Operadoras de saúde reveem a necessidade de até 30% das cirurgias indicadas por médicos da rede privada. Isso é o que indicam balanços inéditos de duas das maiores operadoras do País, que submetem milhares de casos a uma junta médica para segunda ou terceira opinião após o diagnóstico vindo do primeiro profissional.

Na SulAmerica, que reavalia cerca de 450 pedidos por mês, 30% dos casos foram contraindicados. Na Amil, em que a junta médica revê 180 solicitações mensalmente, o índice de contraindicação integral é de 10%. O Estado procurou outras duas das maiores operadoras do mercado, mas as empresas não informaram se seguem esse tipo de protocolo.

Segundo as duas operadoras que adotam a medida, há três principais razões para a indicação desnecessária de cirurgia: discordância entre profissionais sobre o melhor tratamento a seguir, falta de conhecimento do médico sobre alternativas para cada doença e má-fé de alguns profissionais interessados em lucrar com o procedimento. As juntas também são uma alternativa à crescente judicialização da saúde, que eleva os gastos de empresas do setor.

Já o Conselho Federal de Medicina (CFM) acredita que os números de cirurgias contraindicadas após reavaliação é exagerado e que casos desse tipo são “extremamente raros”.

“Existe, sim, a questão da fraude, de médicos interessados em comissões de fabricantes de materiais como órteses e próteses, mas esses casos são a minoria. Acreditamos que a maioria dos casos está relacionada ao fato de o profissional não estar tão atualizado sobre as opções terapêuticas”, diz Andréa Matsushita, superintendente de operações e análise médica da SulAmérica.

Segundo Maria Alicia Lima Peralta, vice-presidente jurídica do UnitedHealth Group Brasil, grupo responsável pela Amil, a consulta a uma junta médica (terceira opinião) se dá quando há discordância entre o médico do paciente e aquele que representa a operadora.

“Pelas regras da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), o profissional que vai desempatar deve ser independente e escolhido consensualmente pelo médico do beneficiário e o da operadora”, explica.

Na Amil, a maioria dos casos levados à reavaliação são os que envolvem a implantação das chamadas OPMEs (órteses, próteses e materiais especiais), como cirurgias que exigem colocação de pinos e parafusos.

Na SulAmérica, as especialidades que concentram o maior número de casos enviados para a junta médica são bucomaxilofacial, ortopedia e neurocirurgia com subespecialidade em coluna e cirurgia plástica. “Se a operadora apenas nega a cobertura do procedimento, o paciente pode não entender e entrar na Justiça”, afirma Andréa, da SulAmerica.

Revisão

A bailarina e personal trainer Pércida Freire Justo, de 59 anos, foi uma das pacientes que não enfrentou a cirurgia após reavaliação da junta médica da SulAmérica. Por causa da profissão, ela desenvolveu hérnias na coluna. Há dois anos, o problema se agravou e ela teve a indicação de uma cirurgia.

“Estava com muitas dores, comecei a perder mobilidade. O médico olhou os exames e disse que a única solução seria a cirurgia. Saí do consultório desesperada porque ninguém se sente confortável ao saber que vai ter que passar por uma cirurgia na coluna”, conta.

Ao pedir autorização para o procedimento, foi procurada pela operadora para que fosse reavaliada pela junta médica. No caso, foram quatro médicos, de diferentes especialidades, que a examinaram para dar um parecer. “Eles chegaram à conclusão que dava para tentar o tratamento de outra forma, com fisioterapia, quiropraxia. E foi o que fiz.”

Ela passou a fazer diferentes terapias três vezes por semana, por três meses, e as dores foram passando. “Sempre pratiquei muito exercício e fortaleci a musculatura. Isso também ajudou. Hoje retomei minha rotina e tenho vida normal”, afirma.

Operações sem necessidade são raras, diz CFM

Coordenador da Comissão Nacional de Saúde Suplementar do Conselho Federal de Medicina, Salomão Rodrigues afirma que o levantamento das operadoras está em desacordo com a realidade. Para ele, é uma “grave acusação contra os médicos brasileiros”.

Ainda de acordo com o Rodrigues, a entidade não tem um levantamento sobre denúncias do tipo, mas os casos (em que os procedimentos cirúrgicos são indicados sem necessidades) são “extremamente raros”.

Para ele, há o risco de o médico responsável por desempatar, pago pela operadora, não ter a independência necessária para exercer a função. Rodrigues ainda sugere participação mais ativa do CFM para atuar nestes casos.

Procurada nesta segunda-feira, 16, para comentar, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), órgão do governo responsável pelo setor, não se manifestou até as 20h40.

Pesquisa

Em um panorama em que médicos e operadoras podem tomar lados opostos, pesquisar sobre as qualificações dos profissionais e das instituições de saúde é a melhor opção, segundo o professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Renato Couto.

“Temos muita informação, mas o problema é a qualidade. Precisamos ter mais portais com informações mais seguras”, defende.