A limitação do tempo de internação para tratamento de dependentes químicos por planos de saúde tem gerado aumento de processos e controvérsias na esfera judicial.

No TJ (Tribunal de Justiça) de São Paulo, o número de decisões judiciais de segunda instância (acórdãos) envolvendo o tema “dependência química” pulou de 11, em 2001, para 92, em 2016.

No centro da polêmica, está a coparticipação nas internações psiquiátricas. Diferentes planos de saúde têm cláusulas contratuais que obrigam o usuário a arcar com até 50% dos custos da internação a partir do 31º dia.

A Folha avaliou 65 acórdãos publicados de janeiro até a semana passada, com 43 decisões favoráveis ao usuário e 22, aos planos de saúde. Segundo o entendimento de alguns desembargadores, a prática é abusiva e limita o tratamento dos usuários.

“Limitação temporal e regime de coparticipação implicam, na prática, negativa de cobertura devida”, diz uma decisão do início deste mês da 10ª Câmara de Direito Privado do TJ paulista.

O texto afirma ainda que a cobrança de coparticipação levará o paciente a abandonar o tratamento prescrito, já que não terá condições financeiras para mantê-lo.

É o caso do administrador P.C.S., 51, que esteve internado em clínica no interior do Estado para tratar a dependência de cocaína e álcool. O seu contrato prevê coparticipação de 50% a partir do 31º dia de internação. Entretanto, após acionar a Justiça, ele obteve liminar que reverteu, por ora, a obrigação.

“Já pago quase R$ 3.000 de plano de saúde [para ele, a mulher e o filho]. Seria totalmente inviável arcar com 50% do valor da mensalidade da clínica [de R$ 8.000]”, diz ele, que ficou 90 dias internado. A seguradora recorreu da decisão no tribunal.

Em segunda instância, muitos desembargadores têm se valido de uma recente decisão do STJ (Supremo Tribunal de Justiça), que passou a considerar legítima a coparticipação em internações psiquiátricas, se estiver claramente prevista em contrato.

Coparticipação

O advogado Rafael Robba, especializado em direito à saúde e sócio do escritório Vilhena Silva, diz que a tendência das decisões do TJ tem sido manter a coparticipação, caso haja previsão contratual.

“As decisões ainda variam bastante entre as dez câmaras do TJ. Mas, mesmo as que aceitam a cobrança da coparticipação, estão reforçando que ela não pode inviabilizar o tratamento do paciente.”

Para Ana Carolina Navarrete, pesquisadora em saúde do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), a cobrança de 50% de coparticipação é inviável para qualquer procedimento e precisa ser vetada. “Acima de 30%, entendemos que configura restrição severa e que há violação de artigos do CDC [Código de Defesa do Consumidor].”

A ANS (Agência Nacional de Saúde) prepara novas normas para planos de saúde com coparticipação, que atingem hoje 50% dos usuários no país. As regras atuais foram estabelecidas pelos próprios planos. Uma das propostas é limitar em até 40% o valor da coparticipação.

Segundo Ana, o Idec já alertou a ANS sobre os riscos aos usuários, utilizando como exemplo o que está acontecendo com as internações de dependentes químicos.

Em nota, a Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde) reforça que a coparticipação, após a permanência por 30 dias do dependente químico em clínica de reabilitação, é regulamentada pela ANS. “É importante a participação dos familiares no acompanhamento e auxílio da recuperação de saúde do dependente internado”, diz.

Sobre a judicialização, diz que, “enquanto não houver segurança jurídica, o individual se sobressairá, prejudicando a coletividade”.