Em 10 de novembro de 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) finalizou o julgamento virtual das ADPFs 986 e 990 e das ADIs 7.088, 7.183 e 7.193, que, em suma, trataram da natureza do rol de procedimento e eventos em saúde da ANS (Agência Nacional de Saúde); enquanto aquelas visam a inconstitucionalidade do artigo 2º da Resolução ANS 465/2021 [1], que definiu esse rol como taxativo, estas, do artigo 4º, III, da Lei nº 9.961/2000 [2], dos artigos 10, §§ 4º, 7º e 8º [3], em todas as suas redações, e 10-D, § 1º, § 2º, I, II, III, IV, V e VI, § 3º, I, II e III, e § 4º, da Lei nº 9.656/1998[4], os quais tratam, em resumo, do procedimento administrativo a ser adotado para a atualização dessa lista da ANS.

Com relação ao resultado desse julgamento, a maioria dos ministros entendeu pelo não conhecimento da ADI nº 7.193 e das ADPFs nº 986 e nº 990, em razão da perda do objeto por causa do advento da nova Lei n° 14.454, de 21 de setembro de 2022 [5], assim como pelo conhecimento parcial das ADIs 7.088 e 7.183, porém julgando improcedente os pedidos de declaração de inconstitucionalidade dos artigos 10, §§ 7º e 8º, e 10-D da Lei nº 9.656/1998, com a redação dada pela Lei nº 14.307/2022; vencido o voto divergente do ministro Fachin, que adentrava no mérito para, entre dentre outras coisas, declarar o caráter exemplificativo do rol da ANS.

Não é sem efeito lembrar que essa lei (nº 14.307/2022) serviu de fundamento para a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), dada em junho deste ano, pela qual se inovou numa jurisprudência que estava consolidada há mais de 15 anos, para criar o famigerado rol taxativo mitigado. E foi em face dessa decisão judicial, inconstitucional, que o Congresso deu uma resposta rápida, efetiva e constitucional, fato esse que se constata ter sido reconhecido pelos ministros do STF, conforme se verifica dos seus votos.

A esse cenário devo acrescentar mais uma informação relevantíssima, que é de interesse público. Mesmo antes de finalizar-se o julgamento dessas ações, a União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (Unidas) havia proposto a ADI nº 7.265, em face da Lei n° 14.454/2022, cabendo a relatoria também ao ministro Roberto Barroso.

Com relação a isso, preciso antecipar que uma situação específica reclama atenção das proponentes daquelas impugnações e do relator.

Entendo que, diante do resultado do julgamento daquelas ações, é inconteste que o relator e os que o acompanharam entenderam pela perda de parte do objeto das impugnações sustentando para tanto a superveniência da Lei n° 14.454/22, justamente a norma que é objeto da ADI 7.265.

Embora o objeto daquelas ações seja diferente do da ADI 7.265, é inegável que os fundamentos e dispositivos que foram disponibilizados nesses votos não poderão ser ignorados na apreciação dessa nova impugnação, visto que se pautam predominantemente na superveniência da Lei n° 14.454/22.

Seria muito incoerente para a excelsa corte, que declarou prejuízo ao conhecimento dessas impugnações e determinou a perda de parte do objeto das ações, com base nessa nova lei e, logo em seguida, declará-la inconstitucional. Isso seria o mesmo que manter incólume a Lei n° 14.307/2022 e o artigo 2° da RN ANS 465/2021 e também corresponderia a fulminar o principal fundamento que foi empregado no julgamento, qual seja a superveniência da Lei n° 14.454/2022.

Convém, a título de reforço do que alego, citar trechos da fundamentação empregada pelo ministro Roberto Barroso:

“6. Da mesma forma, a edição do art. 10, § 13, da Lei nº 9.656/1998 prejudica o conhecimento das impugnações ao art. 2º da Resolução Normativa ANS nº 465/2021, cuja disposição se tornou incompatível com lei formal superveniente. A superação do conteúdo do ato normativo infralegal passa, então, a envolver um juízo de legalidade, sendo descabido o exercício, por esta Corte, do controle de sua constitucionalidade.
7. Sendo assim, concluo pela perda parcial do objeto das ADIs 7.088 e 7.183 , apenas no que diz respeito aos arts. 4º, III, da Lei nº 9.961/2000; 10, § 4º, da Lei nº 9.656/1998; e 2º da Resolução Normativa ANS nº 465/2021, e pela perda integral do objeto da ADI 7.193 e das ADPFs 986 e 990 .
(…)
21. Além disso, como afirmei anteriormente, desde a edição da Lei nº 14.454/2022, já existe solução legal para os casos excepcionais que exijam a cobertura de tratamentos fora do rol da ANS. Desse modo, entendo que não há incompatibilidade entre o direito à saúde dos usuários de planos e os critérios de avaliação a serem observados pela Comissão de Atualização do Rol, conforme previstos no ato normativo impugnado.”

Nesse sentido, é oportuno que se transcreva também trechos de fundamentação extraída do voto do ministro Dias Toffoli:

“Antecipo que acompanho o voto relator na maior parte de sua extensão . O faço inclusive no que tange ao não conhecimento dos pedidos relativos à explicitação da natureza do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde. Com efeito, a tese da natureza taxativa desse rol, firmemente combatida pelos autores das ações em julgamento, foi expressamente superada pela superveniente Lei nº 14.454/2022.
Essa lei representa uma reação legislativa ao paradigma da taxatividade, após uma onda de reações da sociedade civil à tese. A superação legislativa do rol taxativo se evidencia pelo que dispõe o § 13 do art. 10 da Lei nº. 9.656/1998, com a redação dada pela Lei nº. 14.454/2022, o qual permite a cobertura de tratamento ou procedimento não previsto no rol, desde que observados determinados requisitos.
(…)
Percebe-se que o poder legislativo trouxe uma definição para a relevante e delicada controvérsia acerca da natureza do rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, não havendo razão para reabrirmos a discussão no Supremo Tribunal Federal. O poder judiciário não pode deixar de fornecer respostas para as questões mais sensíveis da democracia brasileira, sempre que acionado. No entanto, deve ser capaz de reconhecer quando determinada questão recebeu solução satisfatória e pacificadora pelo poder legislativo.”

Até mesmo em razão de ter havido tramitação simultânea desses processos, fato esse que chegou a ser do conhecimento do ministro Roberto Barroso, visto a conclusão do processo a ele desde 7/11/2022, entendo que, houve uma prejudicialidade cruzada, que deveria e deverá ser observada, entre as ADPFs 986 e 990 e das ADIs 7.088, 7.183 e 7.193, cujo julgamento virtual finalizou-se, com a ADI 7.265, a qual demandaria, portanto, que tivesse sido julgada em conjunto com aquelas, isso para o fim de que se resguardasse coerência na atuação jurisdicional.

Portanto, a respeito desse fato novo, penso que teria sido razoável e plausível que as proponentes das ADPFs 986 e 990 e ADIs 7.088, 7.183 e 7.193 tivessem peticionado o julgamento destas em conjunto com a ADI 7.265, o que agora não é mais possível.

Contudo, passa a ser crucial que o STF ao julgar a ADI 7.265, que se repise, que visa a inconstitucionalidade da Lei n°14.454/2022, observe os fundamentos que empregou para julgar as ADPFs 986 e 990 e as ADIs 7.088, 7.183 e 7.193. Não apenas se defende esse posicionamento por uma questão de resguardar-se coerência na atuação jurisdicional da excelsa Corte como, também, pelo fato de que, sobretudo, não se pode esquecer o porquê de o Congresso ter dado uma resposta constitucional à sociedade com a criação daquela lei.

Entendo que, a partir desse desfecho, qualquer resultado que não seja pela improcedência da ADI 7.265 decorrerá de uma acrobacia mental injusta de um desprestígio ao labor prestado pelo Congresso.

[1] Art. 2º Para fins de cobertura, considera-se taxativo o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde disposto nesta Resolução Normativa e seus anexos, podendo as operadoras de planos de assistência à saúde oferecer cobertura maior do que a obrigatória, por sua iniciativa ou mediante expressa previsão no instrumento contratual referente ao plano privado de assistência à saúde.

[2] Art. 4º — Compete à ANS:

[…]

III – elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde, que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei no 9.656, de 3 de junho de 1998, e suas excepcionalidades;

§ 4º. A amplitude das coberturas no âmbito da saúde suplementar, inclusive de transplantes e de procedimentos de alta complexidade, será estabelecida em norma editada pela ANS. (Redação dada pela Lei nº 14.307, de 2022)
[…]§ 7º. A atualização do rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar pela ANS será realizada por meio da instauração de processo administrativo, a ser concluído no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da data em que foi protocolado o pedido, prorrogável por 90 (noventa) dias corridos quando as circunstâncias o exigirem. (Incluído pela Lei nº 14.307, de 2022)
8º. Os processos administrativos de atualização do rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar referente aos tratamentos listados nas alíneas c do inciso I e g do inciso II do caput do art. 12 desta Lei deverão ser analisados de forma prioritária e concluídos no prazo de 120 (cento e vinte) dias, contado da data em que foi protocolado o pedido, prorrogável por 60 (sessenta) dias corridos quando as circunstâncias o exigirem. (Incluído pela Lei nº 14.307, de 2022)
Art. 10-D. Fica instituída a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar à qual compete assessorar a ANS nas atribuições de que trata o § 4º do art. 10 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 14.307, de 2022)
1º. O funcionamento e a composição da Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar serão estabelecidos em regulamento. (Incluído pela Lei nº 14.307, de 2022)
§ 2º. A Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar terá composição e regimento definidos em regulamento, com a participação nos processos de: (Incluído pela Lei nº 14.307, de 2022)

I – 1 (um) representante indicado pelo Conselho Federal de Medicina; (Incluído pela Lei nº 14.307, de 2022)

II – 1 (um) representante da sociedade de especialidade médica, conforme a área terapêutica ou o uso da tecnologia a ser analisada, indicado pela Associação Médica Brasileira; (Incluído pela Lei nº 14.307, de 2022)

III – 1 (um) representante de entidade representativa de consumidores de planos de saúde; (Incluído pela Lei nº 14.307, de 2022)

IV – 1 (um) representante de entidade representativa dos prestadores de serviços na saúde suplementar; (Incluído pela Lei nº 14.307, de 2022)

V – 1 (um) representante de entidade representativa das operadoras de planos privados de assistência à saúde; (Incluído pela Lei nº 14.307, de 2022)

– representantes de áreas de atuação profissional da saúde relacionadas ao evento ou procedimento sob análise. (Incluído pela Lei nº 14.307, de 2022)
§ 3º. A Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar deverá apresentar relatório que considerará: (Incluído pela Lei nº 14.307, de 2022)

I – as melhores evidências científicas disponíveis e possíveis sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade, a eficiência, a usabilidade e a segurança do medicamento, do produto ou do procedimento analisado, reconhecidas pelo órgão competente para o registro ou para a autorização de uso; (Incluído pela Lei nº 14.307, de 2022)

II – a avaliação econômica comparativa dos benefícios e dos custos em relação às coberturas já previstas no rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, quando couber; e (Incluído pela Lei nº 14.307, de 2022)

– a análise de impacto financeiro da ampliação da cobertura no âmbito da saúde suplementar. (Incluído pela Lei nº 14.307, de 2022)
4º. Os membros indicados para compor a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, bem como os representantes designados para participarem dos processos, deverão ter formação técnica suficiente para compreensão adequada das evidências científicas e dos critérios utilizados na avaliação. (Incluído pela Lei nº 14.307, de 2022)
[5] Art. 1º Esta Lei altera a Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, que dispõe sobre os planos privados de assistência à saúde, para estabelecer critérios que permitam a cobertura de exames ou tratamentos de saúde que não estão incluídos no rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar.

Art. 2º. A Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 1º Submetem-se às disposições desta Lei as pessoas jurídicas de direito privado que operam planos de assistência à saúde, sem prejuízo do cumprimento da legislação específica que rege a sua atividade e, simultaneamente, das disposições da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), adotando-se, para fins de aplicação das normas aqui estabelecidas, as seguintes definições:”

(NR)

“Art. 10.

§ 4º. A amplitude das coberturas no âmbito da saúde suplementar, inclusive de transplantes e de procedimentos de alta complexidade, será estabelecida em norma editada pela ANS, que publicará rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, atualizado a cada incorporação.

§ 12. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, atualizado pela ANS a cada nova incorporação, constitui a referência básica para os planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 e para os contratos adaptados a esta Lei e fixa as diretrizes de atenção à saúde.

§ 13. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não estejam previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que:

I – exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou

II – existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.” (NR)

Art. 3º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.