O InCor (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) está realizando um estudo com um dispositivo inovador para tratamento da insuficiência cardíaca em pacientes com doença de Chagas.

Semelhante a um marca-passo convencional, o modulador de contratilidade cardíaca exercita o coração enfraquecido pela doença, como uma forma de musculação.

Uma doença tipicamente brasileira, a Chagas, que é provocada pelo protozoário Trypanosoma cruzi e transmitida pelo inseto barbeiro, atinge 1,2 milhão de pessoas no país Brasil e mais 5 milhões no resto do mundo, segundo dados da Opas (Organização Pan-Americana da Saúde). E apesar de também acometer os sistemas digestório, vascular e neurológico, cerca de 30% dos pacientes acabam sofrendo de insuficiência cardíaca.

Dados da Sociedade Brasileira de Cardiologia indicam que cerca de 2 milhões de pessoas vivem com insuficiência cardíaca no país, com 240 mil novos casos por ano. A doença está entre as principais causas de mortalidade relacionada ao coração e afeta diretamente a qualidade de vida, causando insuficiência renal, fadiga extrema, inchaço, dificuldade para respirar e realizar exercícios físicos.

O estudo, chamado Fix Chagas, se estenderá por seis meses e incluirá 60 pacientes com quadro de insuficiência cardíaca, em que a força do coração ainda possa ser recuperada, para melhorar o bombeamento do sangue para o corpo. Serão 30 pacientes com o novo dispositivo e outros 30 do grupo controle com um tipo de marca-passo denominado ressincronizador. Atualmente, nove pacientes já estão sendo monitorados com o aparelho.

Esses dois grupos vão ser comparados através de avaliações clínicas e de imagens e de questionários específicos para avaliar a qualidade de vida e a quantidade de atividade física pedida por exames específicos.

“Os resultados podem abrir caminho para uma nova e inédita opção de tratamento da insuficiência cardíaca em pacientes com a doença, que é um problema efetivamente brasileiro”, explica o professor Martino Martinelli, diretor da unidade clínica de estimulação cardíaca do InCor.

Ele conta que enquanto outros aparelhos servem para corrigir arritmias e se integram ao processo elétrico do coração, o modulador de contratilidade serve para fazer com que a musculatura do coração aumente a sua força de contração.

“A doença cardiovascular que atinge o músculo deixa as áreas sãs entremeadas com as áreas doentes e, quando você estimular de uma maneira geral, vai fazer com que as células sãs aumentem a sua capacidade de contração. Algumas outras que não são tão sãs, mas que não têm o grau de doença muito avançado, também respondem a essa situação. Então, o que temos é uma recuperação da capacidade contrátil das células dos doentes”, diz o professor.

O aparelho é instalado no lado direito do peito do paciente e ligado ao coração por dois cabos, passados pelas veias. Esses cabos são conectados ao septo muscular, a estrutura que separa o ventrículo direito do esquerdo, onde fazem a descarga do impulso elétrico no momento em que o coração se contrai, estimulando o músculo e reforçando a contração.

O dispositivo possui uma bateria interna que é recarregada a cada sete a dez dias, por meio de uma placa colocada sobre o peito. “Ele funciona sete horas por dia, mas não é por limitação dele, é por uma característica fisiológica de dar descanso para o músculo, para ele não se cansar. Outras tentativas com aparelhos foram tidas como um sucesso absoluto e elas estimulavam frequentemente o músculo esquelético do coração, o músculo das costas, mas o que se viu é que estimulava, estimulava e não dava em nada porque o músculo se cansava”, conta Martinelli.

Apesar da alta energia –7,5V, contra no máximo 5V do marca-passo– o pulso não chega a incomodar. Segundo o paciente Geraldo Aroldo de Queiroz, 57, que está com o modulador desde 7 de março, só nos primeiros dias é que sentiu uma leve pressão no peito, mas que logo desapareceu. “Não atrapalha em nada. Ainda não deu para sentir a diferença, mas meu filho já falou que eu subi uma ladeira mais rápido e sem me cansar”.

Esse, por sinal, é o principal benefício do dispositivo, segundo o professor. Dos pacientes acompanhados, dois atraíram mais sua atenção. “As primeiras observações de pacientes são impressionantes. Um paciente dizendo que está subindo as rampas da casa dele em uma comunidade como nunca aconteceu e uma senhora que não subia escadas e subiu as escadas do prédio dela, até exagerou um pouco”, brinca.

“Essas pessoas são jovens que estão na fase produtiva em termos de trabalho e vida social, mas têm poucos recursos e dependem do SUS (Sistema Único de Saúde). O transplante de coração é o padrão ouro de tratamento, mas ele tem suas limitações, como disponibilidade de doadores, fila de espera por um órgão e hospitais especializados. Aqui, não. Aqui você coloca o aparelho e orienta um familiar para carregar e as coisas tendem a ser muito boas”.

Para a realização dos estudos, os 30 aparelhos, que custam até US$ 50 mil (R$ 252 mil) cada, foram doados pela empresa americana Impulse Dynamics.

O objetivo final do estudo, conta o professor, é provar a hipótese de que o aparelho é útil para a regressão da doença cardíaca em pacientes com doença de Chagas. Somente desta forma o tratamento poderá entrar para o rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), que compra medicações de alto custo para ser usado no SUS.