Como consequência direta dos impactos na rede de saúde provocados pela Covid-19, bem como da crescente conscientização da população sobre temas relacionados à saúde, o mercado de saúde suplementar, em 2024, apresenta aproximadamente 51 milhões de usuários em planos de assistência médica e 33,5 milhões em planos exclusivamente odontológicos, segundo a ANS.

Com o aumento no número de beneficiários dos planos de saúde, a judicialização no setor de saúde suplementar no Brasil tornou-se um fenômeno crescente, desafiando as estruturas regulatórias existentes. Isso é evidenciado pelos números apresentados no Sumário Executivo — Justiça em números, publicado regularmente pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

Esse cenário tem gerado intensos debates sobre os limites e a eficácia das intervenções judiciais em um setor altamente regulado, especialmente no confronto entre decisões judiciais e as normativas da Agência Nacional de Saúde Suplementar.

Nesse contexto, é importante destacar a Lei 9.656/98, que regulamenta os planos e seguros privados de assistência à saúde no Brasil, assim como diversas resoluções da ANS, como a RN nº 424 e a nº 465. Essas normas estabelecem regras claras sobre coberturas obrigatórias, procedimento de junta médica e o rol de procedimentos e eventos em saúde, que são essenciais para garantir um padrão mínimo de cuidados e prevenir abusos que possam comprometer a sustentabilidade financeira do sistema de saúde suplementar.

Judicialização em crescimento

 No entanto, a crescente judicialização tem levado os tribunais, em alguns casos, a proferir decisões que divergem das diretrizes estabelecidas pela ANS, especialmente no que diz respeito à cobertura de tratamentos e medicamentos não incluídos no rol de procedimentos. Isso resulta em uma base jurisprudencial que, em certas situações, entra em conflito com as normas regulatórias.

Diante disso, fica evidente a importância da especialização dos magistrados e servidores do Judiciário quanto às normativas que regem o setor de saúde suplementar. Uma compreensão aprofundada das regras regulatórias é essencial para que as decisões judiciais sejam não apenas legais, mas também técnicas e embasadas em critérios médicos.

É crucial que o Judiciário esteja bem informado sobre as nuances das regulamentações da ANS. Juízes com preparo técnico têm maior capacidade de equilibrar os direitos dos consumidores com a sustentabilidade do sistema, compreendendo, por exemplo, as razões pelas quais determinados procedimentos ou medicamentos não estão cobertos e as implicações econômicas de suas decisões para o setor como um todo.

Vale ressaltar que a ANS, como autarquia reguladora, está constantemente atualizando suas normativas. Por isso, um diálogo contínuo entre o Judiciário e a agência pode ajudar a esclarecer dúvidas interpretativas e garantir que as decisões judiciais reflitam adequadamente as intenções das regulamentações. Além disso, essa interação pode permitir que a ANS compreenda melhor como suas regras estão sendo aplicadas na prática, possibilitando ajustes quando necessário.

Agilidade no Rio de Janeiro

Nessa direção, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por meio dos Núcleos de Justiça 4.0, tem buscado soluções mais rápidas e digitais para a resolução de litígios. A criação do 6º e 7º Núcleo de Justiça, especializados em saúde privada, trouxe benefícios significativos ao permitir que juízes desenvolvam expertise nas complexidades legais, regulatórias e médicas da saúde suplementar, contribuindo para decisões mais informadas e previsíveis.

Entretanto, é importante ressaltar que os Núcleos de Justiça 4.0 não são varas ou juízos propriamente ditos, mas sim núcleos auxiliares ao juízo natural, não havendo possibilidade de declínio de competência. Dessa forma, o encaminhamento de ações para esses núcleos especializados depende da opção expressa da parte demandante, o que limita a eficácia do sistema.

A Recomendação 43 do CNJ, de 2013, já previa a necessidade de criação de varas especializadas para tratar de questões relacionadas à saúde, reconhecendo a complexidade e especificidade dos temas envolvidos. No entanto, mais de dez anos depois, poucos tribunais implementaram essa recomendação de forma concreta e abrangente.

Essa resistência em adotar varas especializadas revela uma lacuna importante no sistema judiciário, pois a criação dessas estruturas poderia garantir decisões mais técnicas, ágeis e seguras, beneficiando tanto os consumidores quanto as operadoras de saúde. A falta de implementação efetiva dessa diretriz representa uma oportunidade perdida para aprimorar a justiça no setor de saúde suplementar.

A criação de varas especializadas é uma demanda crucial, pois podem simplificar a tramitação das demandas, garantir decisões mais técnicas e atender às diretrizes da Política Judiciária de Resolução Adequada das Demandas de Assistência à Saúde, instituída pela Resolução nº 530/2023 do CNJ.

Garantir que as decisões judiciais em matéria de saúde suplementar sejam justas, técnicas e bem fundamentadas é essencial para um sistema mais sustentável e acessível. Portanto, a implementação dessas varas pelos Tribunais de Justiça representa oportunidade de avanço e um passo significativo nessa direção.