A professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Ludhmila Hajjar vai participar de um esforço que começa a ser delineado no Supremo Tribunal Federal (STF) para reduzir a judicialização na saúde. Nesta semana, a médica reuniu-se com ministros da Corte para discutir temas que vão desde as fragilidades do sistema judicial, os custos de saúde até a incorporação de medicamentos.

A ideia, agora, é que grupos de trabalho sejam formados para debater fatores associados ao fenômeno, que não é novo, mas crescente no país. Entre as propostas está aprimorar ferramentas que possam amparar juízes a formularem suas decisões.

Hajjar defende, por exemplo, a criação de um sistema de informação que funcione de forma ininterrupta. Seria, como Hajjar definiu ao JOTA, uma evolução do sistema NatJus.

Além de estar à disposição durante 24 horas, a proposta é de que inteligência artificial seja adotada, permitindo o envio automático de informações sobre o tema tão logo os processos sejam distribuídos. A proposta também é defendida por Daiane Lira, conselheira do CNJ.
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Hajjar argumenta que um juiz que recebe na sexta à noite um pedido para fornecimento de medicamento e não tem informações de saúde para ampará-lo, tende a tomar uma decisão norteada sobretudo pelo aspecto emocional. “A ideia é tirar a subjetividade disso. Pensar no sistema como um todo. E pensar que o recurso é finito”.

A cardiologista, que também é diretora de cardiologia do Hospital Vila Nova Star, observa que hoje existem tratamentos de alto custo, com valores que chegam a R$ 17 milhões. “Quando é deferido um tratamento neste valor, é preciso estar ciente de que ele estará retirando esse recurso de todo o sistema”, afirmou ao JOTA.

Pedidos deferidos

Hajjar observa que em 2023 foram propostas 500 mil ações sobre saúde. Dados indicam que 80% dos processos judiciais são deferidos em primeira e segunda instância. “Claro, o paciente não está errado em ingressar com o pedido. Ele muitas vezes não tem outro acesso que não seja o judicial para obter o medicamento indicado pelo profissional”. Mas a professora pondera que isso pode ampliar a iniquidade. “O paciente que recorre à Justiça também é aquele que tem um pouco mais recursos. De uma maneira ou de outra, isso precisa ser levado em consideração.”

Para a professora, o fenômeno traz um impacto relevante tanto para saúde pública quanto para suplementar. “Também não podemos dizer não à incorporação de tecnologias e à evolução da medicina. É uma equação de equilíbrio entre incorporação e tecnologia versus sustentabilidade do sistema.”

Hajjar foi convidada para prestar consultoria ao gabinete do ministro Gilmar Mendes durante a discussão do Tema 1234, que trata sobre a responsabilidade do governo federal no custeio de medicamentos que não estão incorporados no Sistema Único de Saúde. A ideia inicial era que a professora se dedicasse à análise da proposta da criação de um banco de dados. Favorável à proposta, a cardiologista ampliou a discussão para abordar também temas relacionados à incorporação de medicamentos e novas tecnologias.

“Acredito que deve haver uma ênfase em seguir a medicina baseada em evidências. Esse deve ser o mote, não a pressão do mercado.”

Ministério da Saúde

A professora acredita que, mesmo não tendo capacidade legislativa, o Supremo Tribunal Federal pode ter um papel fundamental. “Defendo envolver o Ministério da Saúde e o Ministério da Indústria, Comércio e Serviços, na questão do complexo industrial e incorporação de tecnologias. Mas o Supremo é um agente muito forte nesta discussão.”

Hajjar afirma ser essencial que o sistema traga informações sobre medicamentos e terapias, que nem sempre são fáceis de serem obtidas. Um modelo a ser seguido, em sua avaliação, é o que é adotado no Reino Unido. “O sistema permite saber, por exemplo, se o medicamento é registrado pela autoridade sanitária. Se está em fase de pesquisa, em que estágio se encontra.”

Plenário em breve

A professora avalia que o Tema 1234 deverá ser em breve ser concluído e levado ao plenário do STF. Hajjar defende uma das propostas feitas pelo Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (Conass) e Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) para criação de um banco de dados que reúna informações sobre os profissionais prescritores dos medicamentos que são solicitados na Justiça.

“A ideia é fazer um sistema de unificação administrativa e judicial. Eles vão saber quem está pedindo o quê e quando”, comentou.