Os casos de covid-19 recrudesceram no mundo todo. Infelizmente. Mas, mesmo diante desta nova adversidade, podemos (e devemos) colher alguns aprendizados da pandemia. São lições importantes, sobretudo num país como o Brasil, que conta com um dos mais abrangentes sistemas de assistência à saúde do mundo.

Desde março, vivemos num estado de alerta intenso, que pressionou nossas unidades de saúde a níveis nunca vistos. Atualmente, temos dois sistemas, o público e o suplementar, que atuam de forma praticamente paralela. Não pode ser assim. Mesmo autônomas, há vários pontos de conexão entre essas duas redes de assistência que precisam ser mais bem explorados, a fim de tornar a saúde brasileira mais eficiente para quem de fato interessa: o paciente.

Quando alguém é atendido pela rede de assistência que atende as operadoras de planos e seguros de saúde privados é uma pessoa a menos a depender do Sistema Único de Saúde (SUS). Ampliar o acesso à saúde suplementar é, portanto, uma das maneiras mais efetivas de desafogar o cada vez mais sobrecarregado sistema público do país.

Mas, para que isso ocorra de maneira robusta, é preciso uma regulamentação que permita ao setor privado oferecer mais opções que atendam às necessidades específicas dos beneficiários, e não ofertar apenas formatos rígidos de coberturas. Somos uma população heterogênea e, como tal, precisamos ter produtos de assistência à saúde que atendam à multiplicidade de exigências dos brasileiros.

Possíveis ganhos com a maior integração entre os sistemas de saúde também tendem a ser reforçados pela necessária transição para novos modelos de remuneração. Trata-se de uma mudança que o mundo inteiro vem ensaiando há alguns anos e que, agora, mais que nunca, torna-se relevante e urgente.

O objetivo é promover uma medicina baseada em entrega de mais valor para o paciente (value-based’). Isso se traduz em oferecer atendimento necessário e mais eficaz para que cada pessoa obtenha desfecho clínico mais positivo. Ou seja, remunera-se por resultados, não por número de procedimentos. Muda-se o foco de quantidade como é hoje, encarecendo a prestação do serviço de saúde para desempenho.

Os custos com a saúde estão aumentando continuamente, ano a ano. É uma realidade tanto nossa, quanto de qualquer parte do mundo. Um dos principais fatores é a tecnologia, que ajuda a salvar vidas, mas pressiona cada vez mais as despesas. A melhor forma de responder a isso é proceder a Avaliação de Tecnologias em Saúde em todos os processos de incorporação de inovações. Por meio de evidências científicas, a chamada ATS observa o custo-efetividade de cada medicamento, procedimento ou terapia de modo a produzir resultados melhores do que os advindos das tecnologias disponíveis.

No Brasil, esse processo é feito por meio de dois canais distintos e paralelos. A incorporação pelo sistema público é analisada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), do Ministério da Saúde. Nos planos de saúde, é feita pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Está na hora de mudar isso.

A ATS poderá ser mais eficiente se passar a ser conduzida por uma agência única, nos moldes do que acontece em sistemas de saúde paradigmáticos como o do Reino Unido. Com potencial para promover custos mais justos, acessíveis e transparentes, colaboraria para diminuir desigualdades de acesso num país já tão iníquo quanto o nosso: não faz sentido termos uma fila para os 22% que têm planos de saúde e outra para o restante da população.

Outra forma de ampliar a complementariedade entre os sistemas é dobrar a aposta na atenção primária. A pandemia corroborou a antiga crença segundo a qual cuidados com prevenção e com saúde básica têm potencial de resolver, com sucesso, até 80% das demandas da população. O SUS foi criado a partir dessa premissa, e ela pode ser ampliada ainda mais se os sistemas de saúde colaborarem mais entre si.

A ênfase na assistência primária também é uma forma de coibir custos e desperdícios na cadeia de saúde. Um paciente que recorre a um clínico geral ou a um médico de família num momento em que a doença ainda não se agravou é uma pessoa a menos a acorrer desnecessariamente a uma unidade de saúde destinada a atendimentos de maior complexidade. Evita-se, assim, também um importante fator que pesa nos custos dos planos de saúde que funcionam no sistema do mutualismo, em que, na prática, o custo de cada procedimento é arcado por todos.

A pandemia levou a sociedade a refletir sobre o funcionamento da saúde no Brasil e no mundo. O momento é de aprofundar o debate para que possamos ampliar a assistência, e de maneira mais integrada. É preciso reduzir custos e produzir melhores resultados. São alguns dos aprendizados que já podemos tirar da pandemia, abrindo novos caminhos para promover uma atuação mais colaborativa entre saúde pública e privada. É um movimento não só desejável, mas necessário. A hora de mudar é agora.