Não é segredo que, com o passar dos anos, os re(ajustes) anuais (financeiro e sinistralidade) e por faixa etária praticados pelas seguradoras de plano de saúde estão cada vez mais expressivos, tornando inquestionável a extrema onerosidade financeira para os consumidores.

Em relação aos reajustes anuais, isso se deve ao fato de as seguradoras aplicarem aos contratos individuais e familiares percentuais acima do que é autorizado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), sem qualquer padrão, tampouco informação que justifique a composição dos referidos percentuais.

Apesar de a ANS autorizar reajustes anuais para os contratos coletivos, o próprio Tribunal de Contas da União já reconheceu falta de disponibilização de informação aos contratantes, falhas da ANS na identificação e correção de reajustes abusivos e falha na fiscalização das informações fornecidas pelas operadoras, conforme comprovado no relatório do TCU [1].

Outrossim, para que as seguradoras possam embasar referido reajuste, valem-se de cláusulas genéricas, abertas, obstaculizando o consumidor de questionar se os percentuais aplicados condizem com a realidade da apólice, infringindo o artigo 39, incisos V e X do CDC [2] — aplicável o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de planos de saúde — Súmula 608 STJ.

E justamente em razão da ausência de informação das seguradoras, sobretudo ao não fornecerem:

  • a forma de cálculo utilizada para a apuração das variações e estabelecimento dos percentuais;
  • relatórios de despesas (balanços anuais);
  • extratos de utilização dos serviços anuais;
  • notas fiscais para justificar e demonstrar a necessidade do reajuste por sinistralidade;

Pelo contrário, valem-se do pífio argumento de reequilíbrio econômico financeiro do contrato, ficando caracterizada também a infringência ao artigo 6º, inciso III, artigo 39, inciso V e artigo 51, inciso IV e X, e o parágrafo 1º, todos do Código de Defesa do Consumidor.

Isso significa dizer que, não basta a existência de cláusula contratual para que os reajustes sejam lícitos, pelo contrário, imprescindível que a informação seja prestada de maneira correta, transparente, informando inclusive a origem dos percentuais aplicados, por meio de demonstração atuarial, contendo a variação das despesas, quantidade de usuários ativos na carteira, dentre outros requisitos.

Nesse sentido, é o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo:

“Apelação. Plano de saúde. Reajustes de sinistralidade. Sentença de procedência. Insurgência das partes. Pretensão de afastamento dos reajustes por sinistralidade incidentes nos prêmios da parte autora desde o ano de 2006. Ausência de comprovação, pelas rés, de que os índices efetivamente aplicados ao contrato no período estão em consonância com a elevação dos custos médico-hospitalares e/ou sinistralidade. Substituição pelos índices autorizados pela ANS para os contratos individuais e familiares nos respectivos períodos. Restituição dos valores pagos a maior, que corretamente observou a prescrição trienal. Exegese do artigo 206, § 3º, inciso IV do CC. Declaração de nulidade de cláusula contratual autorizativa dos reajustes, afastando os aumentos ocorridos desde 2006. Sentença reformada nesse ponto. Recurso da requerida desprovido, provido o apelo da autora.”

(TJ/SP, Apel. nº. 1074700-23.2020.8.26.0100, Des. Rel. COELHO MENDES, 10ª Câmara de Direito Privado,  j. em 16/08/2022 – destacamos)

Aumento de faixa etária

Além da arbitrariedade nos reajustes anuais, importante esclarecer a excessiva onerosidade praticada pelas seguradores em relação ao reajuste de faixa etária, na oportunidade em que os consumidores completam 59 anos de idade.

Isso porque o reajuste por faixa etária, mesmo que tenha sido aplicado há alguns anos, refletirá tanto nas mensalidades pretéritas quanto nas mensalidades futuras, fazendo com que o consumidor não tenha condições de arcar com esses vultosos valores.

Por óbvio que referido reajuste mostra-se também excessivo, sobretudo por elevar unilateralmente e sem qualquer justificativa atuarial idônea a mensalidade dos consumidores.

Sobre o assunto, o Colendo Superior Tribunal de Justiça julgou em Recurso Especial Repetitivo (REsp nº 1.568.244/RJ), o Tema 952, que teve sua aplicabilidade aos planos coletivos, com o Tema 1076, estabelecendo requisitos para que a cláusula de reajuste por faixa etária seja considerada válida:

  • haja previsão contratual;
  • não serem aplicados índices de reajuste desarrazoados ou aleatórios, que onerem em demasia o consumidor;
  • e respeito às normas expedidas pelos órgãos governamentais.

Frise-se que os mesmos critérios definidos pelo C. STJ para reajustes por mudança de faixa etária aos contratos individuais e familiares de planos de saúde são os mesmos definidos aos contratos coletivos, pelo TJ-SP, quando do julgamento do Tema 11, por meio de incidente de resolução de demanda repetitiva (IRDR), fixando as teses transcritas abaixo:

TESE 1 – “É válido, em tese, o reajuste por mudança de faixa etária aos 59 (cinquenta e nove) anos de idade, nos contratos coletivos de plano de saúde (empresarial ou por adesão), celebrados a partir de 01.01.2004 ou adaptados à Resolução nº 63/03, da ANS, desde que (I) previsto em cláusula contratual clara, expressa e inteligível, contendo as faixas etárias e os percentuais aplicáveis a cada uma delas, (II) estes estejam em consonância com a Resolução nº 63/03, da ANS, e (III) não sejam aplicados percentuais desarrazoados que, concretamente e sem base atuarial idônea, onerem excessivamente o consumidor ou discriminem o idoso.”

TESE 2 – “A interpretação correta do art. 3º, II, da Resolução nº 63/03, da ANS, é aquela que observa o sentido matemático da expressão “variação acumulada”, referente ao aumento real de preço verificado em cada intervalo, devendo-se aplicar, para sua apuração, a respectiva fórmula matemática, estando incorreta a soma aritmética de percentuais de reajuste ou o cálculo de média dos percentuais aplicados em todas as faixas etárias.”

No entanto, apesar de as seguradoras estabelecerem previsão contratual para a aplicação e aumento do reajuste por faixa etária, corriqueiramente não preenchem os requisitos mencionados acima, autorizadores da referida cobrança.

Nessa aspuciosa direção, caminhou o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

“AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE REAJUSTE POR FAIXA ETÁRIA EM CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE. Abusividade do índice aplicado quando o usuário completou 59 anos (equivalente a 70,368%). Percentual desarrazoado e extremamente oneroso ao segurado, em desconformdidade com o v. Aresto proferido pelo Eg. STJ, sob o rito dos recursos repetitivos. Caráter vinculativo do ‘decisum’ emitido pela Corte Superior, à luz dos artigos 927 e 489, VI, ambos do NCPC (Lei n° 13.105/2015). Reajuste por mudança de faixa etária que deve observar a alíquota prevista no Painel de Precificação de Planos de Saúde — 2017, último divulgado pela ANS (42,04%). Dever de devolução dos valores pagos a mais pelo requerente. Termo “a quo”. Data do ajuizamento da demanda. Entendimento pacificado da câmara. Sentença reformada em parte. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS.”

(TJ/SP, Apel. nº. 1031368-11.2017.8.26.0100, Des. Rel. PAULO ALCIDES, 6ª Câmara de Direito Privado, j. em 30/05/2019 – destacamos)

Portanto, denota-se a possibilidade do jurisdicionado demandar em face das seguradoras, a fim de fazerem valer seus direitos por meio de advogado especialista na área, caso referidas ilegalidades sejam perpetradas, tornando legítimo o recrudescimento da rede de proteção consumerista e, assim, evitando a prática de qualquer abuso de direito das seguradoras.