A polêmica operação de transferência dos planos individuais da Amil para um grupo liderado pela gestora Fiord – suspensa pela Agência Nacional de Saúde (ANS) – chamou a atenção para um nicho específico de planos de saúde que vem perdendo cada vez mais espaço e deixando clientes apreensivos: o dos planos individuais. Além dos 337 mil beneficiários da Amil, que ainda não sabem se seu atendimento será ou não repassado a um terceiro sem tradição no setor, há outros 8,6 milhões de planos individuais no País.

Esse é um negócio que, em geral, não é mais atrativo para as gigantes do setor, por conta da regulação mais forte da ANS. O reajuste dessas carteiras é determinado pela Agência – em 2021, por exemplo, a regra era que as mensalidades fossem reduzidas em 8,19%. Nos planos coletivos, o aumento é definido pela operadora, de acordo com a “sinistralidade” da carteira – quanto mais um determinado grupo utiliza, maior o valor.

Por isso, muitas operadoras abandonaram os contratos individuais. Mas quem já tinha esse serviço tem direito a manter o atendimento. E, como esses clientes vêm envelhecendo e, consequentemente, necessitando de mais serviços, a operação acaba ficando mais onerosa.

Entre os clientes da Amil, o clima é de apreensão por conta da indefinição em relação à mudança. Tanto que uma associação de defesa dos clientes da empresa está sendo criada. “Esse ambiente hostil foi determinante para a resistência”, diz a advogada especializada em direitos coletivos, Vanusa Murta Agrelli. Ela se uniu ao coletivo, que foi iniciado na internet, e  agora coordena a transição  para uma associação formalmente constituída.

O grupo inclui Neusa Grolla Barbosa. Ela é mãe de Guilherme Barbosa Ribeiro, que tem paralisia cerebral. Quando ele nasceu, em 1992, a família tinha plano da Golden Cross, mas foi para a Amil justamente por causa da piora do atendimento. “Meu filho passa no Hospital da AACD, em São Paulo. Quando fiz esse convênio, foi um dos requisitos. No meio do ano passado, quando fui marcar consultas, me disseram que o plano do Guilherme, o Blue 300, tinha sido descredenciado”, lembra.

Professor doutor de Direito Civil da USP, José Fernando Simão afirma que a mudança de prestador de serviço precisa ser avisada previamente ao contratante. Já a ANS frisa que as operadoras têm o direito de vender suas carteiras de beneficiários, “desde que cumpram o rito previsto na regulamentação”.

A United Health, dona da Amil, afirma ter compartilhado com a ANS “medidas implementadas para melhoria da experiência dos beneficiários de planos individuais transferidos da Amil para a APS (a empresa criada pela Amil para receber os planos individuais e que será repassada à Fiord).”

Abandono de plano individual teve início nos anos 2000

As grandes operadoras de saúde começaram a deixar de oferecer os planos individuais no início dos anos 2000, depois da entrada em vigor da lei que deixou a regulamentação sobre esses contratos mais rígida. Atualmente, dos 48,9 milhões de brasileiros com cobertura de planos de saúde, menos de 9 milhões têm contratos individuais, volume que vem caindo ano após ano.

Além da Amil, que teve a transferência de seus beneficiários suspensa, as líderes no segmento de planos de saúde individual (excluindo da conta os odontológicos), são a Notredame e a Hapvida, que acabam de receber o aval para se unir. Juntas, elas detêm cerca de 17% desse mercado. A Amil tem 6,1% e a Prevent Senior detém uma fatia de 5,8%, segundo cálculos do BTG Pactual.

Outra grande do setor, a Bradesco Saúde tem visto sua carteira individual diminuir de tamanho, já que deixou de comercializar esse tipo de plano em 2007, se focando nos corporativos e de classe (vendidos a sindicatos, por exemplo). Hoje, os contratos individuais representam apenas 3% da carteira total do Bradesco, segundo levantamento do BTG Pactual. A Prevent Senior, plano de saúde focado na população mais idosa, é quem possui maior exposição aos planos individuais, com 94%.

Insegurança

“As operadoras de planos de saúde sustentam que os planos individuais ou familiares geram maior insegurança, e que o controle de reajustes realizado pela ANS está tornando tais planos insustentáveis”, diz Luís Gustavo Miranda, sócio do escritório Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados. “Os reajustes desses planos têm sido inferiores aos reajustes dos planos coletivos por adesão e empresariais nos últimos anos, de acordo com o que vem sendo divulgado pelas operadoras e entidades a elas ligadas.”

Segundo especialistas, uma saída encontrada pelas operadoras tem sido a venda de planos para os microempreendedores individuais (MEIs), que nada mais são do que pessoas físicas com um CNPJ. Nesse segmento, as empresas podem definir seus reajustes sem anuência da ANS.

As empresas que seguem vendendo os planos individuais, como Notredame/Hapvida, usam a estratégia de verticalizar a operação – ou seja, criam suas próprias redes de atendimento. Com isso, conseguem reduzir os custos. A Hapvida, por exemplo, viu o número de planos individuais subir 20% no último ano, para cerca de 4 milhões de clientes, diante da maior busca do brasileiro por planos de saúde em meio à pandemia da covid-19.

O professor de economia da FGV, Joelson Sampaio, afirma que um dos desafios dos planos de saúde no Brasil é exatamente a questão do aumento de custos, e que essa verticalização acaba sendo uma saída interessante. “Algumas ainda estão com foco em políticas preventivas de saúde e o uso de tecnologia também aumentou por essas empresas”, diz.

Atendimento

Miranda, do Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados, lembra que os beneficiários de planos de saúde regularmente contratados têm o direito de cobertura a todas as doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Fora isso, destaca, há também uma lista chamada Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, que informa medicamentos, produtos ou procedimentos que devem ser oferecidos. “A falha ou o serviço deficiente autoriza o registro de reclamações tanto na ANS, quanto nas entidades de defesa do consumidor.”

Fiscalização deveria ser mais minuciosa, diz presidente do IBDS

O presidente do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS), Ernesto Tzirulnik, diz que, no passado, os planos individuais eram percebidos pelos consumidores com uma grande vantagem em relação ao coletivo, principalmente no que tange a uma estabilidade jurídica maior, ou seja, sem a surpresa de rescisão de contratos ou um aumento abrupto de preços. “Mas isso mudou, e há hoje um relaxamento normativo”, diz o advogado.

Para ele, as seguradoras acabam pressionando os consumidores a saírem dos planos individuais, com preços mais altos e piora do atendimento. “Ela (seguradora) vai modificando paulatinamente o plano de tal forma que chega uma hora em que ele não é mais vantajoso”, diz.

Nesse ritmo, prevê Tzirulnik, os planos de saúde no Brasil podem estar fadados ao fim, mesmo os coletivos, que estão cada vez mais onerosos. Uma mudança de rumo, avalia, será possível com uma alteração da conduta de fiscalização, que na sua opinião, deveria ser mais minuciosa sobre as empresas.