Segundo estimativas da ONU (Organização das Nações Unidas), há mais de 70 milhões de pessoas com TEA (Transtorno do Espectro Autista) no mundo. No Brasil, o número de autistas pode chegar a 2 milhões, apesar da dificuldade do diagnóstico, que pode puxar esse número para baixo. De acordo com dados divulgados pelo CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) dos Estados Unidos, uma em cada 50 crianças sofre de autismo. A estimativa é que 90% dos brasileiros com autismo não tenham sido diagnosticados.

A fim de reverter esse e outros entraves vivenciados pelos autistas e por suas famílias, foi sancionada a Lei Nº 12.764, de 2012, mais conhecida como “Lei Berenice Piana”, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com transtornos do espectro autista.

No dia 1º de dezembro de 2022, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) promoveu o Seminário “10 anos da Lei Berenice Piana – conquistas e desafios”, em Brasília, para tratar do assunto e celebrar a lei. Entre os temas abordados nos últimos três painéis, o debate discorreu sobre a inclusão de pessoas com autismo nas escolas, nos mercados de trabalho e nas políticas públicas de saúde.

No quinto painel, nomeado “Reconhecer capacidades, impulsionar o desenvolvimento: as altas habilidades ou superdotação em pessoas com autismo”, especialistas abordaram temas como a dupla excepcionalidade, caracterizada pela existência de habilidades superiores em uma ou mais áreas.

Na análise do médico neurologista Luis Felipe Coutinho Mones, a Lei Berenice Piana é um marco importante na legislação ao que se refere aos direitos das pessoas com deficiência. “A lei tem grande importância na questão dos direitos das pessoas com autismo e suas famílias, já que são consideradas pessoas com deficiência aos olhos da legislação brasileira, desta forma assegurando os seus direitos”.

Ele acredita que a lei tem um impacto positivo na sociedade ao longo dos últimos dez anos, sendo que mais pessoas foram conscientizadas sobre o autismo: “As pessoas com autismo e seus familiares têm um maior apoio legal para tratar seus filhos, para que estes possam ser inseridos na sociedade e ser funcionais na mesma”.

Pacientes enfrentam desafios com o tratamento nas redes pública e privada

Na visão de Mones, a Lei 12.764 é abrangente, principalmente na questão de tratamento e diagnóstico dos pacientes. Ele observa que muitos pacientes com autismo, mesmo com a lei em vigor, têm dificuldade no acesso tanto ao diagnóstico precoce como ao tratamento – o que varia de município para município e de estado para estado.

“De um modo geral, os pais peregrinam por vários médicos até chegar a um diagnóstico definitivo e, quando finalmente conseguem realizar o diagnóstico, tem início a jornada do tratamento”, pontua. “No caso da rede pública, há uma deficiência em profissionais para atender à demanda. Além disso, há muitos profissionais pouco familiarizados com pacientes com estas características”.

Já na rede privada, prossegue, ao que se refere aos planos de saúde, são colocados empecilhos para que os pacientes com autismo tenham um tratamento adequado.

“Muitos convênios aceitam somente os seus próprios centros de referência para que os pacientes possam realizar os tratamentos”, afirma Mones. Ele pontua que pouco tempo atrás, os planos alegavam que o rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) somente dava o direito de certa quantidade de seções para os pacientes e que, ao extrapolar a quantidade mínima, elas já não seriam cobertas pelo plano de saúde. “Devido a isso, muitas famílias entram na justiça para garantir os direitos dos seus filhos”, diz ele.

Desinformação e diagnóstico tardio desafiam famílias e pacientes com TEA

O médico neurologista ressalta que o tratamento do TEA custa caro tanto para as famílias quanto para o estado e para os planos de saúde. Apesar disso, ele acredita que o tratamento sai mais barato do que ter um paciente dependente o resto da vida de seus familiares porque, no momento adequado, não foi tratado e conduzido de uma forma assertiva.

“Mesmo diante de avanços, muitas pessoas ainda não sabem sobre o autismo e nem das suas características, e ignoram que não se deve ter um diagnóstico definitivo para poder iniciar as terapias, porque o tempo que se perde até chegar ao diagnóstico definitivo é um tempo que não se recupera”, explica Mones. “Quanto antes o diagnóstico for feito, melhor poderá ser o desfecho final para os pacientes e seus familiares”, complementa.

Familiares de pacientes com TEA merecem atenção

Para concluir, o especialista destaca que deveria haver um programa não somente para tratar o paciente com TEA, mas também de suporte aos seus familiares que, muitas vezes, apresentam muito estresse – o que também acaba refletindo no comportamento da criança com autismo.

“Não é raro achar pais que têm sinais de depressão e que não estão se tratando ou que acabam não procurando ajuda, pois acabam dando prioridade para o filho”, finaliza Mones.