O recurso extraordinário que redundou no Tema nº 6 do Supremo Tribunal Federal chegou àquela corte em 2007 (RE 566.471/RN), tendo sido naquele mesmo ano reconhecida a sua repercussão geral. Inicialmente, o propósito era definir se há o “dever do Estado de fornecer medicamento de alto custo a portador de doença grave que não possui condições financeiras para comprá-lo”.
Depois o debate foi ampliado, passando-se a discutir se o Estado tem o dever de fornecer prestação de saúde não incorporada pelo SUS, independentemente de seu valor. Mesmo transcorridos tantos anos, o julgamento ainda não foi concluído, pois se aguarda a análise das propostas de teses para o solucionamento da questão.
O assunto em foco é de extrema relevância, reclamando resolução final diante da crescente e preocupante judicialização da saúde no país. Na esfera do direito à saúde, é imperioso que o Supremo Tribunal Federal defina se o poder público tem ou não o dever de custear prestações de saúde que não são padronizadas, isto é, que não fazem parte do protocolo oficial. E, se há essa obrigatoriedade, urge que sejam apontadas quais as balizas/requisitos a serem observadas.
Essa mesma matéria já foi discutida e assentada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. Trata-se do Tema nº 106 daquela corte, que foi lá afetado no ano de 2009 e julgado em 2018, oportunidade em que foi fixada a seguinte tese:
“A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: i) comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; iii) existência de registro do medicamento na Anvisa, observados os usos autorizados pela agência”.
Teses dos ministros
No STF, a questão ainda não está definida. Ainda se está a discutir as propostas de teses pensadas para a resolução do impasse. O ministro Marco Aurélio, que era o relator do recurso, sugeriu:
“O reconhecimento do direito individual ao fornecimento, pelo Estado, de medicamento de alto custo, não incluído em Política Nacional de Medicamentos ou em Programa de Medicamentos de Dispensação em Caráter Excepcional, depende da comprovação da imprescindibilidade – adequação e necessidade –, da impossibilidade de substituição do fármaco e da incapacidade financeira do enfermo e dos membros da família solidária, respeitadas as disposições sobre alimentos dos artigos 1.694 a 1.710 do Código Civil.”
Por sua vez, o ministro Alexandre de Moraes apresentou a proposta de tese que se segue:
“Na hipótese de pleito judicial de medicamentos não previstos em listas oficiais e/ou Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDTs), independentemente de seu alto custo, a tutela judicial será excepcional e exigirá previamente – inclusive da análise da tutela de urgência –, o cumprimento dos seguintes requisitos, para determinar o fornecimento ou ressarcimento pela União: (a) comprovação de hipossuficiência financeira do requerente para o custeio; (b) existência de laudo médico comprovando a necessidade do medicamento, elaborado pelo perito de confiança do magistrado e fundamentado na medicina baseada em evidências; (c) certificação, pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), tanto da inexistência de indeferimento da incorporação do medicamento pleiteado, quanto da inexistência de substituto terapêutico incorporado pelo SUS; (d) atestado emitido pelo Conitec, que afirme a eficácia segurança e efetividade do medicamento para as diferentes fases evolutivas da doença ou do agravo à saúde do requerente, no prazo máximo de 180 dias. Atendidas essas exigências, não será necessária a análise do binômio custo-efetividade, por não se tratar de incorporação genérica do medicamento.”
Já o ministro Luís Roberto Barroso propôs a seguinte redação:
“O Estado não pode ser obrigado por decisão judicial a fornecer medicamento não incorporado pelo SUS, independentemente de custo, salvo hipóteses excepcionais, em que preenchidos cinco requisitos: (i) a incapacidade financeira de arcar com o custo correspondente; (ii) a demonstração de que a não incorporação do medicamento não resultou de decisão expressa dos órgãos competentes; (iii) a inexistência de substituto terapêutico incorporado pelo SUS; (iv) a comprovação de eficácia do medicamento pleiteado à luz da medicina baseada em evidências; e (v) a propositura da demanda necessariamente em face da União, que é a entidade estatal competente para a incorporação de novos medicamentos ao sistema. Ademais, deve-se observar um parâmetro procedimental: a realização de diálogo interinstitucional entre o Poder Judiciário e entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde tanto para aferir a presença dos requisitos de dispensação do medicamento, quanto, no caso de deferimento judicial do fármaco, para determinar que os órgãos competentes avaliem a possibilidade de sua incorporação no âmbito do SUS”.
Na sequência, em agosto de 2020, pediu vista o ministro Gilmar Mendes. Então, de forma que continua pendente no STF, depois de tão longo trâmite processual, uma questão crucial para o racional enfrentamento da progressiva judicialização da saúde no Brasil.
Não obstante o assunto seja espinhoso, já que outros temas estão imbricados, como o da competência para processar e julgar as ações, o da legitimidade passiva ad causam dos entes públicos, o da responsabilidade solidária deles e o do acesso à justiça (Temas 793 e 1.234) (imagina-se ser essa a preocupação do julgador que formulou o pedido de vista), é urgente, fundamental mesmo, que a matéria seja finalmente resolvida.
Há milhares de ações em que o assunto persiste sendo discutido (com reiteradas alegações de ausência de responsabilidades, além de muita esquivança no cumprimento das obrigações) e nas quais as providências são procrastinadas, apesar da tese fixada pelo STJ, exatamente porque o STF (órgão máximo do Judiciário nacional) ainda não se posicionou em definitivo.
Já são 16 anos de espera por uma solução. Existem milhares de recursos suspensos nos Tribunais de Justiça, nos Tribunais Regionais Federais e nas Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais e da Fazenda Pública Estadual, todos aguardando um desfecho dessa controvérsia. O STF não pode mais tardar, necessitando dar prioridade/atenção a essa matéria capital.
O sistema de precedentes deveria propiciar segurança jurídica (cognoscibilidade, estabilidade e previsibilidade), igualdade e eficiência na aplicação da lei, assim como duração razoável dos processos, mas essa excessiva demora do STF para resolver o tema em apreço acaba por prejudicar o direito material e fomentar a litigiosidade, acarretando incerteza, desconfiança, ilusão e muita insatisfação.
O futuro da judicialização da sáude e seu racional equacionamento dependem da definição dos “limites daquilo que possa ser buscado individualmente”, sob pena de se “tornar desenfreada a busca judicial por medicamentos, sejam eles efetivos ou não, mais eficazes que outros ou não (…)”.
Conclusão
Enfim, os casos realmente importantes que chegam à Corte Suprema brasileira precisam ser definitivamente julgados/solucionados em tempo razoável, sobretudo quando há repercussão geral da magnitude que aqui se pode notar, já que impacta diretamente na vida, na saúde de um sem número de pessoas e no orçamento dos entes da Federação. A persistência de situações como a explicitada nesses apontamentos reforça a necessidade de se pensar em mudanças na competência do tribunal constitucional do país.