Vivemos um momento crítico na área da saúde. Se não nos organizarmos dentro do ecossistema, estaremos fadados ao fracasso. Nos deparamos com a quebra e a agonia dos sistemas tradicionais de gerenciamento do setor e estamos longe do equilíbrio. Os dados dos pacientes, principal insumo, estão distribuídos em silos de forma já não mais sustentável. Quando uma pessoa opta pela troca de plano de saúde, por exemplo, o seu histórico de atendimentos e exames não a acompanha, mas os seus dados pessoais sim. Para solucionar esse problema e viabilizar a integração do sistema de saúde, a interoperabilidade entre os diversos sistemas é essencial.
Problemas complexos não podem e tampouco serão resolvidos por uma única empresa ou iniciativa. É necessário um esforço conjunto e um ecossistema colaborativo, onde empresas de tecnologia, prestadores, profissionais de saúde e pacientes trabalhem juntos em prol de uma saúde mais eficiente e humanizada.
A inteligência artificial (IA) está desempenhando um papel fundamental nessa transformação. Pela primeira vez na história, temos a capacidade de processar grandes volumes de dados qualitativos e quantitativos em tempo satisfatório. Isso nos permite interpretar resultados de exames, cruzar informações com protocolos complexos e até mesmo personalizar tratamentos de forma mais eficaz. A IA não substitui o profissional de saúde, mas amplia sua capacidade de processamento e análise, permitindo uma tomada de decisão mais precisa e ágil.
Um dos aspectos mais promissores dessa revolução tecnológica é a possibilidade de oferecer interações humanizadas em escala. Em casos mais chocantes, os pacientes relatam perceber maior empatia por parte da IA do que de alguns profissionais de saúde (geralmente, muito ocupados e com agendas lotadas) em algumas situações envolvendo orientações. Isso não apenas melhora a experiência do paciente, mas também pode levar a melhores resultados de saúde.
Por outro lado, a implementação generalizada dessas tecnologias enfrenta alguns desafios significativos, e a interoperabilidade é um dos principais deles. Enquanto outros setores, como o financeiro, já padronizaram seus dados há décadas (vide a bem-sucedida iniciativa do Open Finance), a saúde ainda está anos atrás nesse aspecto. A adoção de padrões entre os sistemas de informação é essencial para que os diferentes prestadores de saúde possam compartilhar informações do paciente de forma eficiente e segura.
Trabalhar soluções para democratizar a interoperabilidade torna-se imperativo. Através de parcerias com profissionais de saúde e especialistas em tecnologia, ferramentas que permitem a integração de diferentes sistemas de saúde em um único ambiente interoperável são desenvolvidas. Isso não apenas facilita o fluxo de informações entre os diversos atores do ecossistema de saúde, mas também cria oportunidades para o desenvolvimento de novas aplicações e serviços.
Em 2021, o Brasil adotou o padrão HL7 FHIR. A primeira experiência nacionalmente ampla que se mostrou promissora foi com os dados de vacinação da Covid-19, cujas informações ficaram facilmente disponíveis no aplicativo do Conecte SUS em formato internacionalmente verificável. Em qualquer lugar que você vá, ao mostrar o QR Code da vacina recebida, o interlocutor consegue processar a informação e checar sua veracidade. Isso sem precisar acessar outros sistemas mais complexos. O dado transita mundo afora num formato que todos conseguem processar.
Porém, ainda não é simples trabalhar com esses padrões. É algo que apenas engenheiros de dados e profissionais de TI especializados conseguem fazer. Mas temos visto experiências interessantes que podem democratizar isso no futuro. Um exemplo é treinar os modelos de IA Generativa (como o Chat GPT) para falar, “ouvir” e “traduzir” automaticamente os dados no formato interoperável. Assim, qualquer profissional, mesmo não sabendo programar, poderia trocar informações facilmente, independentemente do sistema de prontuário que usa.
Além da interoperabilidade, o olhar deve estar voltado à agregação de valor ao sistema de saúde como um todo. Através de análises avançadas de dados, é possível auxiliar operadoras de planos de saúde a identificar áreas de risco e oportunidades de economia. Essas soluções permitem uma gestão mais eficiente dos recursos, reduzindo desperdícios e gerando mais conveniência ao paciente na hora do atendimento.
Nesse sentido, qualquer iniciativa que poupe pacientes e profissionais de saúde de preencher campos em um formulário digital é valiosa. A sobrecarga mental e emocional enfrentada por muitos profissionais de saúde é um problema sério, e muitos se queixam do tempo excessivo que gastam registrando dados. Nesse ponto, a tecnologia — incluindo a interoperabilidade — pode desempenhar um papel importante para aliviar esse fardo. Ao oferecer ferramentas que automatizem esses processos e ajudem profissionais a realizar análises mais rapidamente, podemos melhorar não apenas a agilidade, mas também o bem-estar dos próprios profissionais.
A revolução da inteligência artificial na saúde não se trata apenas de tecnologia, mas também de pessoas. É sobre capacitar pacientes, apoiar profissionais de saúde e criar um sistema de saúde mais eficiente e humano para todos. Estamos apenas no início dessa jornada. Porém, trabalhando juntos, podemos transformar a forma como cuidamos da saúde das pessoas.