A pandemia do novo coronavírus vai acelerar a tendência de consolidação do setor de saúde, que já era um dos mais aquecidos da economia. De um lado estão grandes operadoras de saúde com modelo verticalizado, como Hapvida e Grupo NotreDame Intermédica (GNDI), que ficaram (ainda mais) capitalizadas com a queda da sinistralidade em ritmo maior do que o tombo das receitas; na outra ponta, os alvos serão cooperativas do sistema Unimed, que dominam o mercado regional, além de clínicas e hospitais. É o que avalia a JK Capital, consultoria especializada em fusões e aquisições no setor, em estudo para EXAME.

A avaliação da consultoria é que, diante da série de aquisições realizadas por Hapvida e NotreDame Intermédica nos últimos meses e anos, os potenciais alvos de aquisição em planos de saúde têm se tornado cada vez mais escassos, ao mesmo tempo em que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (o Cade) deve limitar aquisições nas principais praças onde esses grupos já possuem participações relevantes.

“Para continuar a crescer, o caminho para esses grupos será adentrar em outras regiões. Mas são localidade onde em muitos casos não existem tantos ativos para aquisição e a Unimed é líder”, diz Luís Mazzarella Martins, sócio da JK Capital. A Unimed é líder de mercado em 123 de um total de 137 mesoregiões do país, segundo mapeamento feito pela consultoria.

Nos últimos meses, Hapvida e NotreDame Intermédica já anunciaram uma série de aquisições: a Hapvida, por exemplo, desembolsou 320 milhões de reais pelo Grupo São José, com forte atuação no Vale do Paraíba, no interior de São Paulo (o negócio foi assessorado pela JK Capital pelo lado do vendedor); e o GNDI pagou 1 bilhão de reais em agosto para adquirir a Medisanitas, com operação ampla em Minas Gerais.

Economia de 11,4 bilhões

As medidas de isolamento social e o temor de contágio pelo novo coronavírus derrubaram de forma acentuada e disseminada os índices de sinistralidade, ou seja, de uso da apólice pelos segurados, de todos os ramos do setor de saúde. Na média, a taxa de sinistros caiu de 81,5% no primeiro semestre de 2019 para 71,7% no mesmo período em 2020. Isso representou uma economia de 11,4 bilhões de reais em despesas para as empresas, de seguradoras e cooperativas às operadoras que administram os planos de saúde.

Para a Hapvida, a sinistralidade caiu de 76,9% para 58,8%, representando uma economia de 522 milhões de reais nos seis primeiros meses do ano. Para a NotreDame Intermédica, a taxa recuou menos, de 73,2% para 69,1%: o gasto caiu 184 milhões de reais.

As receitas do setor, por sua vez, sofreram com a queda abrupta da demanda. Mas esse recuo aconteceu em ritmo menos acentuado: a queda foi de 2,63%, o equivalente a 1,68 bilhão de reais para a indústria de saúde consolidada. O segmento mais afetado foi o de cooperativas médicas, com recuo médio de 4,67% no faturamento no primeiro semestre na comparação anual. É a categoria em que se enquandram as Unimeds, que atendem mais de 17 milhões de beneficiários. São 347 cooperativas administradas de forma autônoma.

“Muitos grupos estão com caixa para fazer a consolidação do setor”, afirma Martins. Ele aponta que, além das Unimeds, haverá forte movimento de aquisições na parte da cadeia que engloba os prestadores de serviços, como clínicas e hospitais. São empresas que sofreram forte impacto nas receitas com o adiamento de cirurgias e internações.

Uma das razões para a queda maior da receita das Unimeds é que cobram mensalidades mais elevadas, o que acaba se tornando um fator de vulnerabilidade no mercado em um momento de forte crise: as cooperativas trabalham com tíquetes médios acima de 400 reais por mês, enquanto Hapvida e GNDI, cujo modelo vertical é considerado mais eficiente, conseguem cobrar valor médio mais baixo, perto de 200 reais.

No modelo verticalizado, operadoras de saúde controlam todas as etapas do atendimento ao paciente, da consulta ao médico especialista, passando pelos exames, até cirurgias e internações em clínicas e hospitais. É um modelo que ganhou espaço ao longo da última década graças a um melhor gerenciamento de custos e ganho de eficiência.

A questão que fica para as operadoras e os demais players do setor de saúde, como seguradoras, é se a queda na sinistralidade significa uma demanda reprimida que pode explodir quando uma eventual vacina for aprovada ou se vai representar um novo padrão de menor utilização dos serviços privados de saúde, ao menos no curto e médio prazo.