Um projeto de flexibilização dos planos de saúde, que vem sendo costurado nos bastidores do governo federal, pode mudar radicalmente a forma como a saúde complementar atua no país. Revelado pelo jornalista Elio Gaspari, do jornal “O Globo”, a medida possibilitaria às operadoras oferecer módulos de atendimento restrito – ou seja, pacotes que cobrissem apenas exames ou certas complexidades. Além disso, o texto, que foi intitulado “Novo Mundo”, desregulamentaria os reajustes por faixa etária, acabaria com o tempo máximo de espera para atendimento, tiraria da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) a definição dos índices de reajuste e acabaria com as multas por falta de atendimento em caso de enfermidade.

Mesmo antes de ser divulgado oficialmente, o projeto acendeu o alerta de especialistas e entidades de defesa do consumidor. Para a advogada mineira Mariana Resende Batista, que é especializada em direito da saúde, a proposta de flexibilização dos planos de saúde se choca com o Código de Defesa do Consumidor (CDC). “Isso é quase rasgar o CDC. A partir do momento em que o plano te oferece saúde, ele deve oferecer saúde como um todo”, diz Mariana, que acredita que as mudanças podem acabar pressionando o Sistema Único de Saúde (SUS). “Se você não está bem de saúde, o tratamento não vai acabar nos exames. Se tiver que fazer um procedimento fora do plano, a maioria das pessoas não teria condição de pagar no particular, por isso iriam para a saúde pública.

O SUS não tem dado conta de suprir as necessidades do cidadão, e isso vai acabar sobrecarregando ainda mais o sistema”, explica a advogada.

O diretor de defesa profissional da Associação Médica de Minas Gerais (AMMG), Juraci Gonçalves de Oliveira, também critica a possível medida e, comparando com o plano frustrado do governo Temer de criar um plano de saúde “popular”, afirma que o governo está tentando criar uma nova classe de cidadãos que “só pode ter doenças básicas”. “Se o plano de saúde assegurar somente as enfermidades mais básicas, acaba que a iniciativa privada fica com o filão para que, quando apertar, o paciente vá para o SUS. O plano de saúde vai receber dinheiro enquanto o cidadão não dá despesa para ele, acaba que se cria um negócio sem risco nenhum para as operadoras”, comenta o médico.

Operadoras

Depois que alguns dos pontos dos 89 artigos do projeto foram vazados por Gaspari, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) publicou, na semana passada, um estudo crítico questionando algumas das medidas reveladas. A médica e professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Ligia Bahia, uma das autoras do estudo, diz que o vazamento e a divulgação do plano acabou por mitigar as chances de ele ser efetivado.

Ligia, no entanto, acredita que o problema principal continua – a pressão das empresas para que haja uma precarização do sistema público de saúde. “As empresas ficam o tempo todo espreitando, esperando qualquer oportunidade para atacar o sistema público, que é muito precário, mas é o que nós temos”, critica ela. “Acho que dessa vez conseguimos nos livrar momentaneamente de uma desregulamentação, o que não quer dizer que o lobby que gerou isso não continue ativo”, explica.

Em nota, a ANS informa que reconhece apenas os projetos de lei que estão em tramitação no Congresso, não cabendo comentar suposta proposta.