Há muitas coisas que a tecnologia pode fazer em prol da assistência à saúde das pessoas. Sistemas informatizados podem contribuir para a maior eficiência da gestão de unidades de atendimento, facilitando o agendamento de consultas e exames e organizando processos internos.

A análise de grandes volumes de informações, conhecida como big data analytics, permite a melhor gestão populacional por parte de hospitais e operadoras de planos de saúde, potencializando ações de promoção de saúde e prevenção de doenças A inteligência artificial tem a capacidade de tornar diagnósticos médicos mais rápidos e assertivos. E a conectividade de pacientes, médicos e gestores de saúde, por meio de computadores, smartphones, tablets e, em um futuro próximo wearables – as tecnologias “vestíveis”, como roupas e relógios conectados à internet – tem a capacidade de melhorar a experiência do usuário de serviços de saúde, dando a ele a capacidade de gerenciar seu próprio histórico médico e aproximando-o de quem pode ajudá-lo a satisfazer suas necessidades, como nos casos de consultas à distância, por exemplo.

Tudo isso é um pouco de realidade no mundo de hoje, e um tanto de promessa também. Mas se tem alguém que pode acelerar o processo de digitalização da área da saúde são as empresas de inovação com base tecnológica, as já famosas startups.

Conhecidas no mundo dos negócios como healthtechs, pois têm como missão resolver problemas do sistema de saúde, descomplicando-o, essas empresas vivenciam atualmente uma explosão de crescimento no mundo, atraindo investimentos de cerca de U$ 5 bilhões em 2016, segundo a aceleradora Galen Growth Asia.

Nos EUA, mercado que lidera a revolução tecnológica na saúde, o mercado de healthtechs está em ebulição. Em novembro passado, a Optum, empresa de tecnologia do UnitedHealth Group. a maior seguradora de saúde daquele país, anunciou a criação de um fundo de US$ 250 milhões para investimentos em startups que ofereçam soluções inovadoras para melhorar o acesso aos sistemas de assistência à saúde e a qualidade dos mesmos. Outro exemplo de sucesso nos EUA é a Oscar Health, seguradora digital fundada em 2012 que recebeu aportes de US$ 720 milhões para desenvolver seu negócio. Também em novembro, a companhia anunciou joint venture com a Humana, outra seguradora de grande porte, para atender à demanda de pequenas empresas na cidade de Nashville.

Esse mercado está começando a ganhar força também no Brasil. Surgem, em diversas cidades do país, centenas de empresas com diferentes soluções, dirigidas ao setor público e ao privado, a operadoras, hospitais, profissionais da saúde e também a pessoas interessadas em gerenciar de forma mais organizada sua própria saúde, como nos casos dos aplicativos de registro médico. Segundo dados da Associação Brasileira de Startups (ABStartup), em 2015 cresceu em 160% a quantidade empresas que desenvolvem soluções para profissionais da saúde, em comparação com o ano anterior.

Já nos últimos dois anos, começaram a se estabelecer parcerias entre startups e empresas tradicionais já estabelecidas no setor, como hospitais e operadoras de planos de saúde, que podem, assim, se beneficiar de ferramentas tecnológicas em favor do seu próprio negócio – e dos seus pacientes. Isto é, ao contrário do que muitos podem pensar, as novas empresas com base tecnológica são, na maioria das vezes, aliadas e não concorrentes das companhias tradicionais.

“As companhias tradicionais podem ter vários papéis nesse movimento. Primeiro, estarem abertas para servir como piloto para startups, oferecendo ambiente para testes e para acelerar processos de desenvolvimento”, diz Eliane Kihara, líder do setor de saúde da consultoria PwC. “O desafio é identificar inovações que podem trazer mais valor para seu negócio. No caso específico das operadoras, elas estão percebendo as oportunidades para engajar pacientes aos tratamentos e para reduzir a hospitalização, entre outros benefícios.” São diversas as possibilidades para essa aproximação, com benefícios para ambos os lados. Além da simples compra de serviços inovadores, as empresas tradicionais podem trabalhar juntamente com startups no desenvolvimento de soluções tecnológicas sob medida, em um processo conhecido como open innovation.

Outro formato de parceria usual no mundo – e que conquista cada vez mais espaço no Brasil – é o corporate venturing, no qual a empresa investidora se torna sócia da startup e também a ajuda com mentoria para o desenvolvimento do negócio, além de prover acesso a sua base de clientes e ao seu know-how sobre o setor de saúde.

Clínicas, hospitais e operadoras interessados em acelerar sua entrada na medicina digital já têm um cardápio vasto no Brasil, bastando fazer suas escolhas de forma inteligente. Segundo a Growplus, empresa de Porto Alegre que faz a conexão entre startups e potenciais parceiros e investidores, há entre 900 e mil healthtechs atuando no país. “Já estamos há cinco anos nesse mercado e nunca tivemos um momento tão favorável como agora para empreender e inovar na saúde”, afirma Felipe Lourenço, CEO da iClinic, startup que fornece ferramentas de gestão para pequenas e médias clínicas médicas. “A saúde demorou para entrar em crise e é uma das primeiras a sair. Agora é a vez das healthtechs, que nos últimos 18 meses ganharam bastante atenção dos investidores.” De parceiros a sócios Controlador da operadora Amil. da rede Americas Serviços Médicos e da empresa de tecnologia Optum, o UnitedHealth Group. por exemplo, lançou em novembro o Meet Up Start Up, uma iniciativa do grupo para firmar parcerias com startups capazes de otimizar e acelerar seus processos.

O objetivo é incentivar o desenvolvimento de projetos inovadores na área da saúde, com possibilidade de implantação nas empresas do grupo.

“As startups trazem um olhar novo para a atuação de nossas empresas, algo importante para mantermos fluxos e processos em constante movimento e o cliente sempre no centro de nossos esforços”, afirma o CEO da companhia, Leonardo Almeida.

A Unimed Porto Alegre, por sua vez, realizou em março de 2017 uma “maratona de inovação” interna, que reuniu oito médicos cooperados e 38 funcionários com a missão de melhorar a “experiência” dos seus pacientes no uso dos serviços. As 211 propostas geradas nessa maratona foram, então, agrupadas em seis temas direcionadores: assistência médica, bem-estar e prevenção, cuidados do paciente, saúde digital, engajamento e conectividade, e eficiência operacional. Esses seis temas foram usados como base para um programa que investirá R$ 1 milhão em 20 startups, que também receberão mentoria e poderão se tornar fornecedores da companhia.

“Além de acelerar a incorporação de tecnologia pela nossa empresa, esperamos que o programa ajude a mudar o mindset [mentalidade] dos nossos colaboradores”, diz Caroline Souto, assessora de estratégia da Unimed Porto Alegre.

Uma das startups que tem operadoras como foco comercial é a CUCO Health, baseada na cidade de Florianópolis e eleita pelo ranking 100 Open Startups como a mais “atraente” do Brasil na área de saúde. Em 2016, a empresa lançou seu primeiro aplicativo, que ajudava pacientes a lembrarem a hora de tomar seus medicamentos. “Mas aí percebemos que isso era uma ação isolada e que para aumentar nosso impacto tínhamos de envolver as operadoras”, afirma a CEO da CUCO Health, Livia Couto.

A startup desenvolveu, então, uma ferramenta que permite as operadoras monitorarem o cuidado de saúde de seus beneficiários. Segundo Couto, com o aplicativo é possível identificar perfis de risco na carteira de clientes e tomar ações preventivas, além de estabelecer uma relação mais próxima com os beneficiários. Duas operadoras já estão usando o aplicativo. O principal resultado já aferido é um índice de 73% de adesão do paciente ao medicamento, índice bem acima da média do mercado, que é de 23%, segundo a empreendedora.

Por outro lado, Couto aponta uma dificuldade para encontrar portas abertas. “As operadoras têm uma grande aversão a risco pra apostar em startups.

Nosso trabalho é educativo, para mostrar que a tecnologia pode ajudar a reduzir custos e entregar melhor experiência para os beneficiários”, diz.

Da gestão à assistência Descomplicar a saúde no brasil. Essa missão ousada motivou Felipe Lourenço a criar a iClinic, em 2012. A startup atende atualmente a 260 clínicas médicas de pequeno e médio porte, em 26 estados, além de clientes em Portugal, Moçambique, Angola e Cabo Verde. No início, a empresa fornecia apenas uma ferramenta para substituir o papel e a caneta no agendamento de consultas, prontuários de pacientes e rotinas financeiras.

Hoje, a iClinic oferece soluções para melhorar a gestão das clínicas, atingindo até controle de estoque e relacionamento entre médico e paciente após a consulta. Um dos resultados mais importantes desse serviço é a redução de 26% do número de glosas, como são chamados os casos em que planos de saúde contestam as despesas apresentadas por médicos, clínicas ou hospitais de sua rede credenciada. No processo de cuidado à saúde, a iClinic ajuda seus clientes, por exemplo, a reduzir em 30% o índice de não comparecimento de pacientes em consultas. Isso é possível por meio de um aplicativo que conecta a clínica ao paciente e o lembra do compromisso. Caso ele decida cancelar a consulta, o próprio sistema recomenda novas datas. O monitoramento de pessoas com doenças crônicas também é feito por meio do sistema, que gera mensagens automáticas para lembrá-las de tomarem seus medicamentos e também oferece mais informações sobre seus problemas de saúde.

Outras duas startups que ajudam seus clientes a melhorarem a gestão são a Pega Plantão e a Mais Leitos. A primeira está com três anos de vida e oferece uma ferramenta para aprimorar a gestão de escalas de médicos e enfermeiros, reduzindo, em média, 60% do tempo dedicado a essa atividade – tempo esse que será direcionado à atividade-fim, isto é, o cuidado aos pacientes.

A Pega Plantão também registrou redução de até 70% nas faltas dos profissionais de saúde ao trabalho.

“Nossos serviços também podem ser úteis para operadoras com rede credenciada, pois ajudam a enxergar os processos dos hospitais que a compõem”, diz Fabio Paradiso, diretor operacional e sócio-fundador da Pega Plantão.

Outro grande desafio das organizações hospitalares é obter o máximo de “giro” dos seus leitos. Pensando em atender a essa demanda, a Mais leitos criou um sistema inspirado em processos industriais que cruza informações históricas sobre internações e faz recomendações com base em protocolos clínicos.

No projeto-piloto da empresa, realizado em unidade cardiovascular do Hospital Ouro Verde, de Campinas, em 2016, a Mais Leitos conseguiu aumentar o giro de leitos em torno 33% em um período de três meses. Hoje, a startup com sede em Fortaleza, atende a mais de 30 hospitais do Ceará, São Paulo e Rio Grande do Sul, que pagam uma assinatura mensal de 7 reais por dia de cada leito gerenciado.

“Nosso planejamento prevê trabalhar em parceria com operadoras, no futuro”, afirma Paulo Andre Pequeno, CEO da Mais Leitos.