O ano de 2021 não foi de todo positivo para as empresas de saúde negociadas na Bolsa brasileira. Se por um lado as companhias puderam contar com o impulso da pandemia e movimentaram aproximadamente R$ 18 bilhões em fusões e aquisições, por outro elas sofreram com a concentração do setor e os sucessivos reajustes da Selic.

Levantamento realizado pela Economatica a pedido da Forbes mostra que das 12 empresas de saúde negociadas na B3, 11 encerraram o ano com quedas que vão de 10% a 52%. Ainda assim, o setor deve atingir um faturamento estimado em R$ 313,9 bilhões no ano, segundo pesquisa da IPC Maps.

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Para Andrew Campbell, diretor de relação com investidores da Dasa (DASA3), operadora de hospitais cujas ações registraram queda de mais de 50% no período, esse movimento de perdas não passou de um reflexo do ambiente macroeconômico do Brasil.

“O ambiente desfavorável para a renda variável, marcado por persistente risco fiscal, incerteza política gerada pela proximidade de um ano de eleição e aumento das taxas de juros no Brasil, acabou impactando os papéis”, diz ele.

No caso da Dasa, Campbell também aponta como fatores que contribuíram para as quedas a migração dos investidores para papéis com mais liquidez, além do follow-on da empresa, realizado em abril, cujo valor ficou abaixo do esperado.

Apesar disso, a empresa não adiou os planos de expansão. Enquanto em 2019 a rede contava apenas com seis hospitais, em 2021 foram iniciados dez processos de aquisições de hospitais, laboratórios e corretoras, sendo que seis já foram fechados. O montante movimentado até agora é de R$ 3 bilhões, e a intenção é totalizar 3,6 mil leitos disponíveis.

Segundo o diretor, a empresa pretende integrar “hospitais, diagnósticos, oncologia, genômica e até medicina ocupacional”, para apoiar a navegação dos usuários dentro do sistema de saúde.

Para 2022, Campbell afirma que os investidores podem esperar mais investimentos no meio digital, especialmente na plataforma Nav, por onde os clientes da rede podem agendar exames e realizar atendimento via telemedicina.

De maneira similar, a Rede D’Or (RDOR3), cujas ações registraram recuo de aproximadamente 26% ao longo do último ano, adquiriu dez hospitais em 2021. A empresa começou a ser negociada na Bolsa brasileira em dezembro de 2020 e fez uma oferta subsequente de ações em maio deste ano.

Os investimentos adicionaram 1,5 mil leitos à rede e movimentaram um total de R$ 4 bilhões. A marca é um recorde histórico para a companhia, diz Otávio Lazcano, diretor financeiro da Rede D’Or.

Ele conta que a empresa já adquiriu aproximadamente 150 negócios ao longo da sua existência, incluindo cerca de 40 hospitais.

“Eu estou na Rede D’Or há seis anos e não me lembro de nenhum investimento que tenha resultado em retornos iguais ou menores àqueles projetados. Podemos dizer que o capital primário levantado no IPO e posteriormente no follow-on permitiu à empresa acelerar aquilo que já vinha fazendo há muitos anos”, diz Lazcano.

Conflitos

Além da expansão das operadoras de hospitais, em 2022 o mercado também terá sua atenção voltada para a fusão entre a Hapvida e a NotreDame Intermédica, duas das maiores operadoras de planos de saúde do país. A operação, anunciada em março, foi aprovada pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) na última quarta-feira (15), e cria uma nova empresa com um valor estimado de R$ 83 bilhões.

Ao longo do último ano, a Hapvida e a Intermédica também não cessaram os movimentos de aquisição de hospitais, centros clínicos e laboratórios, totalizando 14 operações. Porém, essa tendência, conhecida como verticalização – em que planos de saúde investem em estruturas próprias de atendimento -, vem sido combatido pelas operadoras de hospitais, como aquelas citadas anteriormente.

“Eu digo que [a verticalização] bagunça o mercado”, comenta Felipe Argemi, CEO da boutique de fusões e aquisições Santis. “Se uma operadora de planos de saúde compra um hospital, ela começa a direcionar os seus beneficiários para lá. Isso impede que as outras operadoras de saúde façam o mesmo, e faz com que o hospital ao lado não veja mais tantos beneficiários demandando o serviço dele.”

De maneira mais ilustrativa, se o hospital de referência de uma região passa a ser controlado por um único plano de saúde, os seus habitantes tendem a migrar para aquele plano e a frequentar apenas aquele hospital.

Considerando que 83% do movimento de hospitais particulares tem origem nos planos de saúde, como comenta Argemi, os impactos são profundos. O CEO, porém, faz uma ressalva de que, nem sempre, os planos de saúde impedem o atendimento de outros planos concorrentes no mesmo hospital, embora isso já tenha ocorrido.

Como exemplo da discordância entre as operadoras de hospitais e de planos de saúde, Argemi cita um exemplo que ocorreu entre a Rede D’Or e a Amil. Em 2019, durante sua expansão no Rio de Janeiro, a Amil descredenciou hospitais da Rede D’Or nas praças em que possuía hospitais próprios. “A Rede D’Or, em troca, descredenciou seus hospitais para todas as categorias de planos de saúde da Amil”, conta ele.

A medida fez com que usuários da Amil cancelassem seus planos de saúde, migrando para concorrentes como SulAmérica e Bradesco. Essas seguradoras, aproveitando a oportunidade, criaram produtos específicos em parceria com a Rede D’Or, a custos mais baixos, em um movimento que fez a Amil perder clientes. O relacionamento comercial entre as duas empresas só foi retomado neste ano.

Argemi ressalta que, em reação ao movimento de verticalização, a Rede D’Or continua investindo em sua rede de prestação de serviço, enquanto a Dasa, que antes era conhecida apenas por seus laboratórios, já desponta como a segunda maior rede hospitalar do país. Um movimento semelhante também pode ser verificado no Grupo Fleury, que vem investindo na aquisição de clínicas.

“Resumindo: por que tem esse movimento? Porque essas empresas não querem que as grandes operadoras de planos comecem a verticalizar. Elas dizem, ‘Vamos terceirizar a sua verticalização. Fecha [negócio] comigo que eu te dou toda a cadeia, com clínicas, laboratórios, hospitais. Então é isso que a gente vê hoje em dia”, conclui o CEO.

Expectativas para 2022

Durante a pandemia, o setor de saúde foi o grande destaque, embora nem todos os players tenham sido afetados da mesma maneira. Segundo Argemi, as operadoras de saúde foram as mais beneficiadas: a crise sanitária reduziu os números de exames e procedimentos eletivos, o que diminuiu os custos dessas empresas.

Por outro lado, os hospitais saíram em desvantagem por causa da combinação entre o aumento das internações (que são caras) e uma redução dos outros serviços prestados (geralmente mais baratos).

Argemi diz não acreditar que o movimento de aquisição de hospitais tenha sido “predatório”, ou seja, com o objetivo de aproveitar o momento de fragilidade dessas empresas. Para ele, o grande motor foram as baixas taxas de juros.

Até março de 2021, a Selic se encontrava em um patamar de 2% ao ano. De maneira geral, juros baixos são mais benéficos para empresas que querem fazer investimentos, uma vez que o crédito fica mais barato.

Desde então, porém, a Selic se encontra em um ciclo de alta, reforçada pela mais recente reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central, que há duas semanas fixou a taxa em 9,25% ao ano. Isso faz o CEO acreditar que, em 2022, o setor de saúde passará por um desaceleramento, e o número de fusões e aquisições diminuirá.

“Será um ano mais cauteloso. Já vimos agora, no final de 2021, diversas operações sendo canceladas porque as condições do mercado não eram mais favoráveis. Por conta do aumento dos juros, o volume de captação para essas operações também será menor”, explica ele.

Argemi também chama atenção para o desemprego no Brasil, que atingiu 12,6% da população no terceiro trimestre de 2021, a quarta maior taxa das principais economias do mundo, segundo levantamento da Austin Rating. O dado é relevante tendo em vista que, atualmente, cerca de 70% dos planos de saúde são corporativos. Assim, se o número de desempregados aumentar, os planos perderão usuários.