A literatura econômica aponta como uma das características do setor de Saúde a chamada ‘doença de custos de Baumol’. A tese de Baumol é de que, ao contrário do que a economia clássica prevê, existem setores nos quais a substituição de trabalho por capital acontece em escala menor e, portanto, são setores mais dependentes dos ganhos de experiência do que dos ganhos de produtividade para o seu desenvolvimento.

Essa característica estrutural de gerar menores ganhos de produtividade do que em outros setores, associada a uma demanda cada vez maior por serviços de saúde, aos problemas decorrentes da chamada indução da demanda pela oferta e também ao processo difuso de incorporação de novas tecnologias em saúde, tem historicamente levado a uma inflação de saúde superior à inflação média da economia.

Embora existam alguns períodos de exceção, esse é um traço comum a diversos países, independentemente do tipo de sistema de saúde ou nível de desenvolvimento. Tendo em vista essa dinâmica de preços e custos em elevação, há que se trazer para o debate público o desafio do financiamento dos serviços de saúde por conta de sua enorme relevância econômica e social.

No caso dos planos de saúde, além da inflação dos serviços, influencia na variação dos seus preços a frequência de uso dos serviços e a peculiaridade do contrato. Assim, quanto maior a utilização em consultas, exames e internações de determinado grupo segurado, mesmo que os preços desses serviços não aumentem, os dos planos de saúde tendem a aumentar, refletindo essa maior utilização.

Quanto ao contrato, ele traz peculiaridade. Enquanto em um seguro pessoal convencional assegura-se contra determinado risco, cuja perda financeira máxima é conhecida ex-ante pela seguradora, a cobertura obrigatória dos planos de saúde refere-se aos tratamentos vigentes na época em que for necessário acessar os serviços.

Embora haja muitas razões defensáveis para que seja assim no setor de saúde, o impacto na variação de preços é inegável. Com o avanço da medicina personalizada, é de se esperar grandes inovações em tratamentos, mas trazendo custos maiores ao sistema de saúde. Daí a importância de se ponderar a sustentabilidade econômica do setor quando da decisão de incorporar novas tecnologias e procedimentos em saúde.

Da mesma forma que a sociedade hoje vem discutindo o financiamento da Previdência, deverá ser feito também o debate sobre o financiamento dos serviços de saúde. As características intrínsecas à dinâmica dos serviços de saúde citadas acima, associadas ao envelhecimento populacional, traz inexoráveis questionamentos: como podemos ter uma trajetória mais sustentável de custos?

Como poderemos financiar o acesso aos serviços de assistência à saúde que tendem a encarecer? No caso da assistência privada à saúde, o órgão regulador setorial (ANS) vem assumindo protagonismo com uma agenda de iniciativas que induzem maior eficiência na prestação de serviços com o intuito de arrefecer a exponencial de custos aos consumidores e proteger o interesse público.

Essa agenda inclui: a promoção da concorrência através da ampliação das possibilidades do consumidor mudar de operadora sem a necessidade de cumprir novamente as carências estabelecidas na legislação; a instituição de programa que visa a possibilitar a saída ordenada daquelas operadoras sem condições de continuar no mercado, melhorando a solvência e a eficiência setorial, ao mesmo tempo que protege o consumidor de ficar exposto a serviço com qualidade em deterioração; a regulamentação da gestão de riscos que podem ser compartilhados entre as operadoras com o intuito de reduzir o custo de adequação à necessária regulação assistencial e econômica; e a indução de uma mudança no modelo assistencial vigente fragmentado e “hospitalocêntrico” para outro que privilegie a atenção básica, a promoção da saúde e a prevenção de doenças.

Em que pesem tais esforços do órgão regulador setorial, a discussão sobre como financiar o acesso aos serviços de saúde (públicos ou privados) diante da tendência de encarecimento precisa transpor as fronteiras atuais e ocupar posição central na agenda de debates públicos, com participação ativa das lideranças setoriais, do governo central, do Parlamento, da academia e da sociedade.

Atrelar um mecanismo de capitalização à lógica atual mutualista de financiamento do acesso, no caso da saúde suplementar, pode contribuir. Da mesma forma, promover empregadores e prestadores de serviços integrados de saúde como atores centrais na gestão de saúde populacional também pode contribuir para um sistema sustentável.

É importante avançar nesses temas em prol de uma saúde suplementar sustentável, mas sem deixar de lado outros que tenham efeito também nos serviços públicos de saúde. Diante dos desafios que temos na assistência à saúde, é preciso rediscutir o que de fato é possível termos como um sistema nacional, como incorporar novas tecnologias, como financiar o seu acesso e quais as responsabilidades de cada um (indivíduos, empresas, operadoras, profissionais de saúde, prestadores de serviço, indústria de medicamentos e equipamentos e governo).

São as instituições, ou seja, as regras formais e informais que conformam a atuação dos diversos agentes econômicos; e elas são fundamentais também para o desenvolvimento do setor de saúde no país. Um bom desenho institucional, legitimamente estabelecido e com os incentivos na direção correta, é fundamental para viabilizar a assistência à saúde (pública e privada) com qualidade e a um custo suportável pela sociedade.

Leandro Fonseca é diretor-presidente substituto da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)