O mercado de saúde suplementar oferece aos consumidores 3 (três) modalidades de produtos, quais sejam, individuais ou familiares, coletivos por adesão e coletivos empresariais.
Os planos de saúde individuais e familiares, como a própria nomenclatura denuncia, são contratados diretamente por indivíduos, com o objetivo de obter assistência médica em prol de uma pessoa ou do seu núcleo familiar.
Já os coletivos por adesão são contratados por pessoas jurídicas, conselhos, sindicatos e associações profissionais, e são disponibilizados aos indivíduos a eles associados sem a intervenção da empresa empregatícia, mediante prestação pecuniária.
Os contratos coletivos empresariais são aderidos por empresas com o objetivo de fornecer tal benefício, em regra, aos seus funcionários e sócios.
Dentre essas modalidades, os planos coletivos empresariais representam uma fatia de 68,6% do mercado, o que corresponde a mais de 33 milhões de beneficiários, segundo dados recentes disponibilizados no site da ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar[1].
Essa fatia exponencial demonstra a importância das empresas para o setor de saúde suplementar, bem como traz a luz recorrentes dificuldades a que elas são submetidas, especialmente quando intentam cancelar o contrato de assistência médica.
O cancelamento do plano de saúde, em regra, tem por objetivo, reduzir custos ou advém da insatisfação com a prestação de serviços disponibilizadas pelas operadoras. Entretanto, muitas empresas esbarram na penalidade imposta pelas operadoras no ato de rescisão.
Isso porque, embora a agência reguladora ANS, através do art. 17, caput, da Resolução Normativa 195/09, autorize as partes contratantes, ou seja, operadora, seguradora, cooperativa de saúde e empresa a rescindirem, por decisão unilateral, o contrato de assistência médica, a mesma resolução igualmente autorizava as operadoras a cobrarem multa, caso o pedido de rescisão formulado pela empresa não observasse o prazo mínimo de 12 meses do contrato e não comunicasse o cancelamento mediante notificação prévia de 60 dias.
Ou seja, para que a empresa não sofresse multa, ela deveria obedecer ao prazo de fidelidade do contrato de 12 (doze) meses e, cumulativamente, comunicar a operadora o desinteresse na continuidade da relação contratual, com antecedência mínima de 60 (sessenta) dias, sob pena de pagar um valor a título de multa rescisória, multa esta que poderia chegar a valores astronômicos a depender do valor envolvido no contrato.
Entretanto, a autorização da ANS para a cobrança de multa rescisória pelas operadoras, segurados e cooperativas de saúde se mostrou uma falha regulatória, pois impedia as empresas em exercerem o seu direito de escolher livremente as operadoras que desejavam manter o vínculo contratual, além de lhe impor um ônus pecuniário excessivo.
Em outras palavras, ao contrário do que ocorria com as operadoras quando optavam por encerrar o contrato de assistência médica, sem qualquer risco de multa rescisória, as empresas não poderiam rescindir a qualquer momento o plano de saúde e, se assim o fizesse, deveria arcar com o ônus da multa, gerando enriquecimento ilícito em prol das operadoras.
Ante o tratamento desigual dado pela Resolução Normativa 195/2009 da ANS as operadoras em desfavor das empresas contratantes dos planos de saúde, o PROCON/RJ moveu uma ação coletiva, distribuída sob o 0136265-83.2013.4.02.5101 (2013.51.01.136265-4), na qual obteve uma decisão judicial declarando nulo o parágrafo único do art. 17 da referida resolução, ou seja, proibiu a prática de multa rescisória.
Com isso, as empresas, também qualificadas como consumidoras, passaram a gozar igualmente do direito rescindir os contratos sem que lhes sejam impostas multas contratuais.
E é importante destacar que a decisão judicial teve por fundamento o reconhecimento de que a multa rescisória, imposta pelas operadoras de planos de saúde, é uma medida que “acaba por impor ao consumidor um dever de fidelidade irrestrita, restringindo, irregularmente, o direito de livre escolha, estatuído no CDC.”
E prossegue, reconhecendo que “É indubitável que a situação narrada nestes autos coloca o consumidor em desvantagem exagerada, viabilizando, ademais, que os contratos de plano de saúde coletivo estipulem cláusulas que propiciem às Operadoras de Saúde um ganho ilícito, no caso de estabelecimento de multas penitenciais no valor de dois meses, como autoriza o dispositivo questionado.”
Por consequência da decisão judicial, proferida na ação civil pública processo 0136265-83.2013.4.02.5101 (2013.51.01.136265-4), a Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Saúde Suplementar criou a Resolução Normativa 455 em 30 de março de 2020, na qual ratificou a nulidade do Parágrafo único do art. 17 da RN 195/09.
Desse modo, o que antes era autorizado pela ANS, tornou-se prática vedada, de modo que as operadoras de planos de saúde estão proibidas de exigirem das empresas o cumprimento de aviso prévio de 60 (sessenta) dias, bem como a cobrança de multa em decorrência do cancelamento da apólice de saúde pelas empresas.
Todavia, mesmo havendo resolução normativa, tal prática continua sendo exercida pelas operadoras de planos de saúde, e muitas vezes sob o argumento de que o contrato fora celebrado antes da criação da Resolução Normativa 455 de 2020.
E aqui é necessário alertar as empresas contratantes, a data de celebração do contrato anterior a referida resolução não afasta o direito de rescindir o contrato, sem a imposição de multa, já que a cobrança fora posterior a existência da resolução, ou seja, o que importa é a data da cobrança e não a data da celebração do contrato.
Outro fator importante é que, mesmo antes de existir a Resolução Normativa, já havia entendimento do Poder Judiciário de que a cobrança de multa viola o direito de consumidor a livre escolha, de modo que a Resolução Normativa 455/20 só veio ratificar tal entendimento.
Assim, as empresas que optarem por rescindir o contrato de assistência médica tem o direito de encerrar a relação contratual, sem que nenhum ônus lhe seja imposto, a título de multa rescisória, sob pena de buscar socorro no Poder Judiciário em caso de desrespeito pelas operadoras de planos de saúde.