Se depender da avaliação da maior parte das entidades e instâncias a que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) submeteu a proposta de planos de saúde acessíveis do Ministério da Saúde, ela será rejeitada ou modificada de modo profundo. As avaliações integram relatório descritivo elaborado pelo regulador e encaminhado ao governo em setembro.

Segundo o ministério, a ideia é criar planos de saúde mais acessíveis à população e promover o equilíbrio nos custos per capita das operadoras. Estes, em meio à crise econômica, crescem na proporção inversa da redução do número de usuários dos planos, o que colabora para diminuir ainda mais as chances de acesso a eles.

Pedro Ramos, diretor da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), enxerga na proposta uma chance de reintegração aos que perderam seus planos, junto com o emprego: “Quanto maior a oferta, menor será o preço”.

Salomão Rodrigues, coordenador da Comissão de Saúde Suplementar do Conselho Federal de Medicina (CFM) avalia que os modelos propostos atendem um nicho de mercado, mas não aos pacientes. Afirma ainda que, ao incluírem apenas a atenção básica, empurram para o sistema público os procedimentos mais complexos e caros. Para o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, a proposta final “encampa quase que por cópia” a das operadoras.

O Ministério da Saúde propõe a criação de três tipos de planos acessíveis. O Simplificado, cobertura para atenção primária conforme o rol de procedimentos clínicos da ANS, incluindo consultas nas especialidades previstas pelo Conselho Federal de Medicina, e serviços auxiliares de diagnóstico e terapias apenas de baixa e média complexidade e sem internação. Tal escopo, afirma-se na proposta, atenderia mais de 85% das necessidades de saúde dos pacientes.

Já o Plano Ambulatorial + Hospitalar cobre a atenção primária e especializada de média e alta complexidade, à qual, contudo, o paciente só teria acesso após decisão preliminar de um médico da família ou da atenção primária e, eventualmente, de um segundo profissional. A cobertura, além disso, se limitaria à disponibilidade de infraestrutura no município e à capacidade operacional da rede particular. Ideia é criar planos mais acessíveis para a população e equilibrar custos per capita das operadoras.

A terceira modalidade, o Plano em Regime Misto de Pagamento, prevê cobertura, mediante a contraprestação mensal, apenas de serviços hospitalares, terapias de alta complexidade e medicina preventiva, além de atendimento ambulatorial. Os procedimentos seriam pagos à parte, de acordo com valores previstos em contrato.

Cinco técnicos do grupo de trabalho da ANS constituído para avaliar a proposta e submetê-la a debate público votaram pela exclusão pura e simples de boa parte do que ela prevê, especialmente nos detalhes. O Plano em Regime misto de Pagamento recebeu três vetos integrais, o Ambulatorial + Hospitalar um veto integral e três recomendações de alteração e o Simplificado, dois vetos e uma indicação de alteração.

“Um plano de saúde sem pronto atendimento não oferece cobertura mínima ao beneficiário, que ficaria sem assistência quando mais precisasse dela”, argumenta um dos técnicos, em depoimento agregado ao relatório da ANS, referindo-se ao Plano Simplificado.

Ainda a respeito desse modelo, outro técnico pontua que criar um plano para atenção primária é subverter a lógica da agência: “O que tem de suplementar em atendimento ‘básico’? A única consequência de um absurdo desses é acabar com o SUS, ou pior, transferir para o SUS todos os custos da medicina de alta complexidade”.

Já sobre o Plano Ambulatorial, outro técnico diz que “o beneficiário precisa ter como discordar da auditoria médica, que não pode ser um procedimento unilateral” e, ainda, que “não se pode diminuir o rol [de procedimentos clínicos] em virtude de insuficiência de rede”. A respeito do Plano em Regime Misto de Pagamento, um técnico da ANS pontua que “estaríamos voltando ao tempo pré Lei 9656/98, sem segurança ao beneficiário, que passaria a arcar com o risco do plano, ao invés da operadora”.

A ANS, em nota, afirma que o conteúdo do relatório, que inclui ainda avaliações do Ministério Público, Defensoria Pública, academia, entidades médicas e de defesa do consumidor, “não permite” concluir que o órgão regulador autorizou a proposta do governo. E que, de todo modo, grande parte das características apontadas no documento como essenciais a um plano mais acessível (em termos de preço) já são permitidas pela ANS.

Tais tópicos, no entanto, avaliam os especialistas, demandam extensa regulamentação, contrariando as demandas das próprias operadoras, sob pena de estimularem ainda mais ações judiciais. Para Rodrigues, do CFM, a proposta é uma tentativa de oficializar práticas já instituídas, que contrariam a legislação. “A ANS diz nas entrelinhas que não está de acordo. Mas [não se posiciona claramente porque] obedece a ordem ministerial”.