Uma iniciativa da Beneficência Portuguesa de São Paulo revelou que a maior parte das indicações para cirurgia de coluna pode não ser adequada. Segundo o médico Edmond Barras, chefe do Serviço de Clínica e Cirurgia da Coluna Vertebral da Beneficência Portuguesa de São Paulo, desde outubro de 2016, um colegiado formado por médicos de diversas especialidades avalia individualmente casos com prescrição de operação vertebral. Dados preliminares indicam que em cerca de 60% dos episódios, o procedimento não é o mais conveniente para o paciente. “A estatística está alinhada com a de outros trabalhos semelhantes no Brasil e no mundo”, afirma.

Em 2015, foram feitas 27 mil intervenções com implantes no Brasil, a um custo de 120 milhões de dólares. “Podemos estimar que 16 mil brasileiros foram operados sem necessidade, a um gasto de 70 milhões de dólares”, alerta Barras.

A formação do colegiado começou a ser discutida em abril de 2016, por um grupo de médicos liderado por Barras. Há um ano, as equipes se reúnem semanalmente para discutir situações reais de seus pacientes. Fazem parte do colegiado neurocirurgiões, cirurgiões ortopédicos, radiologistas, reumatologistas, fisiatras e especialistas em dor. O paciente só é operado quando há consenso entre os especialistas. “É como se fosse a decisão de um tribunal superior”, compara Barras.

O principal beneficiado é o paciente. “Por mais perfeita que seja, uma cirurgia de coluna mal indicada terá resultado ruim”, afirma Barras, com quase 40 anos de prática na mesma instituição. “O prejuízo não é só material, mas físico e psicológico. A pessoa pode arcar com as consequências para o resto da vida.”

A experiência da Beneficência Portuguesa é semelhante ao de um projeto criado no Hospital Israelita Albert Einstein. Desde 2011, mais de 3 mil casos foram estudados em conselho, com a conclusão de que também em 60% dos casos as operações seriam desnecessárias. Na mesma linha, estudo apresentado no congresso anual da Associação Americana dos Cirurgiões Neurológicos, em 2017, revelou que procedimentos na lombar eram contraindicadas para 60% dos pacientes.

Segunda opinião e junta médica

Outra forma de coibir cirurgias mal indicadas é o paciente ter a iniciativa de buscar uma segunda opinião. “Ninguém é dono da verdade e nada é definitivo. Médicos têm formações e experiências diversas”, diz Barras, que defende a constituição de órgãos independentes, aos quais a população possa ter acesso gratuito. A mentalidade dos pacientes já começou a mudar depois da divulgação da Máfia das Próteses. “Eles chegam ao consultório e perguntam se foram vítimas de fraude. Estamos dando mais um passo para conscientizar a população”, diz Barras.

Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) estabeleceu os critérios para formação de junta médica ou odontológica quando há divergência clínica sobre procedimento a ser coberto pelas operadoras de planos de saúde. A medida deve ser adotada sempre que não houver acordo entre a operadora e o profissional de saúde que assiste ao beneficiário quanto à indicação de realização de um determinado procedimento ou à utilização de tipos específicos de órteses, próteses ou outros materiais especiais. A junta é, então, composta pelo médico ou dentista assistente, por um profissional da operadora e por um terceiro, escolhido em comum acordo entre o profissional assistente e operadora.