A judicialização da saúde no Brasil tem crescido significativamente nas últimas décadas, revelando a tensão entre o direito constitucional à saúde e as limitações orçamentárias do Sistema Único de Saúde (SUS). Esse fenômeno ocorre quando cidadãos recorrem à Justiça para obter tratamentos, medicamentos ou procedimentos não disponibilizados ou negados pelo SUS ou por planos de saúde. Embora seja vista como um meio de garantir o acesso à saúde, essa prática levanta questões sobre o impacto financeiro e a equidade dentro do sistema público.

Pressão financeira e precedentes judiciais

Segundo um estudo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o número de processos relacionados à saúde no Brasil cresceu 130% entre 2014 e 2019, passando de 240 mil para mais de 550 mil ações judiciais. Esse aumento impõe forte pressão sobre os cofres públicos, com o Estado gastando aproximadamente R$ 1,3 bilhão por ano para cumprir decisões judiciais, conforme dados do Ministério da Saúde.

Para Luana Vacari, advogada especializada em direito à saúde, alguns casos ganharam grande repercussão e destacaram o tema. “Um exemplo foi o caso de uma paciente que, em 2017, garantiu judicialmente o direito a um medicamento para atrofia muscular espinhal (AME), cujo custo ultrapassava R$ 11,5 milhões. Essa decisão abriu precedentes para ações semelhantes, ampliando a pressão sobre o orçamento do SUS. Outro caso marcante ocorreu em 2016, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que o governo fornecesse um medicamento de alto custo para um paciente com hepatite C, mesmo com o argumento de que o remédio ainda estava em avaliação para incorporação ao SUS.”

Desafios e alternativas para reduzir a judicialização

Vacari aponta que, apesar de a judicialização garantir tratamentos médicos, ela também gera desafios complexos. “Estudos mostram que essas decisões podem criar desigualdades, favorecendo aqueles que têm acesso ao sistema judiciário em detrimento da coletividade. Além disso, o redirecionamento de recursos para demandas específicas pode comprometer o financiamento de políticas públicas mais amplas.”

Para mitigar o problema, governo e Judiciário têm buscado alternativas, como a criação de câmaras técnicas de mediação e conciliação em saúde, que visam reduzir o volume de ações judiciais e facilitar soluções negociadas. No entanto, equilibrar o direito individual à saúde com a sustentabilidade financeira do SUS permanece um desafio.

“Com o avanço das tecnologias e o surgimento de novos tratamentos, a judicialização tende a aumentar, o que torna urgente a formulação de políticas públicas que equilibrem o direito à saúde, a justiça social e a eficiência na gestão de recursos públicos”, conclui Luana Vacari.