Acordo bilionário firmado com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional prevê pagamento parcelado e uso do Hospital da Barra como garantia; negociação envolve dívidas acumuladas da Unimed-Rio e da Ferj após migração de carteira e crises no setor de saúde suplementar.

A Unimed-Rio e a Ferj firmaram um acordo histórico de R$ 2,1 bilhões com a Fazenda Nacional, encerrando um dos maiores passivos tributários do setor de planos de saúde no país. O entendimento, conduzido pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), estabelece parcelamentos de longo prazo e a entrega do Hospital da Barra da Tijuca como garantia da dívida.

O processo de negociação começou em 2023, antes da migração da carteira de clientes para a Unimed Ferj, e foi concluído somente em julho de 2025. O acordo representa um desconto de 45% sobre o valor original, com parte do débito quitada à vista e o restante distribuído em prazos distintos — 60 meses para dívidas previdenciárias e 145 meses para tributos não previdenciários.

O que está previsto no acordo com a Fazenda Nacional

Segundo fontes próximas à negociação, a PGFN avaliou que a via judicial seria mais traumática e arriscada, optando por uma solução consensual diante da fragilidade financeira da operadora.

A inclusão da Unimed Ferj no acordo decorre da transferência da carteira e da receita operacional, o que a tornou parte interessada na solução do passivo.

A garantia oferecida, o Hospital da Unimed, localizado na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio, é considerada o ativo mais valioso do grupo.

O imóvel, que pertence à Unimed-Rio, foi arrendado à Ferj após a migração da carteira e hoje é um dos principais centros de média e alta complexidade da rede privada do estado.

Em caso de descumprimento do acordo, a Fazenda Nacional poderá executar judicialmente o imóvel, embora existam etapas administrativas antes dessa medida extrema.

Dívidas bilionárias e efeito dominó na rede hospitalar

De acordo com a Associação de Hospitais do Estado do Rio (Aherj), o endividamento total das operadoras já ultrapassa R$ 2 bilhões, somando R$ 1,6 bilhão herdado da Unimed-Rio e R$ 400 milhões em faturas recentes não quitadas pela Ferj.

A situação se agravou com a redução de pagamentos à rede credenciada, o que provocou rompimentos contratuais com grandes grupos hospitalares.

Entre os episódios mais recentes, estão as suspensões de atendimento pela Rede D’Or, além de interrupções nos hospitais Pró-Cardíaco, Vitória, São Lucas e Santa Lúcia, todos vinculados à Rede Américas.

Esses bloqueios de cobertura reduziram a oferta de pronto-atendimento aos beneficiários e pressionaram ainda mais a ANS, que assumiu intervenção técnica sobre a Unimed Ferj no início de setembro.

A reestruturação sob supervisão da ANS

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) determinou que a Ferj apresente um plano emergencial de pagamento e normalize o atendimento aos usuários em até 15 dias.

A agência, no entanto, informou que não participou da negociação com a Fazenda Nacional e desconhece os termos do acordo tributário.

Especialistas avaliam que o movimento da PGFN sinaliza uma nova postura de mediação com grandes devedores da saúde, privilegiando acordos estruturantes em vez de execuções fiscais imediatas.

No entanto, o sucesso da operação depende da capacidade de liquidez e de gestão da Ferj, que assumiu uma carteira de clientes em situação crítica.

O papel do Hospital da Barra na operação

A escolha do Hospital da Barra como garantia não foi casual.

O imóvel concentra alta liquidez de mercado e relevância operacional, representando o principal ativo patrimonial da Unimed-Rio.

O prédio, avaliado em centenas de milhões de reais, passou a servir como lastro jurídico e financeiro para viabilizar o parcelamento.

De acordo com o advogado Felipe Renault, que representou a operadora na negociação, o hospital foi a única garantia capaz de sustentar um acordo dessa magnitude.

“O restante dos bens são salas comerciais e garagens, sem peso patrimonial expressivo”, explicou.

O modelo de arrendamento firmado entre as cooperativas permite que o hospital continue em funcionamento enquanto o pagamento é realizado.

Reflexos para o mercado e os beneficiários

O caso evidencia a fragilidade do modelo cooperativista na saúde suplementar, especialmente diante de passivos tributários acumulados e reajustes contidos.

Embora o acordo com a Fazenda Nacional evite medidas mais drásticas, como penhoras diretas e bloqueios de contas, o risco operacional permanece.

Na prática, o parcelamento garante sobrevida financeira à Ferj e à Unimed-Rio, mas não elimina a necessidade de renegociar dívidas com hospitais e fornecedores.

Caso haja atraso no cronograma de pagamentos, o hospital poderá ser executado e o atendimento, novamente comprometido.

O setor acompanha com atenção, pois a operação se tornou um teste de resistência para todo o sistema de cooperativas médicas do país.