A transformação digital está revolucionando o setor da saúde, trazendo impactos significativos na gestão hospitalar e no atendimento ao paciente, como melhorias na eficiência, precisão, acessibilidade e segurança dos dados. No entanto, para que essas inovações sejam efetivamente implementadas, é essencial uma mudança cultural profunda dentro das instituições de saúde.

As novas tecnologias exigem uma adaptação não apenas das ferramentas, mas também das mentalidades. Líderes de saúde estão na vanguarda desse processo, preparando suas equipes para enfrentar os desafios da transformação digital. A integração bem-sucedida das tecnologias depende de um ambiente que promove a aprendizagem contínua e a flexibilidade.

Impactos na experiência do paciente e na eficiência hospitalar

A BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo iniciou o processo de transformação digital há alguns anos. “Todos os nossos prontuários são digitais, o que possibilita a automação de diversos processos envolvendo médicos, enfermeiros e outros profissionais.

Por meio de parcerias com algumas operadoras de saúde, estamos implementando modelos recentes e bem-sucedidos de interoperabilidade de dados, que trazem benefícios reais tanto para os pacientes quanto para a sustentabilidade dos sistemas de saúde”, conta Renato José Vieira, diretor-executivo de Desenvolvimento Médico, Técnico e de Educação e Pesquisa.

Ele destaca que, na BP, o empoderamento dos líderes é incentivado para que exerçam a reponsabilidade de orientar, ouvir e dar oportunidades aos seus times.

“Temos, por exemplo, a Jornada de Desenvolvimento da Liderança, um programa de fortalecimento voltado às lideranças e talentos, em que essas pessoas se tornam embaixadoras da cultura da BP, de forma a cultivar o interesse pela aprendizagem contínua, autoconhecimento e incessante busca da excelência.”

Neste contexto, também existe o Programa de Liderança Médica, aberto àqueles que lideram equipes ou coordenam projetos multidisciplinares. O conteúdo passa por gestão, comunicação, organização, reputação e engajamento na cultura do hub de saúde da BP.

Alex Vieira, superintendente de Inteligência Digital e TI do Hcor, diz que os profissionais estão sendo preparados para a transformação digital por meio de uma combinação de formação técnica para o dia a dia de trabalho, aculturamento digital, workshops e eventos, além de programas de certificação que fazem parte dos treinamentos obrigatórios institucionais.

“O Hcor também promove a criação de conteúdo educativo e a realização de congressos de inteligência digital para compartilhar as melhores práticas e inovações na área de tecnologia em saúde. A formação contínua e o aprendizado prático são incentivados para garantir que os profissionais estejam atualizados com as últimas tendências e tecnologias.”

Já a experiência do Hospital Moinhos de Vento vem focada no estímulo para que as diversas áreas do hospital busquem soluções inovadoras, no entanto, a decisão final sobre a adoção dessas tecnologias é feita de forma centralizada pelo Comitê de Tecnologia da Informação, assegurando uma avaliação criteriosa e integrada.

“Paralelamente, construímos uma base sólida para a adoção de novas tecnologias com projetos de governança de dados e de interoperabilidade, liderados pela nossa equipe de tecnologia da informação, além de um projeto de inteligência artificial”, ressalta Felipe Cabral, gerente médico de Saúde Digital.

A governança de dados capacita e empodera as áreas a serem responsáveis por seus próprios dados, garantindo a qualidade e a integridade das informações.

Tiago de Abreu, gerente de Tecnologia da Informação, conta que a implantação de tecnologias no Hospital Moinhos de Vento trouxe melhorias significativas na experiência do paciente. Com a introdução de totens de autoatendimento, os pacientes podem realizar check-ins de forma rápida e eficiente, reduzindo o tempo de espera e agilizando o acesso aos serviços de saúde, criando assim uma jornada tecnológica que melhora o atendimento do hospital.

Transformação digital tem sido intensa nos exames de imagem

O Instituto de Radiologia (InRad), da Faculdade de Medicina do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (FMHCUSP) e o InovaHC também têm um compromisso com a capacitação dos profissionais para o uso de tecnologias em saúde. Essa preparação é realizada por meio de diversas iniciativas.

“Recentemente, realizamos um curso de inteligência artificial na saúde, direcionado a todos os médicos radiologistas, que abordou desde os conceitos básicos até a aplicação prática de IA em diagnósticos por imagem. E, assim, foi possível proporcionar uma compreensão profunda das ferramentas e técnicas mais recentes”, explica Mário Samawura, diretor de Corpo Clínico do InRad.

Além disso, são realizadas discussões e troca de conhecimentos sobre novas tecnologias, como machine learningbig data em saúde e telemedicina, com especialistas conceituados.

Samawwara conta ainda que é uma prática comum no InRad incentivar os profissionais a se envolverem ativamente em projetos de pesquisa que utilizam IA e outras tecnologias inovadoras. Isso inclui desde a fase de desenvolvimento até a implementação prática, permitindo que adquiram experiência e contribuam para avanços significativos na área. “No início deste ano, lançamos o primeiro laboratório de IA generativa para a área da saúde pública do país, com objetivo de transformar a forma com que os laudos radiológicos são criados.”

O objetivo dessas ações é garantir que todos os profissionais do InRad estejam bem preparados para enfrentar os desafios e aproveitar as oportunidades que as novas tecnologias em saúde oferecem. “Utilizamos uma combinação de educação formal, treinamento prático e participação em projetos de inovação. Desta forma, podemos contribuir para a construção de uma base sólida de conhecimento profissional e excelência em cuidados de saúde.”

Quem também aposta no poder da educação – e do convencimento – para que novas tecnologias sejam adotadas com mais facilidade é a Fundação Instituto de Pesquisa e Estudo de Diagnóstico por Imagem (FIDI). Simone Vicente, CEO da instituição, destaca que todos os colaboradores são incentivados e desafiados a pensar na transformação digital e em como as tecnologias podem mudar o cenário da saúde e trazer benefícios.

“Na FIDI, impulsionamos a tecnologia que traga ganho de qualidade ou redução de custo. Buscamos levar conhecimento sobre gestão e tecnologia de diversas formas: em cursos de educação a distância, podcasts, indicação de leituras e reuniões que acontecem bimestralmente com toda a liderança. Nesses encontros, discutimos, entre outros tópicos, como os líderes estão implementando novas tecnologias em suas áreas. Cabe aos gestores também incentivarem suas equipes a pensar em inovações que impulsionem a empresa.”

No entanto, Simone destaca a importância de incentivar o uso de novas tecnologias, mesmo que elas não tragam os resultados esperados. “Se não der certo, está tudo bem. Acredito que temos que ser permissivos com os erros quando estamos buscando novidades. Nem todas as inovações são positivas, mas é tentando que vamos descobrir como avaliar uma nova tecnologia e saber se ela faz sentido na nossa empresa.”

Transformação digital no aprimoramento da gestão

Normalmente se ressalta a incorporação da tecnologia nos serviços de saúde, pois é o lado mais visível, como a cirurgia robótica ou avanços em tratamentos oncológicos. No entanto, a transformação digital tem sido relevante para aprimorar a gestão na Unimed Nacional, consolidando um processo de governança de dados e IA para se tornar uma empresa orientada por dados e processos inteligentes, resultado de parcerias com startups.

No momento, a aplicação da inteligência artificial tem se dado em duas frentes: na identificação de problemas e redução de desperdícios e, também, na potencialização das entregas de cada área. Uma das iniciativas com IA é o combate a fraudes de reembolso, que foi desenvolvida em parceria com a startup Neurotech.

“Além disso, a incorporação da inteligência artificial, por exemplo, tem contribuído também para a liberação de cirurgias”, observa Luiz Paulo Tostes Coimbra, presidente da Unimed Nacional.

O executivo cita ainda um projeto de reconhecimento facial onde a biometria é capturada via aplicativo da operadora com IA de prova de vida. Quando o beneficiário faz a solicitação de reembolso, ele precisa confirmar a identidade através da biometria facial. Atualmente 70% das solicitações de reembolso da Unimed são pelo aplicativo. O portal responde por 20% e os outros 10% são via central de atendimento, e-mail ou outros canais.

“Também teremos autenticação de QR Code. Isso vai permitir que se faça a solicitação de reembolso, mesmo se a pessoa não puder realizar a biometria por não ter câmera no computador. Ela poderá escanear, via celular, o QR Code, e receberá um código, para que tenha acesso à solicitação via portal.”

Recentemente, a Unimed Nacional inaugurou um laboratório de tecnologias emergentes, uma estrutura de pesquisa, teste e desenvolvimento dedicada à exploração e experimentação de tecnologias inovadoras que estão surgindo ou se tornando relevantes.

Além de acelerar o processo de transformação digital da operadora e estabelecer um ambiente para prospecção e experimentação de tecnologias alinhadas às estratégias da empresa, o laboratório também é um espaço para educar e certificar os colaboradores em novas tecnologias.

“Queremos promover a transformação digital sustentável da Unimed Nacional e ser líder no uso de tecnologias emergentes entre todas as operadoras de saúde. E para que isso ocorra, precisamos que todos na cooperativa estejam minimamente capacitados para lidar com esse cenário, pois não basta apenas as lideranças estarem aptas a lidar e entender as transformações provocadas pelas tecnologias digitais. Se todos não tiverem um mínimo entendimento, não haverá como as lideranças provocarem as mudanças que almejamos”, avalia Tostes.

Dificuldades para criação de uma mentalidade digital

A mudança de cultura talvez figure entre os principais desafios para que a transformação digital ocorra plenamente. Na FIDI, Simone diz que a tecnologia permeia todas as áreas do laboratório, mas é no setor de radiologia que se encontram as principais barreiras.

“Sabemos que a tecnologia, e em especial a inteligência artificial, na nossa área de atuação, fará cada vez mais parte da nossa realidade. Mas o quadro é tão complexo que em algumas universidades e faculdades de medicina estão sobrando vagas em radiologia.”

A razão para isso, segundo ela, está no receio que os jovens profissionais têm de ser substituídos pela tecnologia e também pelo futuro incerto. “O profissional não quer investir anos de sua carreira para que, quando estiver formado, não encontrar mercado de trabalho”, avalia Simone.

Na opinião de Vieira, da BP, inovar em saúde requer cuidados e dedicação, dada a natureza sensível do setor. Refletindo mais a fundo sobre desafios bastante comentados, como o envelhecimento da população brasileira e as dimensões continentais do país, a BP entende que seu corpo clínico e suas equipes precisam estar cada vez mais preparados para uma saúde mais preditiva.

Outro aspecto a ser avaliado é a saúde participativa, em que cada indivíduo se torna corresponsável por sua própria saúde e personaliza seu plano de tratamento de acordo com seu perfil e preferências.

“Essas abordagens são sustentadas pela necessidade contínua de uma gestão eficiente da saúde, que é essencial para garantir a sustentabilidade dos sistemas de saúde. Todos esses aspectos dependem da gestão eficaz de dados e informações, além da excelência nos cuidados aos nossos pacientes”, comenta o executivo.

Cabral finaliza citando ainda, como barreiras a serem vendidas, a necessidade de investimentos contínuos em infraestrutura tecnológica, a garantia da segurança e privacidade dos dados dos pacientes e a integração de novos sistemas com as plataformas existentes.