Os usuários de planos de saúde podem ser surpreendidos, em janeiro, com a conta da cobrança das diferenças relativas à suspensão dos reajustes entre setembro e dezembro.

Para especialistas, até mesmo os planos individuais e familiares que têm o percentual de reajuste limitado pela ANS podem sofrer um grande impacto nas mensalidades no ano que vem.

Isso porque, a nota divulgada pela ANS sobre a suspensão não deixa claro como será feita a recomposição dos valores e nem se, no caso desses contratos, a cobrança seria retroativa à data-base, quando são feitos os reajustes, que é em maio.

No segundo esclarecimento divulgado pela ANS em 24 horas, na noite desta quarta-feira, essa possibilidade continua aberta. Mas texto informa que a suspensão de reajuste também vale para mudança de faixa etária dos planos de assistência médica-hospitalar, ficando igualmente prevista a “recomposição” ao longo de 2021.

O temor é que o restabelecimento da aplicação dos reajustes a partir de janeiro, acrescidos da cobrança retroativa dos valores que deixarão de ser pagos nos  próximos 120 dias, resultem em mensalidades altas demais para o orçamento do consumidor e tenham um efeito expulsório dos planos.

Outra preocupação é de uma corrida ao Judiciário, aponta a advogada Ana Carolina Navarrete, coordenadora da área de Saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec):

– A medida não afeta a totalidade dos contratos, deixando os planos coletivos empresariais maiores de fora, o que representa a maior parte do mercado. Além disso, a agência está propondo recompor esses valores no futuro, o que vai gerar cobranças maiores em 2021, tendo um grande potencial de expulsão de consumidores, e judicialização.

Ana Carolina continua:

– As propostas tramitando no Legislativo são bem mais vantajosas para o consumidor, não só porque tratam da suspensão de reajustes, mas porque proíbem o cancelamento por inadimplemento, tema que a ANS tem evitado discutir.

A regra para o reajuste dos planos individuais prevê a recomposição em prazo igual ao do “atraso” na aplicação do reajuste. Levando-se em consideração que ela valerá para todos os contratos, na prática isso quer dizer que quem tinha uma mensalidade  R$ 1.000 e teve um reajuste de 25% suspenso por quatro meses, passaria a pagar R$ 1.500 por mês a partir de janeiro até quitar a diferença a ser paga pelos 120 dias de suspensão.

Para Mário Scheffer, coordenador do Observatório da Judicialização da Saúde Suplementar do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP, a medida da ANS é tardia e não resolve o problema de milhões de usuários de planos de saúde que já tiveram as suas mensalidades reajustadas este ano e acabaram abrindo mão de seus contratos porque não conseguiram pagar:

– A ANS devia ter impedido os reajustes muito antes. Não interessa a data-base ou a que período esse aumento se refere. O que interessa é que muitos contratos tiveram aumento durante a pandemia e isso afetou o orçamento de famílias e empresas, muitas das quais não conseguiram manter seus planos de saúde durante essa que é maior crise sanitária da história – diz Scheffer.

Ele continua:

–  A pausa nos reajustes dá um alívio momentâneo aos consumidores, mas é paliativa. Não resolve o problema, nem mesmo dos planos individuais, pois não deixa claro se haverá reajuste referente a 2020 e se ele poderá ser cobrado retroativamente a maio.

Lucro mesmo com suspensão de reajuste por um semestre

O professor da USP chama atenção ainda para o fato de que a maioria dos contratos empresariais, que somam cerca de 26 milhões de usuários no país, tem data-base no primeiro trimestre, ou seja, não seriam beneficiados pela medida de suspensão  da ANS.

Segundo a Nota Técnica nº 13, apresentada pela Diretoria de Normas e Habilitação dos Produtos (Dipro) da ANS para embasar a discussão da suspensão dos reajustes, mesmo que houvesse a suspensão integral de aumentos de julho a dezembro, a redução do uso dos planos de saúde pelos usuários garantiria as operadoras as contas fechadas ainda no campo positivo, com lucro.

– Na prática, a ANS conseguiu atender o interesse das operadoras e evitar que o Congresso legislasse sobre esse reajuste. Se isso ocorresse, era muito provável que o reajuste seria inibido e sem a possibilidade de ser cobrado de forma retroativa em 2021. Com essa decisão da ANS, as operadoras apenas deixarão de receber o reajuste em 2020, mas todo o valor não recebido neste ano poderá ser acrescido à mensalidade do plano de saúde em 2021 – destaca o advogado Rodrigo Araújo, especialista em Direito à Saúde do escritório Araújo Conforti e Jonhsson.

Eduardo Chow, subcoordenador do Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon) da Defensoria Pública do Rio, também vê risco de judicialização e de saída em massa de consumidores em 2021:

– A medida deixa claro que a ANS sempre pôde regular o reajuste de preço dos planos coletivos, embora se negasse a fazê-lo. Contudo, se a agência  não considerar amenizar a extensão do prazo considerado para o reajuste no ano que vem e inclusão de todos os planos nesta suspensão de reajuste, há um risco de imensas ações judiciais e de uma saída em massa de consumidores deste mercado em razão de aumentos altíssimos num cenário de retração da economia. Não caberia este preço no orçamento doméstico de muitas famílias – diz Chow, autor de um livro em que estuda a regulação dos reajustes coletivos pela ANS.