A saúde suplementar passa por movimentações estruturais em 2025. No Legislativo, Executivo e Judiciário, temas envolvendo os planos de saúde têm sido colocados em discussão, buscando transparência, sustentabilidade e melhores condições para beneficiários.

No Supremo Tribunal Federal (STF), houve a decisão sobre os critérios mais rígidos para cobertura além do rol de procedimentos e eventos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Outros temas como a cobertura de tratamentos para transtorno do espectro autista (TEA) chegam até o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e devem ser julgados até o fim do ano.

Na regulação, a revisão da política de preços e reajustes dos planos de saúde teve sua segunda consulta pública encerrada no dia 19 de outubro, após uma decisão judicial movida pela Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge). Agora, cabe à ANS se debruçar sobre o tema e divulgar a versão final da resolução que altera aspectos importantes da regulação, como o chamado pool de risco.

Enquanto isso, no Legislativo, um novo relator foi designado para o projeto que busca alterar a Lei dos Planos de Saúde e se arrasta por mais de 19 anos na Câmara dos Deputados. Domingos Neto (PSD-CE) deve construir uma nova versão do texto, que conta com 270 projetos apensados.

Em meio ao cenário, o ano ainda marca a retomada de resultados econômicos-financeiros positivos. No primeiro semestre, as operadoras tiveram lucro líquido de R$ 12,9 bilhões, o melhor resultado desde 2018. No entanto, hospitais cobram que o saldo positivo chegue até os prestadores, que reclamam de falta de reajustes e excesso de glosas.

“É um momento único, em que o cavalo passa selado. Um novo presidente com a sua agenda, uma nova diretriz, uma nova diretora da Diretoria de Normas e Habilitação dos Produtos (Dipro), diretoria que iniciou diversos debates com cinco matérias estruturantes, que conversam diretamente com o consumidor. E lateralmente houve a decisão do STF que empoderou fortemente a agência”, afirma Rogério Scarabel, sócio da M3BS Advogados e ex-diretor-presidente da ANS.

Impacto da decisão do STF

A decisão do STF sobre o rol da ANS foi vista de forma positiva pelas operadoras pelos efeitos que pode ter na geração de economia para a saúde suplementar. “Ela contribui muito para uma incorporação tecnológica mais consciente, uma competência regulatória mais adequada e, principalmente, com a segurança jurídica. A saúde é um dos setores com maior insegurança jurídica, então é muito difícil ter investimento e planejamento”, observa Scarabel.

Contudo, ainda não houve publicação da decisão. O julgamento, que ocorreu em 18 de setembro, apresentou os principais critérios, mas somente a publicação pode trazer explicações, reduzindo margens para interpretações de juízes. Por isso, parte do setor aguarda com cautela. A advogada e pesquisadora Marina Magalhães, do Grupo de Estudos sobre Planos de Saúde (GEPS) do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (DMP/FM-USP), aponta que é preciso aguardar como essa decisão se traduz na prática, considerando que não houve um aumento de casos após a lei do rol da ANS.

“Comparando os períodos anterior à lei e imediatamente após sua publicação, o estudo apontou que não há uma variação estatisticamente relevante no número de ações. A impressão que dá é que o que existia de judicialização talvez não seja significativamente afetado”, explica Magalhães, citando uma pesquisa do Instituto de Defesa de Consumidores (IDEC) e a PUC-SP, que analisou casos em São Paulo em 2023.

Temas ligados à saúde suplementar também aparentam estar mais frequentes nos julgamentos da Corte, como o caso do reajuste de mensalidade de pessoas idosas em contratos antes da vigência do Estatuto do Idoso e a própria cobertura além do rol da ANS, julgados recentemente.

“O STF sempre teve uma participação muito pontual em saúde suplementar, sempre foi muito mais no STJ. A indústria, consumidores e associações estão levando para o STF para tentar ter mais segurança jurídica. Seria a última instância. Mas no julgamento da cobertura fora do rol, os ministros deixam claro que talvez não seja competência deles analisar de primeira essas matérias”, avalia Luciana Sakamoto, sócia de Healthcare do Souto Correa Advogados.

Para ela, a chegada de Wadih Damous à presidência da ANS pode trazer equilíbrio, apontando para a sociedade que a agência terá um olhar para o consumidor. Em um primeiro momento, o indicado do presidente Lula era visto com preocupação pelo setor, pelo seu histórico junto à Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) e embates com operadoras. No entanto, a indicação de Lenise Secchin para a Diretoria de Normas e Habilitação dos Produtos (Dipro) trouxe mais confiança, sendo uma servidora de carreira.

“A curva de aprendizado na saúde é muito longa. Depois que o diretor vai chegando e tomando conhecimento, o alinhamento com a técnica pode existir. Discursos sem um projeto não contribuem muito com o debate”, afirma Scarabel, ex-diretor-presidente da ANS. Para ele, a atuação no dia a dia da agência mostra que é preciso fazer uma regulação considerando todos os aspectos da sociedade.

Novo relator do PL

Já no Legislativo, com um novo relator no PL dos planos de saúde, paira no setor a discussão do quanto essa mudança pode ou não impactar o texto e o andamento do projeto. Há 19 anos na Câmara dos Deputados, o projeto de lei vai e volta, com diferentes temas que afetam tanto o mercado como consumidores.

“É menos uma questão de relatoria e mais sobre esse grande nó que é a saúde suplementar”, observa Marina Magalhães. A pesquisadora aponta que temas como planos exclusivamente de consultas e exames sempre foram propostos através do Congresso, e a chegada da discussão por meio da ANS, em 2024, assustou quem acompanha o assunto. Após pressão social e interna de servidores, a agência criou uma câmara técnica para discutir a proposta. Até o momento, não há informações sobre os seus resultados.

A Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) aponta, em nota, que uma nova regulamentação pode ser bem-vinda se “privilegiar o aumento da liberdade econômica do setor e, ao mesmo tempo, manter amarras firmes na necessidade de se entregar valor para o beneficiário”. O presidente da Abramge, Gustavo Ribeiro, reforça que a entidade está disposta a trabalhar no fortalecimento do diálogo em busca de soluções para os desafios da saúde suplementar.

Para Scarabel, apesar da troca de relator, a tendência é que o texto e os debates no Congresso em torno do PL dos planos de saúde siga com caráter político. “Estão em evidência questões como planos mais barato e cancelamento de contrato, com proibição de rescisão. Mas isso tudo é muito distante da técnica. Se queremos discutir um marco legal, o texto não pode atacar as consequências. É preciso entender como se chegou a elas”, observa o advogado.

Pautas para ficar atento

E mais pautas também estão em discussão nos três poderes. Além da revisão da política de preços e reajustes e a câmara técnica que está estudando a proposta de planos exclusivamente de consultas e exames, ainda há o debate dos cartões de descontos, que podem entrar em 2026 definitivamente na pauta da ANS por decisão judicial.

Outro ponto é que, na quarta-feira (22), a Comissão de Assuntos Sociais encaminhou para o senador dr. Hiran (PP-RR) a tarefa de reexaminar o relatório do projeto de lei que dá direito ao consumidor de pedir portabilidade de carências para qualquer plano a qualquer momento. O texto está no Senado desde 2021 e o último relatório é de julho, com voto pela aprovação.

Há ainda o projeto de decreto legislativo (PDL) 784/2017, aprovado na Comissão de Saúde em agosto, que busca suspender trecho da regulação da ANS que fala sobre a junta médica, alegando que impõe aos pacientes uma barreira adicional ao exercício do direito à cobertura contratual. Atualmente, aguarda relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).

Já no STJ, a discussão sobre o dano moral presumido em caso de negativas de cobertura do plano de saúde é um dos destaques. “Isso muda o comportamento do plano de saúde em precificar”, afirma Scarabel.

Por fim, outros dois temas. Um é a discussão sobre cobertura de TEA, marcada para novembro, também deve movimentar o setor, mas a expectativa é que a decisão da corte sobre coberturas além do rol da ANS tenha impacto no julgamento. Outro é discussão sobre a obrigatoriedade ou não de um plano cobrir o fornecimento de bomba de insulina, que abre precedente para outros dispositivos.