Isolamento social, fechamento de escolas e serviços não essenciais, períodos de lockdown e toques de recolher. Grande parte do esforço das nações no enfrentamento à Covid-19 tem sido no sentido de evitar o colapso dos sistemas de saúde, considerando que ainda não há tratamento específico ou vacina contra o vírus. Nesse contexto, os hospitais, além de serem os centros de salvamento de vidas nesta crise pela qual passamos, ainda precisam continuar tratando os demais pacientes. A saúde, afinal, não fica em suspenso aguardando a pandemia passar. Por isso, essas instituições fizeram mudanças e investiram em protocolos para minimizar risco de contaminação.

No caso de Belo Horizonte, em que os registros da Covid-19 têm sido menores do que os de outras capitais do Sudeste, com também menor quantidade de óbitos, o sistema não tem ficado sobrecarregado pelo novo coronavírus. A preocupação com a doença, contudo, é constante, e o será por muito tempo. A tecnologia e a inovação, imprescindíveis no setor, têm tido papéis essenciais neste momento. E muito do que for desenvolvido durante o período, segundo especialistas, deve ficar para o futuro.

“Na saúde, já existia uma tendência de automação e uso extenso de tecnologia para conectar processos e pessoas. Isso vai ficar mais acelerado e evidente”, afirma Henrique Salvador, presidente da Rede Mater Dei. Segundo ele, uma das práticas que ganham destaque é o monitoramento de doentes crônicos, como diabéticos, hipertensos, nefropatas (pessoas com problemas renais crônicos), à distância, com plataformas tecnológicas. “Já estávamos implantando isso e vamos acelerar o processo”, diz. Alguns sistemas em desenvolvimento no mundo para essa prática incluem a coleta de dados em tempo real, o que permitirá o acompanhamento dos hábitos mais simples e diários – e que influenciam diretamente na saúde do doente crônico. Tudo isso sem que seja necessário o deslocamento com tanta frequência desses pacientes até clínicas, consultórios e hospitais.
A telemedicina, no geral, tem sido um braço importante da saúde no período. “A Covid-19 trouxe de forma mais forte a questão de uso dos meios digitais nos atendimentos à saúde, inclusive em triagens pelas operadoras de planos de saúde, por meio de ferramentas tecnológicas que permitem o diálogo com os médicos e demais profissionais”, diz a diretora do Biocor Instituto, Erika Vrandecic. “Creio que esse atendimento virtual já está agregado à nossa realidade.”
Na segunda quinzena de março, a Unimed-BH forneceu a seus clientes e, em seguida, disponibilizou para a secretaria municipal de saúde, uma plataforma para assistência aos pacientes de forma remota, para evitar que sintomáticos leves sentissem necessidade de sair de casa para se consultar. Até o fechamento da edição, mais de 18 mil consultas haviam sido feitas dentro da proposta. “Esse modelo desencadeou o teleacompanhamento do paciente e a teleconsulta para especialidades”, explica o diretor-geral da instituição, Samuel Flan. “Não podemos dizer que a telemedicina irá substituir a consulta presencial, mas será uma ferramenta que a gente adicionará, e as evoluções tecnológicas, como a internet 5G, vão facilitar o processo ainda mais”, afirma.
O diretor técnico do Hospital Madre Teresa, Luiz Cláudio Moreira Lima, afirma que a ampliação do serviço tem sido essencial na pandemia, mas que ainda é necessário evoluir nas discussões sobre o tema para que se tenha mais segurança na implementação em tempos “normais”. “É preciso trabalhar melhor essa questão, porque a telemedicina tem outras implicações, como a remuneração do profissional e a segurança da consulta. Acredito que seja preciso amadurecer um pouco mais”, diz.
Outro uso importante da ferramenta ressaltado é a diminuição das distâncias entre regiões e entre locais com diferentes condições de acesso à saúde. “Não há motivo por que um país continental como o nosso não tenha uma ferramenta como a telemedicina, que permite à população carente e que vive em locais de geografia desprivilegiada o acesso a uma medicina de qualidade”, afirma o presidente do Hospital Vera Cruz (HVC), Ernane Bronzatti. O diretor operacional da instituição, José Eduardo Delamain, ressalta que, com a tecnologia, a complexidade médica mais adiantada chega nos lugares mais distantes. “É possível ter contato com hospitais no interior do estado, por exemplo, onde não existe um especialista, e com uma teleconferência entre médicos, a unidade de saúde conseguiria entregar um tratamento mais complexo”, diz.
As práticas e protocolos necessários para lidar com o novo coronavírus em hospitais, segundo especialistas, ainda serão realizados por muito tempo e talvez algumas das orientações se mantenham mesmo depois que tudo isso passar. De um lado, as instituições têm orientado pacientes de forma remota, separado andares, profissionais e equipamentos entre o cuidado de suspeitos da Covid-19 e de outras condições médicas, treinado equipes com frequência, espaçado as consultas e imposto o distanciamento social nas salas de espera. De outro, pacientes têm sido aconselhados a não procurar ajuda desnecessariamente – mas também que não evitem hospitais a qualquer custo, pois alguns procedimentos e atendimentos não devem esperar. “Acredito que esta será uma mudança que vamos observar no comportamento das pessoas, um interesse maior pela própria saúde, ao mesmo tempo em que a procura a uma unidade de saúde não se dará por qualquer motivo”, diz Luiz Cláudio Moreira.
Também no caso das pessoas fora do ambiente hospitalar, a aposta dos especialistas é de que as mudanças de hábito relacionadas à higiene devem permanecer. “A maior atenção aos cuidados pessoais, tanto em relação à limpeza das mãos, no cuidado com o contato entre as pessoas, quanto o próprio uso de máscara quando se estiver com sintomas respiratórios será comum”, diz Erika Vrandecic. “Acredito que esta evolução no convívio pessoal também ficará arraigada na nossa cultura.”
A tendência, para Henrique Salvador, é que hospitais sejam valorizados pela importância que têm tido neste momento. “Não o hospital na concepção tradicional, mas como hub, centro fomentador de ações ligadas ao controle da saúde, suportado pela tecnologia”, explica. No caso dos hospitais públicos, muitos dos quais sem condições financeiras para bancar tais inovações, ele afirma que eventualmente, vão se adaptar também. “À medida que as tecnologias vão sendo usadas mais largamente, vão barateando. Existirão instituições líderes e inovadoras, que puxam o carro; a partir dessas líderes, as outras vão também sendo beneficiadas”, explica.
E ainda que tecnologia, práticas remotas e automatização sejam muitas vezes associadas a ambientes áridos, pouco intimistas e sem calor humano, essas ferramentas podem ser usadas justamente para o contrário: trazer proximidade, carinho e força a quem precisa. Uma prática simples e gratificante tem sido implementada mundo afora e valorizada no HVC: o uso de wi-fi e tablets para proporcionar videoconferências aos pacientes internados por Covid-19. “Isolamentos vão continuar, restrição a visitas em hospitais também. Pela tecnologia, conseguimos permitir esse contato, que ameniza o peso do isolamento”, afirma Delamain. Segundo ele, a ideia tem sido bem aceita pelos pacientes e familiares, e chegou para ficar. “Sabe-se que solidão e depressão afetam o sistema imunológico. Nesse sentido, a medida pode contribuir, inclusive, para a melhor evolução do quadro do paciente.”