O tema está em alta, e as discussões não são simples. Coparticipação, franquia, índices de reajuste e resoluções normativas são termos que dão um nó na cabeça, mas podem mudar a vida dos quase 50 milhões de brasileiros que usam planos de saúde.

No dia 30/07, por exemplo, a falta de entendimento e os receios da população foram justamente a justificativa para que a agência que regula o setor no país, a ANS, recuasse e derrubasse novas regras para os tipos de plano que dividem parte das despesas com o usuário.

Paralelamente, uma outra discussão pouco comentada ocorre na agência desde 2010. É sobre a mudança dos critérios de reajuste dos planos individuais e familiares (aqueles contratados diretamente por uma pessoa), tema de uma audiência pública na última semana.

Pensando nisso, a Folha explica a situação desses planos hoje, a importância da discussão e as principais propostas em jogo.

O que são os planos de saúde individuais e familiares?

São planos contratados por uma pessoa física, diretamente com a operadora ou por meio de um corretor autorizado. O preço varia de acordo com o número de dependentes, o tipo de plano escolhido (ambulatorial, hospitalar, odontológico etc) e a região de cobertura, entre outros fatores.

 Nesse modelo, é proibida a rescisão unilateral e é permitido um período de carência —ou seja, o usuário pode ter que esperar certo tempo para começar a usar o plano.

Por que a questão do reajuste desses planos é importante?

Os planos individuais e familiares vivem um impasse, com empresas deixando de oferecê-los, e usuários optando por outros tipos de planos. De um lado, as operadoras alegam que a regulação da  ANS torna o serviço insustentável financeiramente, de outro, os pacientes reclamam de preços abusivos.

O método de cálculo dos reajustes é fundamental para encontrar um equilíbrio entre os dois. Hoje, 9,2 milhões de brasileiros têm planos individuais, número  que representa 19% do total de segurados no país e está em queda desde 2015.

Como funciona o reajuste anual desses planos?

É feito pelas operadoras, mas não pode ultrapassar um limite calculado e determinado pela ANS a cada ano —diferentemente dos planos coletivos, que não têm um teto de reajuste. A distinção de tratamento entre as duas categorias parte do princípio de que os clientes individuais são mais vulneráveis e têm menos poder de barganha do que os grupos.

Qual é o reajuste máximo permitido pela ANS hoje?

Neste ano, a ANS fixou um teto de 10%. Ele é aplicado ao usuário no mês de aniversário de contratação do plano, de maio de 2018 até abril de 2019.

Esse percentual vale para clientes de planos individuais ou familiares contratados após janeiro de 1999 ou que tenham feito a adaptação para a Lei dos Planos de Saúde—o que corresponde a 17% do mercado (8 milhões de usuários). Esse teto foi barrado por liminar na Justiça, mas acabou sendo liberado.

Por que o reajuste dos planos fica muito acima da inflação?

O técnico da ANS Rafael Vinhas explica que a inflação não reflete todos os custos envolvidos: é um índice que só leva em conta a variação do preço, quando, na verdade, também é preciso considerar a variação da quantidade de produtos e serviços consumidos.

No caso dos planos, essa quantidade é influenciada por fatores como envelhecimento populacional, novas tecnologias e judicialização.

Como o teto do reajuste é calculado atualmente?

Há 17 anos, a ANS calcula o limite dos planos individuais a partir da média dos reajustes aplicados pelas operadoras aos planos coletivos com 30 ou mais usuários. A conta é baseada em um modelo econômico chamado Yardstick Competition.

Quais são as principais críticas a esse modelo?

Em relatórios, o TCU (Tribunal de Contas da União) e o Ministério da Fazenda apontam falhas como:

  • Possibilidade de abusos: não há mecanismos suficientes para prevenir e identificar conluios ou reajustes abusivos em planos coletivos, que são a base do cálculo
  • Eficiência ignorada: o modelo não diferencia quanto dos aumentos é fruto de ineficiência das operadoras E a própria ANS reconhece fragilidades:
  • Baixa transparência: a base de dados usada no cálculo só pode ser acessada pela ANS e pelo Ministério da Fazenda, o que impossibilita auditorias e impede que operadoras e usuários prevejam tendências
  • Defasagem temporal: o tempo entre a coleta de dados dos planos coletivos e a aplicação do reajuste pode chegar a 25 meses, o que causa distorções
  • Riscos ignorados: não são consideradas algumas diferenças no perfil dos planos coletivos e individuais; nos planos individuais, por exemplo, há mais mulheres em idade fértil e idosos, o que aumenta custos

Qual é a mudança proposta pela ANS?

Que o reajuste passe a ser calculado pela variação dos custos médico-hospitalares dos planos individuais (índice chamado de VCMH), e não mais pelo reajuste dos planos coletivos. O cálculo também levaria em conta outros dois fatores: produtividade do setor e faixa etária dos usuários, sendo baseado em um modelo econômico chamado Price Cap (preço teto).

Em que fase estão as discussões e quando o cálculo deve mudar?

A mudança no cálculo está sendo estudada pela ANS desde 2010, e ainda não há uma previsão de quando ela será aplicada. Na semana passada, a agência fez uma audiência pública de dois dias sobre o tema no Rio, em resposta a recomendações do TCU —o órgão concluiu em março que a ANS não tem mecanismos para prevenir abusos nos reajustes de coletivos.

A agência diz que seus técnicos vão analisar todas as propostas recebidas no evento, que reuniu 180 pessoas, para “chegar a uma metodologia que traga mais transparência, previsibilidade e objetividade ao cálculo”.

O que dizem os representantes das operadoras?

A principal reivindicação do setor é que o reajuste não seja único para todas as operadoras, mas leve em consideração as despesas, portes e modelos de negócios delas.

Para o Sinamge (Sindicato Nacional das Empresas de Medicina de Grupo), que representa 150 operadoras, as empresas deveriam apresentar suas próprias propostas de reajuste, a serem avaliadas pela ANS. Para a FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar), com 22 operadoras, essa diferenciação entre as empresas deve ser incluída no índice VCMH, que continuaria sendo calculado pela ANS.

Eles argumentam que o controle do preço leva à escassez da oferta de planos individuais, num contexto de queda de usuários e aumento nos custos e no número de procedimentos feitos.

O que dizem as instituições de defesa do consumidor?

O Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) afirma que o problema não é a metodologia em si, mas a “inefetividade” da ANS ao aplicá-la, e cobra mais clareza e participação popular no debate. Também diz que permitir que as empresas calculem seus reajustes seria desregulamentar o mercado.

 Já a Defensoria Pública do Rio, o Ministério Público Estadual e a Universidade Federal Fluminense (UFF) acham que é preciso ampliar a regulação dos planos coletivos. Defendem ainda que o índice VCMH seja auditável e calculado por uma equipe com várias instituições, e que os preços dos procedimentos e produtos médicos sejam monitorados pela ANS —visto que hoje eles variam em até 86% quando chegam ao consumidor.

 As mudanças serão explicadas à população?

Um dos únicos consensos na discussão —entre entidades de defesa do consumidor, Defensoria, Ministério Público, operadoras e até a ANS—é que a metodologia dos reajustes é pouco transparente.

Os cálculos, bastante complexos, não são traduzidos para a sociedade e os usuários. A agência demonstra interesse em tornar as informações mais claras, mas ainda não detalhou como fará isso no caso dos reajustes.