A realidade do mercado de saúde no país apresenta vários setores que já alcançaram um nível elevado de maturidade e consolidação. Áreas como diagnóstico por imagem e laboratorial, diálise, oftalmologia e até mesmo os hospitais gerais, já foram exploradas por grandes players, deixando poucas oportunidades para novos entrantes e um nível de “pulverização” de negócios isolados, que faça sentido para planos mais amplos de consolidação de mercado, seja por investimento de private equity e venture capital ou investidores estratégicos, nacionais ou internacionais.

Ainda existe um nicho que permanece relativamente inexplorado, oferecendo um oceano azul de oportunidades para aqueles que estão dispostos a inovar e aproveitar o momento. A cirurgia ambulatorial, também conhecida como cirurgia-dia, tem se tornado um dos setores mais dinâmicos do sistema de saúde por todo mundo. Com um crescimento notável nos últimos anos, esse modelo se destaca pela eficiência, redução de custos e melhoria na experiência do paciente. A movimentação aquecida de consolidações no mercado de Centros Cirúrgicos Ambulatoriais (ASCs – Ambulatory Surgical Centers) em outros países, demonstra o potencial enorme deste setor e oferece uma amostra do que pode ser visto, em breve, no Brasil, frente à necessidade urgente de modelos de saúde mais sustentáveis e custo-efetivos.

O mercado brasileiro se encontra, ao olhar da consolidação, atualmente com poucos ativos mapeados, no que se chama no mundo dos investimentos de “greenfield”, ou seja, ainda em estágio inicial, com pouco histórico de desempenho e resultados.  Este cenário está mudando rapidamente, entrando agora no que podemos chamar de “grey field”, ou zona cinzenta, onde há um certo nível de maturidade, com histórico de desempenho e resultados se materializando em diferentes operações, com enorme potencial para desenvolvimento e maturidade, em um setor que irá, certamente, atrair muita atenção do mercado em um futuro mais próximo do que muitos imaginam.

O crescimento explosivo dos ASCs

Nos últimos cinco anos, a indústria de ASCs nos Estados Unidos experimentou um crescimento explosivo. A United Surgical Partners International (USPI), uma das maiores redes de ASCs do país, detém atualmente 7,1% do mercado estadunidense de ASCs. Controlada pela Tenet Healthcare, a USPI possui um portfólio impressionante de 520 centros cirúrgicos e 24 hospitais cirúrgicos, abrangendo 38 estados. O crescimento da USPI é um reflexo das tendências de consolidação que estão moldando a paisagem dos cuidados de saúde nos Estados Unidos, onde as aquisições estratégicas por parte de grandes empresas têm sido comuns, como a aquisição da SCA Health pela Optum em 2017 por US$ 2,3 bilhões, que cresceu de 186 ASCs em 2019 para 320 em 2023.

Além disso, em 2023, a USPI adquiriu a Covenant Physician Partners, que opera mais de 80 locais em 17 estados. Este tipo de movimento não é isolado. A Tenet Healthcare também adicionou 56 ASCs em 2024 e liquidou mais de nove hospitais, investindo no espaço ambulatorial com um total de US$ 4 bilhões. A empresa tem como prioridade número um a expansão de centros cirúrgicos ambulatoriais de baixo custo e alta qualidade, visando atender melhor as comunidades em todo o país. Atualmente existem cerca de 10.000 centros cirúrgicos ambulatoriais em operação nos Estados Unidos, dos quais 6.087, com dados de abril de 2024, são certificados pelo Medicare (espécie de programa de seguro saúde federal norte-americano).

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Fonte: Relatório VMG Health – Os números menores do que os citados no texto são consequência de operações de fusão e aquisição posteriores ao fechamento do relatório, que consolida dados somente de 2023.

Benefícios da cirurgia ambulatorial

Os Centros Cirúrgicos Ambulatoriais (CCAs), ou Unidades de Cirurgia Ambulatorial (UCAs), como chamamos mais comumente no Brasil, oferecem uma série de vantagens quando comparados aos hospitais tradicionais. Primeiramente, os custos operacionais mais baixos resultam em preços que são significativamente mais acessíveis para fonte pagadora e pacientes. Isso ocorre porque os CCAs são projetados especificamente para procedimentos ambulatoriais, permitindo um fluxo de trabalho mais eficiente e menos burocrático. Assim, reduz-se o tempo de espera, promovendo uma experiência mais rápida e satisfatória para o paciente, cirurgião e equipe assistencial.

Além disso, as taxas de infecção em CCAs tendem a ser menores, uma vez que esses centros realizam somente procedimentos eletivos, com circulação bastante reduzida de pacientes com patologias infectocontagiosas e cuidadosamente avaliados, antes da cirurgia. Isso não só garante um ambiente mais seguro, mas também melhora os resultados para os pacientes. Procedimentos menos invasivos realizados em CCAs propiciam um tempo de recuperação mais rápido, permitindo que os indivíduos retornem rapidamente às suas atividades diárias.

A experiência centrada no paciente é outra grande vantagem. Pacientes tendem a receber mais atenção em centros menores e menos complexos, resultando em uma percepção de cuidado mais pessoal e atencioso, com índices de satisfação em geral mais altos do que quando comparados a hospitais gerais e regimes de internação.

Potencial de Mercado para CCAs

O futuro é promissor para os CCAs. A crescente aceitação de procedimentos ambulatoriais é amplamente impulsionada por um envelhecimento da população americana e pelo aumento da demanda por tratamentos cirúrgicos minimamente invasivos. As estimativas sugerem que o mercado de CCAs continuará a expandir, com a contribuição de avanços tecnológicos e a preferência crescente dos pacientes por cuidados de saúde que ofereçam mais conforto e eficiência.

Além disso, as políticas de reembolso das seguradoras também favorecem os CCAs, reconhecendo cada vez mais o valor econômico de modelos de atendimento ambulatorial. Com um sistema de saúde em constante evolução, a consolidação ainda deve continuar, à medida que as empresas buscam melhorar a eficiência operacional e reduzir custos, criando um ciclo positivo de investimentos e crescimento.

O caso do Brasil

O Brasil, assim como os Estados Unidos, enfrenta a necessidade urgente de reformular seu sistema de saúde. Com os custos crescentes de assistência médica e uma pressão significativa sobre os recursos públicos, o país pode se beneficiar da implementação de modelos de cuidados mais custo-efetivos, como os CCAs. A experiência dos Estados Unidos pode servir como um guia valioso para essa transição, como um presságio do que, em breve, ocorrerá no Brasil.

Apesar de um perfil econômico bastante distinto, há algumas similaridades entre os sistemas de saúde dos dois países: ambos lidam com a fragmentação dos serviços, desafios na prestação de cuidados e a necessidade de reestruturação para atender as demandas crescentes da população. O desenvolvimento de CCAs tem sido uma solução comprovadamente eficaz para reduzir a sobrecarga dos hospitais, proporcionando uma alternativa viável para procedimentos cirúrgicos que não exigem internação prolongada. Em geral, 80% de todos os casos cirúrgicos existentes possuem este perfil.

A adaptação do modelo de saúde dos Estados Unidos ao Brasil requer não apenas investimentos em infraestrutura, mas também mudanças na regulamentação e na formação de profissionais de saúde. Isto inclui capacitar médicos e profissionais para operarem em centros ambulatoriais, e promover uma cultura que priorize a eficiência e a segurança e a criação de leis que favoreçam e incentivem o desenvolvimento deste mercado em âmbito nacional.

Newton Quadros, presidente eleito da SOBRACAM para o período de 2026/27 e experiente executivo do mercado de saúde, comentou sobre uma experiência ocorrida junto ao presidente de um dos maiores grupos de cirurgia ambulatorial nos EUA: “participei de um trabalho ocorrido em 2016, com envolvimento direto do presidente e diretoria de um dos mais expressivos grupos de ASC dos EUA, na ocasião, não conseguimos identificar oportunidades concretas de M&A, para um apetite de investimento na ordem de US$1 bilhão, no segmento da cirurgia ambulatorial no Brasil. Estamos em 2024, com alguns novos entrantes, mas ainda com uma oportunidade sem precedentes, neste segmento.

O cenário atual nos Estados Unidos apresenta um modelo de sucesso que poderia ser adotado e adaptado pelo Brasil. A cirurgia ambulatorial não apenas oferece uma forma mais econômica e eficiente de fornecer cuidados cirúrgicos, mas também responde à crescente demanda por serviços de saúde de qualidade. À medida que o Brasil se dirige para possíveis reformas no setor de saúde, a implementação de CCAs pode ser uma solução viável, permitindo que o país melhore o acesso às cirurgias, reduza custos e, ao mesmo tempo, mantenha um padrão elevado de cuidado. A experiência de consolidação e crescimento do setor ambulatorial nos Estados Unidos serve como um case inspirador para os futuros desenvolvimentos no Brasil, direcionando esforços para um sistema de saúde mais eficiente e que permita maior acesso para a população que mais precisa, seja na esfera pública ou privada.

A SOBRACAM é membro pleno da International Association for Ambulatory Surgery (IAAS), juntamente com 24 países, atuando em âmbito nacional e internacional no desenvolvimento de atividades conjuntas com entidades, empresas e investidores do setor da cirurgia ambulatorial, para acelerar o desenvolvimento e deste setor, estimular o interesse de grupos investidores e promover o avanço deste importante tema no país.