No Brasil, o seguro de doença grave ou terminal é um seguro de pessoas que apresenta limite ao capital segurado e poderá incluir cobertura de despesas médicas, além de um montante em dinheiro. Trata-se de um produto supervisionado pela Superintendência de Seguros Privados (Susep), modalidade habitualmente relacionada aos seguros de vida e acidentes. Esse produto não se confunde com o “seguro de assistência à saúde”, ou simplesmente seguro-saúde, uma das modalidades contratuais regidas pela Lei de Plano de Saúde (LPS) — Lei 9.656/1998, objeto de nossa reflexão, com breves considerações sobre as recentes mudanças legislativas no setor de saúde suplementar.

O seguro-saúde é um seguro de pessoas com relevância social, compreendido como um contrato de característica existencial , cuja finalidade contratual é de interesse do Estado (na medida em que a saúde suplementar, esfera de atuação própria dos agentes privados, contribui para o acesso da população à saúde), razões que justificam o pouco espaço para a liberdade contratual e, consequentemente, o predomínio do dirigismo contratual.

Nesse sentido, a LPS determina uma cobertura de assistência à saúde ampla para o seguro-saúde, realizada a partir da classificação internacional de doenças da Organização Mundial de Saúde (OMS), não sujeita a limitação financeira (artigo 1º, I, da LPS), o que se diferencia da regra geral dos seguros, inclusive o seguro-saúde em outros regimes jurídicos, a exemplo do espanhol e do português.

Ademais, a seleção de risco para fins de contratação, seja a partir da idade, de condição especial de saúde ou deficiência, está proibida expressamente por disposição legal. Tais aspectos não podem impedir a participação da pessoa no seguro-saúde ou mesmo afastar coberturas já determinadas legalmente para um segmento específico (artigo 14 da LPS).

Como forma de equilíbrio econômico do contrato, a LPS permite a incidência de carências, franquias, cláusulas de agravamento e reajustes do prêmio (artigo 16, VIII e IX), porém os intervalos temporais de incidência, os limites ou as condições como devem ocorrer estão previamente definidos pela própria LPS, por resoluções do Conselho Nacional de Saúde Suplementar (Consu) e da Agência Nacional de Saúde (ANS).

Especialmente quanto aos reajustes anuais, eles são necessários e permitidos a partir de justificativa, ainda que, para as modalidades individual e familiar do contrato, o percentual máximo esteja definido pela própria ANS, o que não ocorre na modalidade coletiva por adesão e empresarial. Vale lembrar, ainda, que o reajuste é composto pela variação dos preços de serviço de saúde e insumos do setor, acrescida da frequência de uso do seguro e da incorporação das novas tecnologias o que auxilia na compreensão da tecnologia como fator de impacto econômico no setor.

No regime brasileiro, o seguro-saúde que se submete aos efeitos da LPS deve contemplar o rol mínimo de doenças cobertas pelo seguro (artigo 10), o que considera a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID) da OMS. Entretanto, a compreensão do rol obrigatório da ANS foi gradativamente estruturada para relativizar seu caráter referencial a partir de prescrições médicas que apontam outros tratamentos e procedimentos não presentes no rol, à medida que eles seriam melhores ou potencialmente mais eficientes para os pacientes do que aqueles presentes na listagem da ANS.

Nessa linha, parece-nos que tal mudança, concretizada pelas alterações decorrentes das Leis 14.454/2022 e 14.307/2022 no artigo 10 da LPS, demonstra o impacto das novas tecnologias no setor da saúde, o que poderá pressionar um dos aspectos econômicos que compõem o cálculo do prêmio (ou mensalidade) que será pago pelo segurado (consumidor), em outros termos, a listagem de procedimentos médico-hospitalares e odontológicos de cobertura obrigatória pela LPS.

Como podemos aproximar o conceito das novas tecnologias para o setor de saúde suplementar? A própria pergunta nos auxilia a compreender que novas tecnologias apresentam sentido multifacetado, adquirindo contornos particulares conforme a área de estudo. Nessa linha, em estudos econômicos, como aponta William Brian Arthur, de acordo com as definições de Joseph Schumpeter, as novas tecnologias seriam combinações dos meios de produção ou novas combinações de tecnologias já existentes, de modo a obter resultados inovadores a partir de seus componentes iniciais [6], em constante evolução.

Na área da saúde, na percepção de Hudson Pacífico da Silva, novas tecnologias são novos conhecimentos incorporados “num artefato físico (um equipamento, dispositivo ou medicamento (por exemplo) ou mesmo a partir de ‘ideias’, na forma de novos procedimentos (ou práticas) ou de (re)organização dos serviços”.

Quando se trata dos contratos de seguro-saúde e dos denominados planos de saúde, as resoluções da ANS e a LPS não apresentam diretamente uma definição de novas tecnologias, todavia, a cada novo procedimento, medicamento e teste, a ANS atualiza o rol a partir de suas resoluções. Aliás, as novas tecnologias no setor de saúde impulsionam mudanças frequentes na área de saúde suplementar, o que torna a avaliação de seu impacto econômico nas relações contratuais extremamente complexa e especializada.

Consequentemente, uma das principais alterações da Lei 14.307/2022, ao incluir o artigo 10-D na LPS, estabelece a criação de uma comissão para atualização do rol de procedimentos e eventos, composta por um representante de cada uma das seguintes entidades: (1) Conselho Federal de Medicina; (2) sociedade da especialidade médica, apontada pela Associação Médica Brasileira, relacionada à área terapêutica ou ao uso da tecnologia a ser analisada; (3) entidade representativa de consumidores; (4) entidade representativa dos prestadores de serviços na saúde suplementar; (5) entidade representativa das operadoras de planos privados de assistência à saúde; e (6) representantes de áreas de atuação profissional da saúde relacionadas ao evento ou procedimento sob análise (§§ 2º e 4º do artigo 10-D).

A finalidade da comissão é apresentar um relatório especializado avaliando aspectos não somente técnicos, o que inclui a nova tecnologia a ser incorporada ao seguro-saúde, mas também econômicos, o que contemplará a comparação de custos e benefícios do novo procedimento em relação ao anterior, introduzindo a necessária análise do impacto econômico para a ampliação da cobertura no âmbito da saúde suplementar, evitando desequilíbrios que possam inviabilizar a manutenção do próprio contrato e do negócio.

Os processos administrativos de atualização do rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar deverão apresentar duração máxima de 180 dias (com prorrogação possível de 90 dias) ou 120 dias (com prorrogação possível de 60 dias) para os temas prioritários, segundo os §§ 7.º e 8.º do art. 10 da LPS com as alterações da Lei 14.307/2022.

Além disso, outro aspecto que evidencia a reestruturação do setor de saúde suplementar a partir das novas tecnologias é a disposição do § 10 do artigo 10, incluído pela Lei 14.307/2022. Nesse ponto, a inclusão obrigatória no rol de cobertura da ANS de tecnologias avaliadas e recomendadas positivamente pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) — comissão que avalia a incorporação, a exclusão ou a alteração de tecnologias na rede de saúde pública (SUS) —, em até 60 dias da publicação da decisão, exige que o setor de saúde suplementar ofereça, no mínimo, as mesmas tecnologias incorporadas na saúde pública.

Em nosso sentir, a incorporação de uma nova tecnologia deve revelar-se eficiente, segura, com precificação estável e aprimoramento da tecnologia anterior para que se inicie a discussão sobre sua inserção ou não no sistema de saúde. Portanto, haverá prévio reconhecimento de uma coletividade técnica, grau de certeza quanto à sua eficiência e relevância social.

Entre as atribuições da Conitec, está a análise dos critérios suprarreferidos para o SUS, contudo as diretrizes da saúde suplementar são constitucionalmente distintas da saúde pública (artigos 196 e 198 da CF). Portanto, trata-se de um aspecto que precisa ser considerado no futuro, quando da interpretação e do aprimoramento da norma, para evitar distorções e diminuição da concorrência, considerando o fato de não ser função da Conitec a avaliação dos impactos econômicos para a absorção e a difusão das tecnologias no setor privado de saúde.

Afinal, com o regime jurídico atual, não se descarta a possibilidade de que a mudança impacte a diminuição do número de operadoras e seguradoras no mercado, permanecendo aquelas que apresentem porte financeiro capaz de atender as novas exigências relativas ao rol, situação que também acarretará efeitos para o mercado consumidor com a redução de suas possibilidades de escolha. Portanto, é essencial acompanhar técnica e juridicamente os efeitos das mudanças legislativas no setor.

Na técnica dos seguros, a provisão de recursos é necessária e, apesar de as seguradoras ou operadoras lidarem com riscos relacionados à saúde, estes precisam ser mensuráveis matematicamente a partir de estatísticas e dos cálculos atuariais, considerando tanto os eventos cobertos (doenças) quanto a extensão dos procedimentos incluídos no contrato. O rol de procedimentos da ANS deve ser tratado como o referencial a ser exigido das seguradoras e operadoras. Essa compreensão é relevante para a segurança dos devidos parâmetros técnicos ao cálculo do valor de referência do prêmio e para o reajuste anual.

Todavia, o modelo atual (1) trata o rol de cobertura como básico (artigo 10, § 12, da LPS) e (2) concede relativizações para a ampliação da cobertura, nem sempre considerando impactos econômico-financeiros. Desse modo, essas duas novas disposições legislativas serão traduzidas como fatores econômicos que poderão justificar o aumento do preço do seguro-saúde oferecido (ou, ainda, a aplicação de reajuste).

Isso porque não há como prever antecipadamente que toda nova tecnologia, a partir de sua eficiência, represente necessariamente a redução de custos finais. No setor de saúde, ela deve ser eficiente para a cura ou o aprimoramento do tratamento, mas isso não significa que haverá automática redução de custos. O aumento dos valores poderá levar ao agravamento do acesso à saúde suplementar por parte significativa da população brasileira, restringindo-se àqueles com maior poder aquisitivo, em contradição à esperada vocação social desse contrato. Por isso, a análise casuística será relevante na busca de soluções.

A delimitação do rol de cobertura é essencial, inclusive, para a manutenção do seguro-saúde a fim de que os efeitos econômicos do sinistro sejam adequadamente suportados pelo grupo segurado (mutualidade).

Nesse sentido, é problemática a redação legislativa do § 13 do artigo 10 da LPS, incluído pela Lei 14.454/2022, pois indica que a operadora (o que inclui a segurada que opera com seguro-saúde) deverá autorizar tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo mesmo que não previsto no rol, uma vez preenchidos os requisitos descritos nos incisos I e II do § 13 do artigo 10 da LPS. Tais requisitos, entretanto, dada a vagueza dos termos empregados, poderão não garantir a segurança técnica necessária, colocando em risco a sobrevivência do contrato para determinado grupo segurado, pois não contempla os efeitos econômicos dessa autorização.

Afinal, exigir comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico sem definir, por exemplo, o parâmetro de evidências científicas, leva à interpretação imprecisa, o que demandará esforço técnico, doutrinário e judicial para soluções. A mesma dificuldade é observada se a recomendação é dada por órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.

Portanto, alguns requisitos do atual § 13 do artigo 10 da LPS poderão resultar em interpretações diversas, por vezes colidentes, ou ainda facilitar a ocorrência de risco moral.[8] Observa-se que os trechos anteriormente citados não indicam a necessidade de um relatório de custos ou estudo de impacto financeiro. Considere, por exemplo, um medicamento de terapia genética de milhões de reais autorizado nessas circunstâncias: como o equilíbrio econômico será mantido por um grupo de segurados com pouco mais de trinta membros?

É necessário refletir sobre a preservação da dimensão social não apenas no momento imediato, mas também na perspectiva do grupo segurado, da coletividade a médio e longo prazos, inclusive com o mapeamento dos possíveis reflexos na saúde pública para a sustentabilidade do próprio direito constitucional à saúde. Essas breves questões iniciais, longe de esgotarem o debate, são o prenúncio de que ainda há muito por fazer, seja em matéria de sustentabilidade financeira do contrato, seja no desenvolvimento social do setor.