Em minha atuação no Superior Tribunal de Justiça, a saúde sempre chamou minha atenção, principalmente no que concerne ao fenômeno de sua hiperjudicialização.

A partir da promulgação da Constituição Federal em 1988, a saúde adquiriu o status de direito fundamental, compondo a categoria de direito social.

O Poder Judiciário foi então instado a se pronunciar acerca das diversas possibilidades de concessão à população brasileira do importante direito à saúde.

Em todas as suas especificações — saúde pública, saúde complementar e saúde suplementar — , os tribunais tiveram que analisar demandas relacionadas desde a prestação de serviços médico-hospitalares até os limites de atuação dos planos de saúde, perpassando a concessão de medicamentos e próteses, entre outras inúmeras pautas.

Diante desse cenário, uma inquietude jurídica começou a ganhar direcionamento na linha de pesquisa que realizo como coordenador acadêmico da FGV Justiça: quais são os efeitos dessa hiperjudicialização?

Responder a essa pergunta é tentar conter uma futura crise na saúde brasileira, que é dependente da sustentabilidade dos planos de saúde, não tendo a saúde pública condições para atender sozinha à demanda nacional.

À busca é, caso isso seja possível, por um lugar ideal em que as operadoras sejam sustentáveis financeiramente, realizando o atendimento adequado aos beneficiários, sem lhes transferir custos indevidos.

O que já se pode perceber no início da pesquisa é existirem duas -queixas mais evidentes, relatadas pelas instituições de saúde suplementar: as fraudes vivenciadas pelas operadoras de saúde, que causaram, com os desperdícios, prejuízo de R$ 34 bilhões em 2023; e a edição da Lei nº 14. 454/2022, que, em sentido contrário ao decidido pelo STJ, determinou que o rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar dos procedimentos a ser realizados pelos planos de saúde é meramente exemplificativo.

A consequência é a insegurança jurídica sobre os limites contratuais das coberturas e o incentivo ao questionamento judicial das decisões administrativas das operadoras de saúde, com o aumento da judicialização.

O resultado dessa conjugação de fatores parece ser o aumento imoderado de despesas assistenciais e administrativas, transferindo ao beneficiário honesto e adimplente esses custos, por meio de mensalidades mais caras.

Com base no que foi dito, é importante reconhecer que o Poder Judiciário possui destacada relevância para a solução desse estado de coisas. A uniformização da jurisprudência se faz necessária, e a construção dos precedentes na área de saúde suplementar deve observar suas consequências sociais, conforme determina a Lei de Introdução às Normas do Direito brasileiro.

Para tanto, os magistrados precisam conhecer a realidade da saúde no Brasil. A partir desse conhecimento, suas decisões estarão mais afinadas como objetivo constitucional de tornar realidade o direito social à saúde.