Segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), constou-se que entre os anos de 2022 e 2023, houve aumento de 245% no registro de produtos contendo, conjuntamente, os fatores moderadores de coparticipação e franquia na saúde suplementar.
Os números abaixo indicam uma mudança significativa no cenário da saúde privada no Brasil, o que pode ser denominado uma tendência de mercado que acarreta na transformação do perfil de precificação dos produtos pelas operadoras, bem como custo para os consumidores.
Nesse sentido vale rememorar que, a coparticipação e a franquia são mecanismos financeiros de regulação, sendo certo que, usualmente, na coparticipação, o usuário arca com uma porcentagem, em média 40%, do valor de cada procedimento ou consulta. Enquanto a franquia estabelece um valor fixo que o beneficiário deve pagar a cada vez que utiliza um serviço médico, antes que a operadora comece a cobrir os gastos.
Essa mudança de perfil dos produtos oferecidos pelas operadoras guarda relação com o crescimento dos custos da saúde em decorrência do aumento da quantidade de procedimentos, consultas, terapias e medicamentos cobertos anualmente e a frequente inclusão de novas tecnologias ao rol de cobertura obrigatória da ANS.
Esse cenário pressiona as operadoras a buscarem alternativas para equilibrar suas receitas e despesas, mas que não onerem os beneficiários com altos índices de reajuste e não inviabilizem a operação e oferta do produto – sustentabilidade.
Em outra ótica, pode-se entender que os mecanismos da coparticipação e a franquia podem ser encarados como uma forma de oferecer planos mais acessíveis, o que permite explorar novos públicos que até então não eram alcançados.
De todo modo, embora a tendência de produtos com coparticipação e franquia, tenha se intensificado nos últimos anos, a legislação sobre o tema, denominada Resolução do Conselho de Saúde Suplementar (CONSU) n° 08, fora publicada em 1998, ou seja, esses mecanismos de regulação se baseiam em uma norma criada há 26 anos.
Ainda sobre esse aspecto, é fundamental ressaltar que a partir de 2016 a ANS se debruçou sobre o tema dos mecanismos financeiros de regulação, sendo certo que após um longo processo, encerrado em 2018, que contou com grupo de trabalho específico, audiência pública, consulta pública e pesquisa aberta à participação de toda a sociedade, ou seja, a publicação da RN 433/188 fora precedida de amplo e transparente debate.
O novo marco legal tinha por objetivo atualizar a regulação sobre o tema, estabelecendo limites e parâmetros para aplicação dos mecanismos, ou seja, suprir lacunas existentes na legislação e garantir maior clareza, segurança jurídica e previsibilidade aos consumidores, bem como maior equilíbrio ao mercado, contribuindo para a sustentabilidade do setor.
Em que pese a norma tenha sido construída seguindo a “cartilha” das boas práticas regulatórias, portanto, baseada em critérios técnicos e com ampla participação social, a resolução não fora bem recebida pela sociedade civil e atores do setor, o que gerou intensas críticas na mídia, opiniões controversas e, por fim, a suspensão judicial em virtude de decisão cautelar da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), à época, ministra Cármen Lúcia, após Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Depois da conturbada sucessão de fatos, a ANS entendeu por melhor retirar o time de campo e optou pela revogação da RN 433/18, a fim de que o tema pudesse ser amadurecido e novamente discutido em outra oportunidade.
Aparentemente, o novo momento para discussão se aproxima, pois, o tema está pautado na agenda regulatória (2023 – 2025) da Agência, estando atualmente em fase de desenvolvimento do estudo de Análise do Impacto Regulatório (AIR) e certamente seguirá para as demais etapas de desenvolvimento da proposta, participação Social e deliberação final entre o fim deste ano e o primeiro semestre de 2025.
Vale ressaltar que, o momento atual apresenta nuances que não eram tão perceptíveis em 2018 e que tornam o cenário mais complexo, pois, como exposto, o número de produtos com mecanismos de regulação aumentou, ao passo que, espera-se que haja uma resposta regulatória a fim de equilibrar as lacunas/falhas da norma já diagnosticadas pela ANS, desde 2016.
Em mesma medida, desde de 2023 as operadoras estão no foco de notícias relacionadas aos altos índices de reajuste, descredenciamentos de prestadores de serviços e recentemente rescisões de contratos, acrescentado mais incógnitas a equação.
Esses elementos tornam incerto saber como será a recepção da retomada da discussão acerca do tema dos mecanismos financeiros de regulação. No entanto, a partir do momento que uma nova dinâmica social ou econômica explora instrumentos regulatórios com maior intensidade, a realidade fática cuida de trazer novos “problemas”, sendo dever da regulação buscar a resposta que harmonize os diferentes interesses.
Desta forma, acredita-se que o novo capítulo dessa história será escrito nos próximos meses, no entanto, tudo indica que, no passado, aqueles que recusaram a norma por entender prejuízo, agora, podem pleitear o posicionamento da ANS, justamente por receio da realidade que se constrói no horizonte.