muitos analistas entendem que se trata de um “piloto” para um novo negócio destas companhias e isso afetou o valor das ações de muitas operadoras de saúde e prestadores. Acredito que este último grupo será fortemente atingido pois a proposta seria preparar soluções com alta escala e custos menores. Um exemplo foi o lançamento do Amazon Alexa, com custos a partir de 50 dólares que permite grande interação com os provedores de saúde, inclusive com os prontuários eletrônicos, “coaches”, centros diagnósticos, etc e trazendo o usuário para o centro do sistema.

Em nosso país, observamos que as iniciativas envolvendo os pagadores (contratantes) abordam, quase exclusivamente “as dores” e não vislumbram soluções. Quantas vezes não ouvimos o velho clichê “a saúde é o segundo item da folha de pagamento das empresas”? Talvez dois fatores contribuam para esta realidade, ou seja, a falta de conhecimento e de estratégia para os gestores de recursos humanos.

O sistema de saúde privado é bastante complexo, com múltiplos atores, diferentes interesses e baixa transparência. Conhecer o sistema exige conhecimento técnico obtido através de formação realizada de maneira independente e não realizada através de prestadores de serviços, consultorias ou corretoras. Além disso, a regulação do setor também é complexa e, muitas vezes, confusa e a incorporação de novas tecnologias é crescente e inevitável. Soma-se a estes fatores o envelhecimento da população e o aumento das condições crônicas e dos fatores de risco.

Com relação à estratégia, é importante entender a força de trabalho como um capital importante para as empresas. Neste caso, não basta somente adotar medidas de contenção de custos através de limitação de acesso (como coparticipação, restrição de rede assistencial, burocratização) ou buscar o controle da sinistralidade como único KPI de gestão em saúde. Estatísticas internacionais relatam que mais de 80% dos trabalhadores possui, pelo menos uma condição crônica ou excesso de peso. Isso afeta fortemente a produtividade e leva a taxas crescentes de agravos com custos elevados. Enquanto não se utilizar indicadores integrados de capital humano (custos assistenciais, absenteísmo, FAP, acidentes no trabalho), não será possível enxergar o “big Picture” da saúde na empresa.

Neste contexto, a gestão da saúde da empresa não pode estar restrita à área de benefícios com o mero controle dos custos assistenciais. Há a necessidade de uma abordagem ampla, envolvendo a criação de uma “cultura de saúde” na organização, para maximizar o desempenho da força de trabalho. Caso contrário, vale a frase de Peter Drucker “ a cultura come a estratégia no café-da-manhã”, ou seja, qualquer estratégia (principalmente a construída de fora para dentro, através de prestadores) será engolida pela falta de uma cultura de saúde. Em fevereiros de 2018, o conhecido estudioso no tema, Ray Fabius, publicou um artigo na revista “Journal of Occupational and Environmental Medicine- JOEM” com as dez categorias que comporiam uma avaliação em cultura da saúde, ou seja, (1) liderança e gestão (2) marketing e comunicação (3) gestão da informação e dados (4) desenho dos programas de saúde e qualidade de vida (5) Ambiente de suporte (6) Ações em saúde na empresa (7) Atividades em bem-estar (8) Desenho de incentivos e benefícios (9) Engajamento (10) Integração com os prestadores.

Uma iniciativa relevante neste contexto foi a criação de um grupo de trabalho pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) para uma ação integrada e estratégica neste campo, envolvendo as empresas industriais, que respondem por mais de um terço dos contratos corporativos no Brasil. Um grupo de grandes companhias se reuniu para um posicionamento integrado, sobre questões sensíveis como a incorporação de tecnologia, avaliação do rol de procedimentos da ANS, integração com a saúde e segurança no trabalho e inovação. Esta ação conjunta, unicamente de contratantes, permitirá ações de advocacy, posicionamentos em relação ao governo e às agências reguladoras e elaboração de estratégias baseadas em estudos consistentes. Vale a pena acompanhar.