O projeto que vai reformar a Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/98), apresentado na Câmara na semana passada, determina que as empresas do setor sejam obrigadas a vender planos de saúde individuais. Na prática, porém, há dúvidas sobre se isso resultaria, de fato, no aumento da oferta de produtos com esse perfil. Atualmente, dois terços das operadoras, ou 488 delas, comercializam planos individuais. Esse tipo de contrato, no entanto, corresponde a uma fatia de apenas 19% do mercado, segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Se a ideia era incentivar o plano individual, seria mais efetivo proibir os falsos coletivos. Com a recessão, esse perfil de plano, em que as pessoas são convidadas a se associar a entidades com as quais não têm relação ou a declarar vínculo com um CNPJ, muitas vezes, oferecido pelo próprio vendedor, só cresce. O individual não deixou de ser oferecido, é que o preço não é atraente. A diferença de valor para um plano coletivo pode bater 50%. Se não houvesse a possibilidade de “coletivo” de um só (falso coletivo), as empresas seriam impulsionadas a oferecer individuais mais atrativos — avalia Mario Scheffer, coordenador do Observatório da Judicialização da Saúde Suplementar, do Departamento de Medicina Preventiva da USP.

Para empresas, agressão à livre iniciativa

A FenaSaúde, que reúne 23 operadoras no país, sustenta que obrigar, por lei, as empresas a vender um produto pode ser inconstitucional:

— O deputado (relator do projeto) quer que se volte a vender plano individual. Mas há uma agressão ao princípio constitucional da livre iniciativa. Afora isso, houve uma razão para o desinteresse das operadoras na venda do produto, que é o subreajuste. O aumento autorizado pela ANS não permite recompor os custos. A operadora fica no prejuízo e, por isso, não quer vender individual — diz Solange Beatriz Palheiro Mendes, presidente da entidade.

Ela negou, contudo, que as empresas pretendam combater a determinação, caso o projeto de lei seja aprovado como está:

— As operadoras não vão resistir, mas não podemos entender que, isoladamente, seja uma boa proposta. Não precisa liberar o reajuste dos individuais, mas poderiam ser criadas regras para fazer um reajuste adequado, com parâmetros realistas.

Na avaliação de Patrícia Cardoso, coordenadora do Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Rio, a obrigatoriedade de venda dos planos individuais proposta na revisão da lei atende a um anseio dos consumidores:

— Toda lei deveria ser uma resposta a uma demanda da sociedade, e essa mudança reflete isso. É um problema sistêmico da saúde, o consumidor que sai do plano empresarial não tem para onde ir.

Lígia Bahia, especialista no setor de Saúde da UFRJ, destaca que o projeto empurrou para a ANS a regulação dessa oferta obrigatória. E ressalta que abre brechas para a criação do chamado plano popular, que teria rol de cobertura reduzido — podendo ser regional — e, com isso, preço menor:

— O que se defende entre as empresas do mercado é vender plano individual popular, ainda que não seja autorizado no momento. Elas querem recuperar as pessoas que deixaram de ter plano e atrair outras. As operadoras vão voltar a vender o individual, especialmente um produto reduzido.

O projeto de lei não fala em redução de rol de cobertura dos planos, embora reforce seguidas vezes que é preciso obedecer a segmentação dos contratos. O relator, o deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), afirmou ao GLOBO que este não é o momento para essa discussão, mas admitiu que será necessário voltar ao tema futuramente.

O principal nó, segundo as operadoras, está no mecanismo de reajuste do plano individual, que tem o aumento anual das mensalidades calculado pela ANS. Este ano, ficou em 13,55%. Nos planos coletivos — que representam 81% dos contratos do setor — o percentual chegou a 40% em alguns casos.

Fontes do mercado dizem que já está em estudo a possibilidade de que o índice de reajuste dos individuais passe a ser calculado por uma instituição independente, e não mais pela ANS.