A juíza Andressa Venturi da Cunha Weber, titular e substituta da 6ª Vara do Trabalho de Ribeirão Preto, determinou que o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (HCRPUSP), pague o piso da enfermagem previsto na Lei 14.434/2022, de maio a dezembro de 2023, inclusive o 13° salário. Essa foi a primeira sentença proferida nas ações que tratam do piso da enfermagem.

A magistrada também obrigou o HC a cumprir com as repercussões em férias acrescidas de 1/3, depósitos de FGTS, adicional de insalubridade, adicional noturno e outras verbas salariais que eventualmente sejam pagas à auxiliar de enfermagem e autora da reclamação trabalhista.

Em sua sentença, a juíza afirmou que não existe controvérsia de que houve repasse pela União e Estado dos valores destinados ao pagamento da complementação do piso salarial, diante da expressa previsão contida na Portaria GM/MS 1.135 de 16 de agosto de 2023, e diante do reconhecimento do próprio hospital de que, de fato, recebeu os repasses.

Também destacou que não se sustenta o argumento de defesa para isenção de responsabilidade quanto a correção dos pagamentos sob a alegação de que o HC não teria participado dos cálculos e apenas repassado os valores segundo a planilha apresentada pelo governo federal e estadual, já que, ”como empregadora, esta detém a responsabilidade pelo regular pagamento salarial, ainda que dependa de recursos advindos do governo federal ou estadual”.

Segundo ela, o estabelecimento de saúde é o responsável pelo pagamento, ainda que este dependa de recursos financeiros de terceiros. ”Ainda que a EC 127/2022 tenha atribuído à União ‘prestar assistência financeira complementar para o cumprimento dos pisos salariais’, não se previu alteração na responsabilidade de o empregador quanto a quitação das verbas remuneratórias previstas dos empregados em seu quadro”, destacou a magistrada.

Ela também menciona que a ADI 7222 previu uma espécie de ”assistência financeira complementar”, em caso de insuficiência, o que, segundo ela, ”não é sequer mencionado neste processo, uma vez que o próprio HC reconhece, em defesa, que a apuração dos valores (que entende) devidos a cada um dos empregados foi realizada pela União, por intermédio do Ministério da Saúde, com base nos dados fornecidos pelo hospital”.

Ação que trata do piso da enfermagem
A autora da reclamação trabalhista afirma nos autos que foi contratada como técnica de enfermagem, para trabalhar em uma jornada semanal de 30 horas, fazendo jus ao pagamento salarial previsto na Lei 14.434/2022.

Narra que a partir de maio de 2023 o Hospital das Clínicas deveria ter providenciado o pagamento do piso previsto na norma, conforme definiu o Supremo Tribunal Federal (STF) em decisão na ADI 7222. Explica também que, não obstante o governo federal e estadual tenham efetuado o repasse dos pagamentos ao hospital em outubro do mesmo ano, no holerite do dia 6 de outubro não havia indicação de incorporação do piso. Afirma, além disso, que os poucos trabalhadores que receberam parte desta incorporação não conseguiram entender o valor pago ou os descontos aplicados.

Em contestação, o Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto sustenta que o STF, no julgamento definitivo da medida cautelar requerida na ADI 7222, ”restabeleceu os efeitos da Lei 14.432/2022, para implementação do piso salarial nacional, destacando-se que: o piso salarial se refere a remuneração global (e não ao vencimento-base) e que deve ser calculado de forma proporcional à jornada de trabalho, considerada a carga horária de 8 horas diárias ou 44 horas semanais”.

Também alega que houve a transferência do ônus financeiro da complementação salarial em relação aos Estados e Municípios à União, de modo que o governo federal não apenas assumiu a responsabilidade financeira, como também a elaboração dos cálculos das diferenças devidas, a fim de efetuar os respectivos repasses para os entes subnacionais.

Argumentou, ainda, que fez o repasse aos seus empregados, por meio da inclusão em folha de pagamento, dos valores transferidos pela União. “Os valores relativos à complementação do piso nacional dos meses de maio a setembro de 2023 foram pagos em 07 de novembro de 2023 (antes do ajuizamento da ação trabalhista) em folha suplementar, valores que são coincidentes com o repasse realizado pela União, enquanto os valores relativos ao mês de outubro de 2023 foram pagos na folha do mês de novembro de 2023”, afirmou. Por fim, argumentou que os valores relativos ao complemento de dezembro de 2023 seriam pagos na folha de janeiro de 2024, após o repasse dos valores pela União.

Ao JOTA, a advogada Danila Borges, que representa a defesa da autora da ação, comentou que a primeira sentença proferida nas ações que tratam do piso da enfermagem é ”uma grande vitória para toda categoria”.

“Restou comprovado não só o direito dos trabalhadores ao pagamento dos piso como também que o Hospital das Clínicas havia recebido os repasses. De toda forma, ainda cabe um embargo na sentença que estamos acabando de redigir, porque precisa ser esclarecido o que é considerado pelo governo do estado de São Paulo como remuneração global para poder modular os efeitos da decisão aos embargos proferidos nos acórdãos pelo STF”, afirmou.

Procurado pela reportagem, a assessoria de imprensa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto enviou a seguinte nota:

”Por força de determinação constitucional, compete à Procuradoria Geral do Estado de São Paulo a defesa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP em juízo, por ser qualificado como autarquia estadual. Este hospital acredita na correção de sua conduta, por ter pago o piso da enfermagem nos estritos limites daquilo que foi repassado pela União e espera que a decisão seja revertida em grau de recurso.”