A crise no mercado de planos de saúde, que atravessa um cenário de prejuízos operacionais e alta sinistralidade, deve se aprofundar com a escalada da presença de idosos na base de clientes. O aumento de preços é tratado por executivos do setor como uma das alternativas para ajudar a equilibrar as contas.

O número de beneficiários com mais de 60 anos saltou de 3,3 milhões no ano 2000 para 7,3 milhões neste ano, atingindo o recorde da faixa etária em todos os tipos de contratação de planos de saúde, tanto nos individuais e familiares quanto nos coletivos empresariais ou por adesão, segundo análise do IESS (Instituto de Estudos de Saúde Suplementar) com base nos dados da ANS (agência reguladora do setor).

Hoje, os mais velhos representam cerca de 14% do total de beneficiários —e a presença cresce por meio das novas adesões de contratantes já idosos, mas também pelo aniversário dos beneficiários antigos que completaram 60 anos.

O chamado índice de envelhecimento da saúde suplementar, indicador que compara os grupos etários das extremidades da população, ficou em torno de 74% no fim de 2022, ou seja, hoje há quase 74 idosos para cada 100 jovens com menos de 15 anos. De acordo com o IESS, trata-se do maior patamar da série histórica iniciada há duas décadas, quando o índice ficava abaixo de 50%.

Valores elevados desse indicador apontam que a transição demográfica está em estágio avançado, podendo pressionar a sustentabilidade financeira dos planos de saúde e o equilíbrio das receitas com as despesas.

“Não tem como fugir da realidade: com o nosso envelhecimento, nossas despesas com saúde crescem. Isso vai se refletir no preço, invariavelmente”, diz Marcos Novais, superintendente da Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde).

A FenaSaúde (federação de operadoras) aponta projeções de um crescimento de 47% no contingente de usuários de planos de saúde com mais de 60 anos até 2031, provocando um avanço de 20% nas despesas assistenciais das operadoras nesta década. Com isso, os cuidados com os idosos consumirão 45% do total dessas despesas, acima dos atuais 35%.

José Cechin, superintendente do IESS, avalia que, para resolver o gargalo, não basta elevar os preços, já que o encarecimento dos planos pode espantar clientes, inclusive os mais jovens, que contribuem para equilibrar o peso do custo do idoso. Segundo ele, pelas regras do setor, a forma como os planos são precificados permite que os idosos paguem um pouco menos do que o custo médio de sua faixa etária porque os mais novos pagam um pouco mais, contribuindo para a solidariedade entre as gerações. Desse modo, a presença dos jovens ajuda a balancear o sistema.

“Há um limite para a elevação da curva de preços. O aumento tende a desestimular os jovens de permanecerem no plano. Essa não é uma saída de longo prazo. Então, qual é a saída? Ainda não a conhecemos”, diz Cechin.

A média da despesa assistencial per capita dos idosos em operadoras do segmento de autogestão foi de R$ 10 mil em 2020, segundo relatório da FenaSaúde com base em dados da Unidas (entidade que reúne instituições de autogestão). Na faixa até 18 anos, essa média foi de R$ 1.400 no ano.

Cechin afirma que o custo do idoso, em média, é maior do que o do beneficiário de outras faixas etárias porque costuma ter mais doenças crônicas. Ele ressalva que o debate sobre o tema requer cuidado para não passar uma impressão equivocada de que o envelhecimento da população é o grande culpado pelo desequilíbrio.

“A situação é um pouco mais complicada. O custo com saúde cresce por múltiplos fatores. A incorporação de tecnologia é o principal deles, no mundo todo, nos EUA, no Japão e aqui”, afirma.

Os preços já são altos e estão entre os principais motivos de reclamações dos beneficiários, segundo a ONG de defesa do consumidor Idec.

Atualmente, se um idoso de 77 anos fizer uma simulação para comparar preços no site da Qualicorp, vai encontrar opções que variam de R$ 660 até quase R$ 7.000 por mês. O plano compromete parte significativa da renda se ele for aposentado na média do INSS, com cerca de R$ 1.700 por mês.
Nas opções mais baratas, com até R$ 820, ele só encontra planos sem quarto individual, sem direito a reembolso e sem uma rede credenciada —ou com poucos hospitais (menos de 20).

A presença dos mais velhos sobe em todos os tipos de plano. No caso dos individuais e familiares, o reajuste não pode superar o teto definido pela ANS a cada ano. Mas a categoria dos coletivos empresariais, que acumulam quase 34% de crescimento no número de idosos na década, e os coletivos por adesão (19%) são livres para repassar altas de preços.

O Idec tem procurado a ANS para apresentar as crescentes reclamações sobre preços recebidas pelas instituições de defesa do consumidor e levar propostas para limitar o aumento nos planos coletivos. A ONG também pede à agência reguladora que exija mais transparência das operadoras no cálculo do reajuste.

Marina Paullelli, advogada do Idec, diz ter receio de um impacto para o consumidor. “Os argumentos de cunho financeiro são sempre levantados pelas operadoras como um entrave para a continuidade dos planos de saúde ou uma defesa para flexibilizar direitos do consumidor. Esses argumentos devem ser lidos com cuidado”, diz.