Para dialogar sobre o futuro da saúde suplementar no Brasil e a busca por uma maior integração entre os sistemas de saúde público e privado, o 28º Congresso Abramge (Associação Brasileira dos Planos de Saúde) reuniu 32 das principais lideranças e autoridades brasileiras e internacionais, incluindo a ex-primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May. O evento aconteceu no pavilhão da Bienal, no Parque Ibirapuera, nos dias 21 e 22 de novembro.
Com mais de 12 horas de conteúdo, o congresso abordou questões cruciais como a judicialização indevida e os impactos negativos, além da necessidade de reformulação de normas para garantir sustentabilidade ao setor e para que as operadoras possam também oferecer novas modalidades de planos. O evento recebeu mais de 900 pessoas, durante os dois dias na bienal.
Judicialização
“Há uma certa insegurança jurídica no setor de saúde”, disse Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge, em seu discurso de abertura. Segundo ele, há poucos anos havia mais de 2 mil operadoras de planos de saúde no Brasil, mas esse número caiu para 660 atualmente, e quase metade delas (44%) apresentou resultado negativo no segundo trimestre de 2024.
“O setor de saúde suplementar já foi testado e aprovado. Por dia, realiza mais de 754 mil consultas, 3,2 milhões de exames, 25 mil internações e quase 12 mil cirurgias”, afirmou. Ribeiro destacou que ter plano de saúde é um dos principais desejos do brasileiro. “É apenas o 18º setor em número de reclamações dentre os seus mais de 51 milhões de usuários, a taxa de reclamações ao ano é de, aproximadamente, 1,6%”, afirmou.
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, também abordou os impactos da judicialização na saúde na sua apresentação. Ele alertou que decisões judiciais, especialmente sobre medicamentos de alto custo, podem prejudicar o sistema como um todo. “Judicializar é barato para quem demanda, mas extremamente caro para o Brasil. Não podemos continuar ampliando essa estrutura indefinidamente”, afirmou.
O ministro ressaltou que o Judiciário não pode ser transformado em mediador padrão das questões de saúde, que deveriam ser solucionadas preferencialmente na esfera administrativa. Barroso relatou que existem mais de 800 mil processos relacionados à saúde em andamento, dos quais 483 mil ingressaram neste ano, o que representa uma média mensal de mais de 60 mil novas ações.
Associada à questão dos custos está a da dificuldade que o magistrado tem de julgar casos que envolvem questões complexas da área de saúde, cuja compreensão requer conhecimento técnico. Para equacionar esse problema, foi criado, em parceria com o Hospital Albert Einstein, o NAT-Jus (Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário), uma ferramenta inovadora que fornece aos juízes informações técnicas sobre medicamentos e tratamentos. A inovação permite que, em poucas horas, os juízes tenham acesso a dados científicos confiáveis para fundamentar decisões. Trata-se de um banco de dados unificado com informações técnicas sobre saúde pública e suplementar, que melhora a qualidade das decisões judiciais e reduz o impacto negativo no sistema de saúde do Brasil.
No primeiro dia de palestras, também marcaram presença no congresso os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli, do STF, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, além da ex-primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May.
Durante seu governo, May foi responsável por um consistente aporte de recursos para o NHS (National Health Service), o sistema de saúde de seu país, um modelo de sucesso que guarda semelhanças com o SUS brasileiro, inclusive quanto aos desafios, entre os quais o envelhecimento da população. “Introduzir novas tecnologias na saúde é um desafio global. No Reino Unido, usamos um sistema rigoroso para avaliar o custo, a eficácia e o impacto de dispositivos médicos antes de incorporá-los ao NHS”, disse. Ela destacou a necessidade de aliar a inovação à responsabilidade fiscal.
Medicamentos
No segundo dia do congresso, a cardiologista e intensivista Ludhmila Hajjar, que é professora titular da Faculdade de Medicina da USP, disse que é necessário equilibrar os avanços da medicina com a sustentabilidade do sistema e buscar a harmonia entre os setores, inclusive unificando as agências de incorporação de medicamentos, ideia defendida por vários outros convidados. Com a unificação, deixaria de haver precificação diferente para o setor público e para o privado, como ocorre hoje.
A médica foi enfática na defesa do conceito de medicina baseada em evidências (MBE), que resulta da integração da melhor evidência científica com a experiência clínica e os desejos do paciente. “Eu chamo a atenção para a medicina baseada em evidências. Não dá para incorporar tudo que é opção off label que aparece todos os dias. Não tem como a gente judicializar qualquer demanda baseada num receituário médico”, disse. “Esse é um congresso que chama a nossa atenção. Não é a saúde suplementar, os médicos, a saúde pública: é a saúde do brasileiro. Temos que levar a medicação baseada em evidências para as nossas discussões, para reduzir o impacto da judicialização do sistema de saúde, que é enorme. E quem mais acessa a judicialização, muitas vezes, é quem pode pagar mais.”
Acordo inédito
Sob o tema “Protagonismo na Saúde: Integração Público-Privado”, o evento trouxe muitas ideias ao debate e, além disso, uma inovação: a assinatura de um acordo inédito entre uma entidade que defende os interesses do consumidor, o Instituto de Pesquisa e Estudos da Sociedade e Consumo (IPSConsumo), e a Abramge, que representa 141 operadoras de planos de saúde.
Pelo IPSConsumo, o documento foi assinado pela advogada Juliana Pereira, que é presidente da entidade, ex-secretária Nacional do Consumidor (Senacon) e foi a responsável criação do portal do governo federal Consumidor.gov. “O ineditismo desse Observatório do Consumidor da Saúde prevê a busca de soluções de problemas que impactam diretamente os beneficiários e os planos de saúde, com estudos sobre reclamações registradas, decisões judiciais e práticas de mercado, que resolverão e prevenirão conflitos, com regulação e promoção de um ecossistema mais ético e seguro para todo o setor. Um passo concreto e arrojado no compromisso da Abramge com o futuro da saúde suplementar no Brasil”, diz Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge, que também assinou o acordo.
Homenagens
No primeiro dia do congresso, a Abramge homenageou dois dos mais importantes empresários do setor de saúde suplementar. Para Jorge Pinheiro, CEO da Hapvida NotreDame Intermédica, que é a maior operadora do Brasil com quase 16 milhões de beneficiários de saúde e odontologia, “o setor de saúde suplementar passa por uma série de desafios e é fundamental que todos encontremos alternativas para que o nosso produto atenda aos anseios do usuário, de maneira que a gente possa levar saúde de muita qualidade, mas também que seja acessível. Que a gente consiga levar uma previsibilidade de custos para as empresas que nos contratam e para as famílias que nos contratam”, afirmou. Ele destacou que apenas 51,4 milhões de brasileiros – ou seja 25% da população – estão na saúde suplementar, mas que há desejo imenso dos outros 75% dos habitantes do país para ter acesso a um plano de saúde.
O presidente da Amil, José Seripieri Junior, também fez coro com o fato de que a maioria da população brasileira quer ter acesso aos planos de saúde. “A relevância desse evento é enorme, e a iniciativa da Abramge é valiosa por abrir espaço para discutir a parceria entre os setores público e privado. O setor de saúde suplementar atende aproximadamente 51 milhões de brasileiros, com uma taxa de reclamação inferior a 1%. Foram mais de 240 bilhões de reais gastos com assistência e 1,7 bilhão de procedimentos realizados no último ano. O grande desafio é atender e integrar as redes de saúde pública e privada. Precisamos observar a questão social de 153 milhões de brasileiros que, de alguma forma, buscam melhorar a integração e acessibilidade no sistema de saúde”, disse Junior.
A atriz Deborah Secco fez uma participação especial no congresso. Ela falou sobre o protagonismo da mulher na saúde e foi a responsável pela homenagem às enfermeiras Maria da Conceição Rosa Santana, do Instituto do Coração (InCor), e Luzia Helena Vizona Ferrero, da Amil. Conceição passou por transplante de coração em 2013, no seu local de trabalho: o InCor, o hospital que por cinco anos consecutivos lidera o ranking da revista americana de Newsweek como o melhor de cardiologia da América Latina.
Futuro
“Desafios feitos, desafios lançados, a gente tem muita coisa para buscar e para trazer equilíbrio, sustentabilidade e segurança jurídica para o setor”, afirmou o presidente da Abramge, Gustavo Ribeiro, no encerramento do congresso. “Então vamos buscar uma melhor segurança para um produto de mais acesso, para um produto de consultas e exames em ambiente ambulatorial, vamos buscar uma agência única de incorporação de medicamentos, vamos buscar melhorias no entendimento com o consumidor”.