Uma das principais bandeiras da gestão de Michel Temer (PMDB) para a Saúde, a proposta de criar um plano de saúde “popular” poderá incluir redução na cobertura mínima de atendimento, aumento na divisão de despesas com o usuário e prazos maiores de espera por consultas e cirurgias.

Essas são algumas das propostas apresentadas por membros de um grupo de trabalho formado pelo Ministério da Saúde, sob o comando de Ricardo Barros (PP-PR), e por entidades do setor.

Após dois meses, o debate foi encerrado na última semana. Agora, caberá ao governo analisar as sugestões das entidades e enviá-las à ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).

Segundo integrantes do grupo ouvidos pela Folha, há três modelos em análise. O primeiro é a oferta de um plano ambulatorial, em que o usuário teria acesso apenas a consultas e exames. Outro, ambulatorial e hospitalar, com possibilidade de internação, por exemplo. Um terceiro modelo, apenas hospitalar, chegou a ser discutido, mas teve menor apoio.

Independentemente do formato, a ideia é que o plano popular tenha características específicas para reduzir custos e ter preços menores.

Uma delas é a oferta de uma cobertura de atendimento “regional”. Assim, serviços presentes na lista de cobertura mínima obrigatória definida pela ANS, mas não disponíveis no local, poderiam ser excluídos do contrato.

A medida atende ao interesse das operadoras de planos de saúde, que defendem normas “alternativas” para os planos populares –também chamados pelo governo de “acessíveis”.

“Para planos que estão no mercado, não haveria alteração”, afirma Antônio Carlos Abbatepaolo, da Abramge, que reúne as operadoras.

Além da flexibilização da cobertura, parte do grupo defende aumento nos prazos máximos de espera definidos pela ANS para acesso a alguns serviços. São prazos que, se descumpridos hoje, podem render multa às operadoras.

Para consultas básicas (pediatria, clínica médica, cirurgia geral e ginecologia), a sugestão é que o prazo seja mantido em sete dias. Outras especialidades, porém, teriam o prazo máximo ampliado de 14 para 30 dias. Cirurgias programadas, de 21 para 45 dias –quando haveria nova consulta e “segunda opinião”.

A medida gerou reação de integrantes do grupo.

“É um prazo inaceitável”, diz Florisval Meinão, presidente da Associação Paulista de Medicina, que decidiu se retirar do grupo antes da última reunião “para não chancelar a proposta”.

Representantes das operadoras, por sua vez, justificam a medida como “adaptação” à realidade de cidades menores e afastadas das capitais.

“É um ajuste. É comum no interior do país o médico especialista, como um neuropediatra, ter o hábito de só atender em uma determinada época”, afirma Abbatepaolo, que frisa que a proposta não é “definitiva” e será submetida à avaliação.

A criação dos planos populares inclui ainda outras sugestões em análise. Uma delas é a presença, no contrato, da chamada “coparticipação” –modelo em que o usuário, além da mensalidade, paga parte das despesas da operadora com consultas e exames.

A ideia é que até 50% do valor pago pelo plano por alguns procedimentos seja compartilhado com o usuário. Hoje, a maioria dos contratos com coparticipação adota o máximo de 30%.

Para Solange Mendes, presidente da FenaSaúde, uma das maiores entidades do setor de planos, a medida pode ajudar a evitar serviços “desnecessários” ou em excesso.

“É um mecanismo que objetiva muito mais levar consciência de utilização do plano pelo usuário do que resultado financeiro”, justifica.

O modelo prevê ainda que o primeiro atendimento seja feito por médico generalista, que poderá “filtrar” os casos mais simples ou direcionar o paciente. Para consultas básicas em pediatria e ginecologia, o acesso seria direto. “É como hoje no SUS, em que o usuário primeiro vai para a atenção básica, que indica as especialidades”, diz Mendes.

Procurados, a ANS e o Ministério da Saúde não quiseram comentar as propostas.

AÇÕES NA JUSTIÇA

Além da discussão sobre novos modelos e ajustes nas regras dos planos de saúde, a proposta de criar um plano “popular” tem dividido entidades sobre quais os impactos da oferta deste serviço a futuros usuários e também ao SUS.

Para Florisval Meinão, da Associação Paulista de Medicina, a proposta de redução na cobertura mínima de atendimento para oferta apenas de alguns serviços pode aumentar o volume de ações judiciais contra os planos de saúde –e também contra o SUS.

“O atendimento ao ser humano não pode ser segmentado, tem que ser integral. Isso fere a lei dos planos de saúde e do código do consumidor e coloca o médico em uma situação vulnerável”, afirma. “Ele vai trabalhar em condições em que não pode disponibilizar ao paciente tudo o que a medicina dispõe. A própria hipossuficiência do consumidor vai gerar muito processo na Justiça”, completa.

Maria Inês Dolci, coordenadora da Proteste, entidade de defesa do consumidor, diz temer que uma flexibilização das atuais normas da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) para estes planos traga prejuízos ao usuário.

“Não adianta oferecer um plano barato, se mais tarde ele se tornar oneroso e restritivo”, afirma, referindo-se à proposta de aumento na divisão de despesas e à possibilidade de redução na lista de serviços obrigatórios aos planos de saúde.

“É preocupante para o consumidor perder a cobertura mínima. Várias dessas empresas também não têm rede própria”, completa Dolci.

Francisco Balestrin, da Anahp (Associação Nacional de Hospitais Privados), diz ser a favor de medidas que colaborem para a “sustentabilidade” do setor, “desde que estejam dentro das leis vigentes e não troquem a qualidade por um custo mais baixo”.

‘ALÍVIO NO SUS’

Já representantes das operadoras alegam que a oferta de planos populares pode agilizar o acesso ao atendimento básico e dar alternativas para quem perdeu recentemente o plano de saúde ou queria ter plano, mas não tem condições de pagar. “Perdemos 2 milhões de usuários no último ano [devido à crise e desemprego]. Queremos tentar atender essas pessoas. Isso minimiza o impacto no SUS”, afirma Antônio Carlos Abbatepaolo, da Abramge.

Mesma opinião tem Solange Mendes, da FenaSaúde, para quem a oferta de um plano popular com o atendimento inicial de médicos generalistas, coparticipação do usuário no pagamento de parte das despesas e regras próprias de cobertura pode reduzir os custos em até 20%. “Se tenho como reduzir custos e reduzir preço, mais pessoas que hoje não têm condições poderiam ingressar. O acesso à saúde vai ser confortável e mais rápido [que no SUS].”

Mauro Junqueira, presidente do Conasems (conselho de secretários municipais de saúde), concorda que a proposta pode “aliviar” o impacto da entrada no SUS de quem perdeu planos de saúde, mas teme outros efeitos ao sistema.

“Hoje, o que não é atendido nos planos já vem para nós de forma espontânea ou judicializada. E aí começa o problema, porque a judicialização fura a fila do SUS”, diz.

Questionados, representantes dos planos admitem risco de judicialização, mas dizem estudar alternativas para evitar o problema. “No modelo atual dos planos já há um crescimento exponencial. Estamos chamando outros órgãos para discutir a situação”, diz Abbatepaolo.