Em uma decisão considerada um “um divisor de águas”, a Justiça Federal determinou que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) coloque em prática três novas medidas para reduzir o número de cesáreas na rede particular de saúde.
O Brasil é o país com a maior taxa de cesáreas no mundo: 84% dos partos na rede privada são cesarianas (na rede pública, a taxa é de 40%), enquanto o recomendado pela OMS é de 15%.
Com a decisão, em um prazo máximo de 60 dias, os profissionais de saúde que auxiliarem em um parto normal terão de receber dos planos de saúde no mínimo três vezes mais do que na realização de uma cesárea.
A remuneração era uma reclamação importante por parte dos médicos, já que eles recebiam, grosso modo, o mesmo valor por pelos dois tipos de parto. E enquanto uma cesárea exige cerca de duas ou três horas de trabalho, acompanhar um parto normal pode levar mais de oito horas. Além disso, muitas cesáreas são agendadas, enquanto em um parto normal a hora do nascimento é imprevisível.
O segundo ponto da decisão obriga “operadoras de saúde de planos privados e hospitais a credenciar e possibilitar a atuação de enfermeiros obstétricos e obstetrizes no acompanhamento de trabalho de parto e no parto em si”.
A terceira novidade da decisão da Justiça é obrigar a ANS a criar indicadores e notas para as operadoras de planos privadas, conforme suas ações para reduzir o número de cesarianas.
Com a decisão, a Justiça Federal determinou que a ANS cumpra os pedidos feitos em ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal em São Paulo.
Agora, a ANS tem agora 60 dias para regulamentar as solicitações. Se descumprir, foi fixada uma multa diária de R$ 10 mil.
Divisor de águas
A decisão da Justiça foi celebrada por defensoras de parto “Recebemos a notícia da decisão com muita alegria. Afinal, já faz nove anos que entramos com pedidos de medidas para combater o alto nível de cesáreas no Brasil. Certamente, é um divisor de águas”, disse à BBC Brasil a procuradora do MInistério Público Federal (MPF) Ana Carolina Previtalli Nascimento.
A procuradora é, juntamente com a colega Luciana de Costa Pinto, é responsável pela pedidos que o MPF vem fazendo desde 2010 para tentar coibir o número de cesáreas na rede privada.
“Na minha opinião, a decisão pode trazer bons resultados, porque as determinações agora são obrigatórias, passíveis de multa”, diz a procuradora.
Para a obstetriz e ativista Ana Cristina Duarte, também há motivos para se comemorar.
“A decisão é a primeira que pode finalmente fazer algum efeito sobre a taxa de cesáreas, pois ela permite que enfermeiras obstetras e obstetrizes atendam os partos normais dentro de hospitais”, disse.
Para a procuradora, esse ponto é extremamente relevante e um “incentivo importante”, já que a contratação de enfermeiras e obstetrizes podem inclusive facilitar o trabalho do médico, que pode se dedicar aos casos mais delicados.
Questionada pela BBC, a ANS afirmou que “tão logo receba a notificação judicial, irá analisar e se manifestar quanto às medidas cabíveis”. A ANS pode recorrer da decisão judicial, mas terá de cumprir a decisão enquanto o recurso é avaliada.
A agência ressaltou, no entanto, que já estavam em vigor desde julho três outras medidas determinadas pela decisão de hoje da Justiça.
Essas determinações são a divulgação de percentuais de parto normal e cesáreas de obstetras e hospitais da rede privada, a utulização de um cartão gestante e a obrigatoriedade do partograma, como documento para que operadoras pudessem, inclusive justificar os motivos que levaram à realização de uma cesárea.
Essas três regras já estavam presentes na Resolução Normativa nº 368.
Agora porém essas regras devem ser cumpridas de forma permanente por força de decisão judicial.