O mundo testemunha o extraordinário progresso da ciência em geral e dos tratamentos de saúde baseados em vacinas e medicamentos em especial. Este é o presente e o futuro da medicina e de quase todas as atividades humanas. Nesse contexto, é um retrocesso o veto presidencial ao projeto de lei aprovado, em votação histórica, pelo Congresso Nacional que estende aos usuários de planos de saúde o acesso a medicamentos de uso oral contra o câncer.

O PL 6.330/2019, aprovado recentemente pela Câmara dos Deputados, depois da adesão unânime obtida no Senado, apenas normaliza, dá forma legal a uma realidade: atualmente, 70% dos medicamentos para câncer no país — mais de 40 produtos — vêm em forma de comprimidos, cápsulas e líquidos que dispensam a ida a clínicas ou hospitais, melhorando a qualidade de vida dos pacientes que não precisam se medicar em centros de tratamento e podem se tratar em casa, mantendo sua rotina familiar e de trabalho, ou seja, integrados à sociedade e contribuindo para o desenvolvimento do país.

É essa distorção que o texto corrige, contemplando a incorporação dessas modernas tecnologias de saúde ao rol da Agência Nacional de Saúde (ANS), uma reivindicação que entidades médicas especializadas em tratamentos oncológicos fizeram, durante anos, com base na comprovada eficácia e segurança desses medicamentos. Não há dúvidas, portanto, quanto ao “interesse público” e à oportunidade da medida, que amplia a oferta de produtos oncológicos mais modernos e de fácil administração para os cerca de 48,1 milhões de brasileiros que têm planos de saúde no país, de todas as classes sociais.

Mas há questionamentos a respeito da “previsibilidade, transparência e segurança jurídica” da nova regra. Essa objeção não se justifica, pois os três aspectos citados são plenamente garantidos pelas normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (Cmed). Para que um medicamento receba a aprovação de venda no país, o produto passa por uma análise rigorosa e detalhada por parte dos técnicos da Anvisa e Cmed. Trata-se de um longo processo, que, entre outras providências, leva em conta os estudos clínicos (obrigatórios para comprovar a eficácia, qualidade e segurança de todo medicamento), os preços de produtos da mesma classe terapêutica já disponíveis no mercado e comparativos internacionais.

Assim, desde a solicitação inicial de registro de qualquer medicamento na Anvisa e, posteriormente, na Cmed, estão preservadas a previsibilidade, a transparência e a segurança jurídica.Outro argumento contrário à incorporação de medicamentos antineoplásicos orais pelos planos de saúde considera seu “alto custo”. Ora, como se sabe, os preços dos medicamentos no país são controlados desde o primeiro momento, quando de seu lançamento. Se o produto foi desenvolvido e lançado inicialmente no exterior, de acordo com a resolução da Cmed, seu preço será o menor praticado nos nove países que compõem um painel de referência: Austrália, Canadá, Espanha, Estados Unidos, França, Grécia, Itália, Nova Zelândia e Portugal, incluindo, quando for o caso, o país de origem do produto. Novamente, as objeções ao PL 6.330/2019 não se sustentam, pois os preços praticados no Brasil são os menores do mundo!

Hoje, os planos de saúde cobrem as terapias quimioterápicas endovenosas, aplicadas em ambulatórios ou mediante internação hospitalar, que exigem instalações especiais, profissionais habilitados etc., além dos inconvenientes impostos aos pacientes. Que não são baratos. De uso muito mais simples, liberando instalações e profissionais do sistema de saúde público e privado, e a um custo menor, a oferta de medicamentos de uso oral para o tratamento de câncer — mais eficazes e com menos efeitos colaterais — confere mais racionalidade aos gastos das famílias e das empresas com saúde, e ao uso do dinheiro público e privado. Ao aprovar por 388 votos a 10 na Câmara dos Deputados e por unanimidade no Senado Federal o projeto do senador Reguffe, o Congresso Nacional fez um inestimável gesto de reparação, corrigiu uma situação assimétrica e iníqua, que prejudica milhões de brasileiros. Deve reafirmá-lo agora, derrubando o veto presidencial. Estará, assim, dando uma enorme contribuição para o aprimoramento do modelo de assistência farmacêutica no sistema de saúde universal brasileiro.

Nelson Mussolini Presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) e membro do Conselho Nacional de Saúde